Não viverei entre cacos de vidro, entre navalhas, entre pontas de lança envenenadas de culpa. O que me pertence nasce e morre comigo, foi inventado em meus olhos e dorme sob mechas dos meus cabelos, se nutre do meu ventre. Não viverei entre víboras, entre escorpiões, entre ratos de lembrança. Não viverei aqui, à míngua, não tenho âncora, tenho asa. Não viverei entre lixo, entre restos, entre escombros do teu passado. O que sinto é profundo mas não traz em si a covardia de uma raiz fincada, sou móvel, líquida, fluida e instável, porque viva. Não viverei entre galhos, entre espinhos, entre as folhas mortas do que descartaste. Não tenho freios, tenho partidas. Não tenho sossego, tenho ardor. Não viverei entre areia, entre pedras, entre abismos de promessas que se foram. Meus trilhos se trifurcam, quadrifurcam... e eu sigo por todos eles. Não viverei entre miséria, água pouca, migalhas de desejo. Minha mesa é farta e eu mesma me darei de comer.
Não Discuto
19.10.04
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