15.10.04

Tonight I'll not get loaded

Sabe aquele cara que soa a nota cautelar quando o amigo decide misturar Underberg com conhaque Palhinha? Muito prazer, sou eu. Desde que me lembro, cabe a mim fazer a pergunta óbvia nos momentos insensatos. E todo mundo, claro, passa a contar com isso. Não é que eu não beba ou que eu não cometa lá minhas imprudências eventuais, mas é sempre tudo calculado: imprudências prudentes, se me permitem o pecadilho lógico. Quando o amigo, seis uísques mais leve, me pergunta o que eu acho da moça do outro lado do bar por quem ele se apaixonou perdidamente nos últimos três minutos, eu nunca estou bêbado o bastante pra aplaudir o ímpeto sem antes admoestar, “linda, Gus, mas ela é homem”.

Isso podia –devia- me fazer o corta-barato da turma, se eu tivesse uma turma. Mas não é como se eu andasse atrás das pessoas com um conselho permanentemente em riste (ops). E o pessoal até aprecia o serviço, let me add –“pode beber, meu, o Fudílson dirige”. Ao que parece, sou constitucionalmente incapaz de enfiar o pé na jaca. Nunca caí dormindo bêbado embaixo de uma mesa antes do final da festa, como o japs. Nunca esqueci o cigarro aceso ao lado da pólvora das bombinhas, como o Silvinho. Nunca tomei chá de cogumelo catado em cocô de vaca na beira da estrada, como o Hugo, e terminei no pronto socorro. Sonho com esse tipo de release, às vezes. Quem não? Não é exatamente o famoso “jogar tudo pra cima”, largar a minha precária respeitabilidade pequeno-burguesa e vender pipa em São Chico, mas sim um desejo de insanidade temporária, como adevogado americano alega em filme para justificar os mano que esquartejam mulé e seis filhos. Por 15 minutos, uma noite ou dois meses, deve ser ótimo ignorar as conseqüências.

Mas alguma coisa em mim torna impossível chutar o balde. Não é que eu tenha escolhido, ou deliberadamente exercitado minha vontade a fim de manter a calma quando todo mundo enlouquece. Como disse o poeta, a vida é sempre uma tripla disputa entre o que você quer, o que o mundo quer de você e o mecanismo invisível que vai dispor de você como quiser. De certa forma, eu invejo todos os meus amigos que deram um foda-se para as conseqüências, mesmo em circunstâncias nada épicas, e viraram o copo de Underberg com Palhinha. Mas sei, ao mesmo tempo, que ainda que eu não queira algum taxímetro moral vai continuar contando as minhas doses, e fará com que eu pare uma antes do bagaço. Aqui jaz Fudílson Noronha, designated driver, que passou no teste do bafômetro da vida.

Noronha, o meditabundo

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