31.8.04

CORDEL IÍDICHE

Ou A Peleja de Freud com o Dono do Céu

Quando nhô Siguimunde esticou as canelas
Foi logo levado às portas do céu
E inda na subida tentou, tagarela,
Psicanalisar o Arcanjo Gabriel

O jagunço alado danou a falar
E quase que acaba saindo do armário
Mas logo interrompeu o bla-bla-blá
Quando nhô Siguimunde cobrou o honorário

E quando chegaram a seu paradeiro
São Pedro não tava, nem apareceu
Gabriel perguntou: "E o santo porteiro?"
E nhô Siguimunde: "É que eu sou judeu..."

Dizendo assim, já foi se aprumando
Pediu pra chamar o coroné do pedaço
"Não preciso de santo intermediando
Minha apresentação eu mesmo faço!"

Nisso Gabriel ao chão se atirou
Pois aí surgiu a Suprema Potestade
Nhô Siguimunde o anjo diagnosticou:
"Que baita complexo de inferioridade!"

Nhô Deus fez "aham", pra impor o respeito
Perguntou: "O que posso fazer por tu?"
Disse Siguimunde (era esperto, o sujeito):
"Shalom aleischem, Adonai Elohinu!"

Nhô Deus, comovido, então gritou: "Vixe!
Uma alma melhor eu não podia ter pego!
Finalmente alguém que domina o iídiche!
Pois pros cabras daqui eu só falo grego!"

Então se sentou com o recém-chegado
E uma proposta arretada ele quis acertar
Nhô Siguimunde ouviu tudo calado
Pois psicanalista é pago pra escutar

Nhô Deus propôs: "Desmentir tu vai
O Complexo de Édipo, pelo amor de Mim
Pois nesse preceito de matar o Pai
Os dialéticos já decretaram o meu fim!"

Nhô Siguimunde aceitou no ato
Dizendo: "Ouve agora minha proposta
Pra gente fechar direito o pacto
Escuta, macho véio, e diz se tu gosta:

Em vez de botar os cabras confessando
E os padres cansando de dar penitência
Pro divã os fiéis tu vai encaminhando
Que aqui é que eu entro com minha ciência!

Tu acaba com as filas na tua igreja
E aumenta a freqüência lá no consultório
Ouvir pecado é o que analista deseja
E ele ainda lucra com o falatório!"

Nhô Deus e Siguimunde apertaram as mãos
E saíram pra beber e comemorar
Viram Gabriel inda prostrado no chão
Gritaram: "Levanta – e vai trabalhar!"

Bebendo e fumando, a dupla se abraça
Festejando assim esse acordo mútuo
Só quando nhô Deus reclamou da fumaça
Siguimunde falou: "Pô, um charuto é um charuto!"

(sobe a moda de viola)

Ao Mirante, Nelson!

Nenhum comentário: