23.9.03

A saga do primeiro beijo (Post XVII)

Nos apresentamos à diretora, mostramos os bilhetes falsificados e aguardamos enquanto ela ajeitava os óculos e conferia as assinaturas. O silêncio do ambiente era perturbador, mas antes que se tornasse insuportável, ele foi quebrado pela campainha do telefone.

- Dom Duarte... Alô, alô, alô... Fale um pouco mais alto... Sim... Como vai dona Maria? Sei... Sim, está aqui na minha frente.

O que era aquilo? Filme de terror? Senti meus olhos lacrimejarem e minhas pernas adormecerem. Por que minha mãe ligaria para a escola? Marilu segurou minha mão e fez um sinal para que eu procurasse me manter calma. Não adiantou. O rumo da conversa era aterrador.

- A senhora não se preocupe porque está tudo sob controle... Nada que não possa ser corrigido... Claro... Acabei de lê-lo... A senhora fique tranqüila porque sua filha está em boas mãos.

Comecei a chorar. Não conseguia segurar uma gota de lágrima. A diretora, de costas pra nós, falava ao telefone e, a cada palavra que ela pronunciava, eu via nitidamente a minha mãe do outro lado da linha. Que ingenuidade a nossa achar que falsificar as assinaturas dos nossos pais resolveria o problema! Diante da cena patética de me ver chorando de medo, a Marilu passou a mão por trás da cadeira e me deu um beliscão nas costas. Doeu tanto que precisei respirar fundo para não dar na cara dela. Senti um ódio tão grande que parei com o choro e me recompus. Quando a diretora virou novamente o corpo para nós, apesar de roxa de ódio e rosto esfregado, eu já não dava mais tanta bandeira de preocupação. Estava pronta para o pior, mas estava com mais raiva da Marilu do que medo da minha mãe ou da diretora.

- Marilu você pode ir para a sala de aula. Alessandra fica.

Estremeci, mas pelo menos não chorei. Foi a vez da Marilu bambear. Ela ficou como barata tonta, não sabia se ia, se ficava, se argumentava...

- Saia e deixe a porta aberta. Quero ouvir os seus passos bem longe daqui.

Sem escolha, Marilu saiu da sala e me deixou a sós com a dona Olga. Durante alguns segundos, ouvimos em silêncio o solado do Conga chiando contra o piso de cerâmica.

- Alessandra, eu quero te pedir um favor.

Favor? Que tipo de favor?

- Favor? Claro, dona Olga.
- Eu quero que você cuide da Marilu.

O quê? Ela devia estar brincando. Será possível que não era minha mãe do outro lado da linha? Que papo era aquele? Desde quando a Marilu precisava de cuidados? Ela era capaz de cuidar daquela escola inteira, inclusive da própria dona Olga.

- Como assim dona Olga?
- Sabe minha filha, alguns amigos operam verdadeiros milagres nas nossas vidas. E é por este motivo que estou pedindo a sua ajuda. Você é muito nova para compreender a dimensão do que eu estou dizendo, mas vou apostar na sua sensibilidade. Marilu é uma menina com muita personalidade, mas ainda é uma menina. E é importante que você acredite que ela precisa tanto de você, quanto talvez você precise dela.
- Desculpe, dona Olga, mas eu não entendi o que a senhora quer que eu faça. Ela tem algum problema?
- Problemas, todos nós temos. Mas o que eu quero é que você não deixe de se impôr com a Marilu. Não se sinta deslumbrada com as idéias mirabolantes dela, faça valer as suas, combinado?

Era tudo muito confuso, mas eu só queria sair daquela sala.

- Tudo bem.
- Assim espero. Um dos sinais de que você estará cumprindo o prometido, será se mantendo longe desta sala. E isso vale pra vocês duas.

Concordei novamente e pedi licença para me retirar. Fechei a porta e respirei aliviada. Nada de assinaturas falsas, telefonemas e nada da minha mãe. Eu não sabia se ria ou se chorava, mas acabei rindo ao ver a Marilu no corredor, só de meias e na ponta dos pés, tentando se aproximar da sala da diretora para saber o que estava acontecendo. Era uma palhaça...

----------> Continuará em Amarula Com Sucrilhos

Nenhum comentário: