Jesus falava por parábolas. Já eu prefiro senoidais.
Na Igreja do Sagrado Fígado com Fibrose de São Tomé das Letras congregam-se diversos tipos de pedras que aos poucos vão chegando para a missa. Os granitos, os mármores, os basaltos, as pedras-sabão, as pedras-pome vão se distribuíndo pelos bancos do templo. Os grandes matacões sisudos pedem silêncio aos pequeninos cascalhos que riem baixinho dos liquens na velha pedra sentada na primeira fila antes de começar a homilia do Frei Ratapulgo.
– Glória ao Senhor! O sermão de hoje versará sobre a generosidade e a economia de mercado. Exigirá que vocês imaginem uma historinha como se fosse um cartum do Quino. Sabe aquele náufrago barbudo magrelo típico na ilha típica com palmeirinha idem? Pois então, é ele. Imaginem o sujeito no primeiro quadrinho todo desolado em sua ilhota. No segundo quadrinho aparece a proa de um barco enorme, um baleeiro. O barbudo magrelo sorri, radiante, na expectativa do resgate. Depois o capitão desce à ilhota, todo aristocrático de cachimbo e lenço no pescoço. O capitão explica graficamente ao barbudo todo o processo de localização das baleias via GPS, o arpoamento desses grandes cetáceos, o içamento da bichona até o convés, a abertura do ventre pela tripulação e a metodologia do acondicionamento das víceras. Terminada a explicação o capitão cumprimenta efusivamente o náufrago e dá para ele um saquinho transparente com um peixinho dourado. No último quadrinho o barbudo da ilha e o peixinho no saco encaram-se mutuamente enquanto o baleeiro singra em direção ao horizonte.
Visualizaram? Pois muito bem. Agora, abramos todos os hinários em Geraldo Vandré 3:17. Vamos todos caminhando e cantando e seguindo para nossas casas meditar sobre o significado de "Não basta dar o peixe, o importante é ensinar a pescar." Amém?
As pedras começam a sair da igrejinha, umas rolando, outras lentamente se arrastando.
– Ah! Não se esqueçam de deixar metade do dinheiro da carteira de vocês na caixinha de doações na saída. Senão… (Frei Ratapulgo aponta a britadeira dourada sobre o altar) já viram, né? Vocês sabem, o Frei Ratapulgo tem que pagar os agiotas e também comprar o novo DVD da Rita Cadilac pra poder movimentar a economia.
Um paralelepipedozinho impertinente pergunta na saída:
– Mas mãe, baleia é peixe?
A mãe, magmática, dá uma pancada na cabeça do menino que tira até uma lasca.
O Sinistro
14.10.04
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