26.3.07

i really am this shallow

Ontem foi o primeiro dia da Oficina de Vídeo Documentário. Rolou uma entrevista.
Diferente do semestre passado, a sala estava lotada. Acho que havia umas trintas pessoas sentadas formando um círculo. Um por um se apresentava e dizia qual a intenção ou o que esperava da Oficina. Em alguns momentos parecia um grupo de apoio à qualquer coisa, saca? Esta coisa de ficar em círculo e começar a falar da vida para estranhos, eu não sei... Fiquei um pouco constrangido com a situação.

Como cheguei atrasado, fui um dos últimos a falar. O coordenador já me conhecia, mas pediu para que eu me apresentasse para o grupo. "Meu nome é Fábio, tenho 29 anos, amo cinema e como estou solteiro e extremamente carente, procurei esta oficina para ver se encontro alguma menina para resolver os meus problemas." Senti que demorou mais que um segundo para o povo achar isso engraçadoe, neste quase um segundo, temi não ser compreendido.

No final das apresentações, fui cumprimentar os amigos e, enquanto procurava um contato no meu celular, chega uma criatura do meu lado, pede meu telefone e pergunta o que é que eu faço. Antes de dar meu número, olhei para o caderno de notas dela e quis saber se ela estava fazendo uma lista do grupo ou algo do gênero.
"Não, não estou fazendo lista nenhuma, é que você disse que está solteiro..."
Ri de nervoso, disse que ela era engraçada e passei o número.
"Eu te ligo!", disse convicta.
(MEDO!)
Eu quis brincar de About a Boy (ou "Um Grande Garoto", na nossa língua), mas não sei se foi uma boa idéia...

O som nosso de cada dia

13.3.07

Profilaxias da vida

Duas mocinhas na minha frente, numa fila de papelaria.

-E aí, estás gostando?
-Ai, amei.
-Mesmo?
-Sim, ele é tão querido, conversa comigo, faz tudo a seu tempo, com cuidado. Ainda diz que, se começar a doer, é pra eu gemer que ele pára. Não é fofo?
-Ah, eu já prefiro mais quando não fala muito e termina logo o serviço. Não gosto de conversadores nesta hora, até porque, a gente com aquela coisa na boca, nem consegue responder.

A moça do caixa levanta os olhos com cara de pavor.

-Mas distrai, poxa.
-Na-na-ni-na-não. Comigo tem que ser pá e pum! E, de mais a mais, este negócio de doer é assim mesmo, tem que doer, ninguém vai morrer por causa de uma dorzinha.

O segurança na porta, dá um sorrisinho desavergonhado.

-Dorzinha pra você, que está acostumada! Eu tenho verdadeiro horror de sentir dor.

Todos na fila fingem seriedade. Uma senhora ordena aos berros que o filho pequeno vá procurar a caixa de lápis de cor faltou na cestinha. "Mas, mãããe, a gente pegou os lápis de cor, esqueceste??" "Este não serve, vai trocar que eu tô mandando!"

-Tu és fresca, minha filha. (em voz alta)
-Sou mesmo, se tem uma coisa que me apavora é dentista.

C A F E I N A

POR QUE SERÁ ?

ou FALANDO SOZINHA - E CAÇANDO BRIGA COMIGO MESMA

Disclaimer nº 1:
QUEM TEM PREGUIÇA DE LER, LEIA SÓ OS NEGRITOS EM VERMELHO (vermelhitos, será ?), QUE JÁ É O SUFICIENTE PRA ENTENDER O QUE EU TÔ QUERENDO DIZER...

Disclaimer nº 2:
...MAS EU ACHO QUE O MELHOR (sempre) ESTÁ NOS DETALHES.

Perguntinha, provavelmente retórica :
Cês acham que eu preciso de um copidesque ? Dito isso, vamos ao post :

Por que será que justamente as pessoas que fazem questão de ser as mais virulentas, furibundas, iracundas, estentóreas e outros palavrões escrotos ao criticar o que (e/ou quem também, claro, seja por tabela, direto nas fuças ou por triangulação, afinal, todo “que” sempre vem de um “quem”, né ? Não, eu não tô defendendo o criacionismo. Sim, eu acho que Darwin rules. Não, eu não preciso e nem quero ser coerente o tempo todo. Sim, caros espelho, superego, personalidade nº 4 e grilo falante, vão pra puta que os pariu e me deixem terminar o raciocínio logo e seguir com a frase, que este provavelmente já é o mais longo parêntese de toda a história dos blogs brasileiros. Claro, e o mais cansativo também. Concordo com você, Jiminy: o parêntese tá mesmo comprido e chato feito uma tênia, e tão difícil de matar quanto. Peraí. Pá. Pá, pá, pá. Pronto. Nah, deixa ele aí. Depois alguém recolhe. Acho que morreu, sim, né possível. Se ainda se mexer, a gente joga um albendazol em cima. Ou sal. Sei lá, funciona com lesma, uai. Então. Podemos ? Valeu, hem. Tem certeza ? Mais nada a dizer ? Ótimo. Prossigamos, pois.) quer que seja, são justamente as que não suportam nem a mais leve, gentil, comedida, educada e cuidadosa das críticas, mesmo que tenham pedido por ela ? Ai, meu Zeus, lá vêm eles de novo. Hem ? Como é ? Eu também sou assim ? Hmmm, xopensar. Sim, sim, é possível. Mas deixem que eu diga, em minha defesa, que quando quero esculhambar alguém eu não mordo e assopro, não mando recado, não falo alto pro vizinho ouvir, não uso pseudônimo nem ataco de anônima. Ou eu digo o que quero e assino embaixo, ou eu cifro muito e muito cuidadosamente, que é pra poder desabafar sem que o alvo se reconheça. Muitas vezes, se a indignação nem é tão grande assim que necessariamente exija que eu use algum tipo de válvula de escape, recolho-me à minha insignificância e, por difícil que seja, reconheço que minha humilde opinião é só a minha opinião, não um axioma universal ou Lei, assim mesmo, com maiúscula, gravada a fogo divino sobre placas de pedra do Monte Sinai. Porque, por mais que não pareça, eu sei, aceito e nunca, jamais, em tempo algum, me esqueço do fato de que não sou a dona absoluta e única da verdade. Nem sócia. Nem acionista minoritária. Porra, nem chego a ser locatária dessa merda.

cyncity

4.3.07

Viver e morrer em Bagdá

Sábado, 3 de fevereiro / Um dia sangrento
Um dos dias mais sangrentos em Bagdá. Um caminhão explodiu na área de Al Sadriya. Mais de 150 pessoas inocentes morreram e 250 ficaram feridas. Um dos funcionários da biblioteca foi ferido, outro perdeu seu primo.

Domingo, 4 / Outro dia ruim
Às 11h15 uma explosão fez nosso edifício tremer. Tivemos de esperar um pouco até que nos deram permissão para abandonar a biblioteca. Ao sair, vimos uma chacina e alguns carros totalmente destruídos.

Segunda-feira, 5 / Corte de luz
Fui ao Ministério da Energia para tentar convencê-los de excluir a Biblioteca Nacional do programa de racionamento (estabelece um máximo de duas a três horas de eletricidade por dia). Reuni-me com o diretor-geral do departamento de distribuição e lhe pedi o favor de nos dar seis horas de eletricidade por dia. Ele me disse que não pode ser. Bem, agora não tenho outro remédio senão pressionar o Ministério da Cultura para que conserte nosso gerador elétrico...

Na metade da manhã soube que o irmão do senhor K. (do departamento de catalogação) morreu. Às 14hs, um grupo de homens armados atacou a área onde eu moro. Houve muitos feridos e mortos: civis, inocentes... Mais tarde visitei meu primo, que foi atingido há duas semanas. Foi um dia triste...

Terça-feira, 6 / Nenhuma explosão
Não houve nenhuma explosão nem tiros. Repassei a lista de ausências da biblioteca e percebi que o senhor M. estava desaparecido desde a explosão de sábado... Hoje me visitou um ator conhecido que quer que lhe emprestemos nosso teatro para filmar várias obras. Eu lhe prometi que o cederia de graça porque concordamos que é preciso continuar promovendo as atividades culturais nestes tempos difíceis.

Quarta-feira, 7 / Sem notícias do senhor M.
Fui ao Ministério da Cultura para uma reunião. Nos arredores, todas as estradas e pontes estavam fechadas. Às 14hs terminou o encontro. Abandonamos rapidamente o edifício. Ainda sem notícias do senhor M. Começamos a pensar que pode ter morrido no atentado de sábado e que seu corpo tenha ficado enterrados sob os escombros.

Quinta-feira, 8 / Jornada "negra"
Dois de nossos bibliotecários (um sunita e outro xiita) se ofereceram para buscar o senhor M. Eu disse que não imediatamente. É perigoso demais.

Infelizmente, não me deram atenção e deixaram o edifício sem dizer nada. Depois de uma hora a senhora B. entrou em meu escritório chorando. Desconhecidos telefonaram para dizer que seqüestraram um deles na zona do atentado de sábado e perguntaram se era xiita.

Em pouco tempo comprovamos que o outro bibliotecário estava com ele. O caos se apoderou da biblioteca. Eu fui criado nessa área, a de Al Sadriya, e conheço muita gente lá. Então telefonei para um líder xiita do bairro e lhe perguntei se sabia alguma coisa. Garantiu-me que seus homens não o seqüestraram, mas que um grupo sunita muito ativo na área pode tê-lo feito.

Logo percebi que alguma coisa ia mal.

Trinta minutos depois apareceu um dos bibliotecários, o sunita. Ele explicou que o libertaram quando comprovaram que era sunita, mas que seu colega continuava seqüestrado... Não sabia onde... Logo eu percebi que não havia tempo suficiente para salvar sua vida. Contatei pessoas que têm influência nessa área. Mas no fundo do coração já sabia que era tarde demais. Uma hora depois um contato me informou que o bibliotecário tinha sido executado e que seu corpo fora abandonado em um beco.

Nesta noite meu irmão me telefonou de Londres para perguntar, como sempre, se minha família e eu estamos bem. Como sempre, disse-lhe que sim. Ele é muito otimista em relação ao novo plano de segurança para Bagdá. Creio que esse plano representa a última oportunidade para nós, e que se falhar será o final de um país e a escalada de uma guerra civil sem precedentes.

Sábado, 10 / O ser humano perfeito
Não há mais notícias sobre a execução do bibliotecário nem o outro companheiro desaparecido. Decidi criar um comitê especial para investigar o caso. Cada vez mais percebo que hoje em Bagdá o ser humano perfeito seria aquele capaz de desconectar todos os seus sentidos. Estar cego e surdo já não é uma maldição neste país, mas uma bênção.


Diary of Saad Eskander, Director of the Iraq National Library and Archive

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves - UOL