24.10.04

GATOS, CÃES E PASSARINHOS

Quem cuida de gato ama sua solidão. O felino fica quieto pela casa, como um ruído do osso, um ruído interno do corpo. Enovelado em suas memórias fundas, tão fundas que requer concentração para subi-las. Flor assustada, jardim móvel. Nem com um nome se torna doméstico. Confidente que censura com compaixão, que compreende com piedade. Não é um animal que tosse, no máximo espirra. Seus olhos claros, pirilampos dentro de um pote. A plumagem clara ou escura nasceu como ouvido da noite. Sua superação é beleza.

Quem cuida de cachorros gosta de escapar de sua solidão. Sair para passear, andar com ele com coleira, dividir o cumprimento, o tapete da rua. Cão é gastar sapato, cheirar árvores e grama, descobrir onde há um vento para caçar pássaros, onde há estrelas úmidas, onde há parede para escorrer lagartixa. O cão é dispersivo, late para estar em todos os lugares e não está em nenhum, diferente do gato. Alerta, fala mais do que escuta. Pede conselhos para adormecer intacto em sua dor ou à espera da dor. É leal como um copo de água. Tosse como gente grande. Apaga o retrato no cigarro. Os grandes olhos têm bigodes, feitos para a despedida. Sua retração é verdade.

Quem cuida de passarinhos gosta de vigiar sua solidão, gosta de pousar, não apetece sentar ou permanecer de pé. A gaiola é um aquário de janelas, onde o mundo se reduz a um punhado de alpiste fora da mão. O passarinho rema sua plumagem com um único remo: o bico. Canta com o canto do olho. Não está desesperado, muito menos tranqüilo. Solidão nervosa, que intimida somente com o pulo do trapézio, sem revólver, faca ou punhal. O pássaro é o gomo primogênito, o barulho de uma lâmpada. Um parente que te visita com mala. Cinzas que choram rindo, longamente longe das brasas.

Fabricio Carpinejar

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