4.9.04

I'm too sexy for my country

A única coisa que tenho contra os americanos é meu AK-47. Isso e o tal do football aquilino. Puxa vida, quase não se usa o pé, e a bola nem é uma bola; se chamam nosso futebol de soccer é por puro despeito e maldade.

O futebol é o maior esporte do mundo, e qualquer leitor de Nelson Rodrigues sabe que sobre isso contestação possível não há -- não sem pancadaria da grossa pelo menos.

Trata-se de um esporte não apenas plástico e biodegradável, mas o desporto da verdadeira democracia social-cristã. Sim, democratíssimo, ouvi na tevê que qualquer um pode praticá-lo.

Qualquer um? Qualquer um menos eu, que sou jogador totalmente clássico, até no condicionamento físico, e por isso me recusarei eternamente a usar chuteira.

"Chuteira", sinceramente, que étimo cru, bruto e nivelador por baixo. Recuso-me a comprar chuteiras, e ainda que me dessem duas caixas, em todas as cores e formatos, preferiria distribuí-las às pessoas pobres do morro, de quatro e sem ter o que vestirem, a macular meus pés clarividentes.

Chuteira... ora, eu não chuto a pelota, como um mozart trombadão qualquer, eu a lanço, como que antevendo a cena. Comigo não tem passe pro lado, enrolação, desfilo somente lançamentos de quarenta, sessenta metros. Minha elegância no relvado é cousa raramente vista, até porque jogo onde a grama não cresce.

"Mas se você é um perna-de-pau, por que então não usa chuteira?"

A Pátria de Chuteiras. Não dá pra escutar isso uma vez por semana, durante trinta anos, e continuar calçando a desclssificada. Não, não; não eu. Já dou bom-dia aos feirantes, acordo com meu coração pegando fogo e pago todos os meus impostos em dia. Chuteira vocês não me farão usar. E luvas, agora, só da esgrima e da nobre arte.

dies iræ

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