CORDEL IÍDICHE
Ou A Peleja de Freud com o Dono do Céu
Quando nhô Siguimunde esticou as canelas
Foi logo levado às portas do céu
E inda na subida tentou, tagarela,
Psicanalisar o Arcanjo Gabriel
O jagunço alado danou a falar
E quase que acaba saindo do armário
Mas logo interrompeu o bla-bla-blá
Quando nhô Siguimunde cobrou o honorário
E quando chegaram a seu paradeiro
São Pedro não tava, nem apareceu
Gabriel perguntou: "E o santo porteiro?"
E nhô Siguimunde: "É que eu sou judeu..."
Dizendo assim, já foi se aprumando
Pediu pra chamar o coroné do pedaço
"Não preciso de santo intermediando
Minha apresentação eu mesmo faço!"
Nisso Gabriel ao chão se atirou
Pois aí surgiu a Suprema Potestade
Nhô Siguimunde o anjo diagnosticou:
"Que baita complexo de inferioridade!"
Nhô Deus fez "aham", pra impor o respeito
Perguntou: "O que posso fazer por tu?"
Disse Siguimunde (era esperto, o sujeito):
"Shalom aleischem, Adonai Elohinu!"
Nhô Deus, comovido, então gritou: "Vixe!
Uma alma melhor eu não podia ter pego!
Finalmente alguém que domina o iídiche!
Pois pros cabras daqui eu só falo grego!"
Então se sentou com o recém-chegado
E uma proposta arretada ele quis acertar
Nhô Siguimunde ouviu tudo calado
Pois psicanalista é pago pra escutar
Nhô Deus propôs: "Desmentir tu vai
O Complexo de Édipo, pelo amor de Mim
Pois nesse preceito de matar o Pai
Os dialéticos já decretaram o meu fim!"
Nhô Siguimunde aceitou no ato
Dizendo: "Ouve agora minha proposta
Pra gente fechar direito o pacto
Escuta, macho véio, e diz se tu gosta:
Em vez de botar os cabras confessando
E os padres cansando de dar penitência
Pro divã os fiéis tu vai encaminhando
Que aqui é que eu entro com minha ciência!
Tu acaba com as filas na tua igreja
E aumenta a freqüência lá no consultório
Ouvir pecado é o que analista deseja
E ele ainda lucra com o falatório!"
Nhô Deus e Siguimunde apertaram as mãos
E saíram pra beber e comemorar
Viram Gabriel inda prostrado no chão
Gritaram: "Levanta – e vai trabalhar!"
Bebendo e fumando, a dupla se abraça
Festejando assim esse acordo mútuo
Só quando nhô Deus reclamou da fumaça
Siguimunde falou: "Pô, um charuto é um charuto!"
(sobe a moda de viola)
Ao Mirante, Nelson!
31.8.04
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