19.4.07

O Universo Numa Casca de Melancia

Li numa revista que dormir faz bem à saúde. Tem coisa mais importante que a saúde?

No caso feminino, a vaidade, concordo.

E tenho outras doutrinas futilitárias por aqui pra quem quiser escutar.

Exemplo: eu vi o povo e o odeio. Já escutei também, mas o fato é que basta cheirar. Portanto, se o povo é ruim, o bem-comum ensina que será boa ou acertada a decisão que promova o mal do povo.

Precisa matar? Claro que não. Basta incomodar o suficiente pra que ele se retire.

Ingresso a 50 reais costuma dar conta. Mas picinão é outra idéia.

dies iræ

Mapas

(Marca semi-elíptica no dorso da mão direita, acompanhando o arco formado por polegar e indicador.) “Que foi, cê mandou apagar uma tatuagem de gangue?” Ela ri, semicerrando a mão e fazendo com que a marca se arredonde. “Não. Eu tinha nove anos. Minha irmã encontrou um cachorro com uma lasca de madeira na pata. A ‘veterinária’ pediu para a ‘enfermeira’ –tonta- segurar o bicho enquanto ela removia a lasca. Quando voltamos do hospital com meu pai, minha mãe tinha dado o cachorro”.

(Perna esquerda. Curta cicatriz na lateral do joelho. O casco de mil feridas sobrepostas na pele que recobre a rótula. Cicatriz vertical de meio palmo tornozelo abaixo.) “Você era o que, gladiador?” Ele ergue a perna, faz uma pausa para pensar. “Foram os anos Evel Knievel, dos sete aos 14. Não lembro direito a ordem, mas aí tem salto mortal de bicicleta que terminou em nocaute contra um Fusca, queda do telhado, encontro infortunado com a chuteira do zagueiro adversário, e duas mil partidas de hóquei-sobre-a-lajota-molhada com os meus primos. Os cientistas ainda não tinham descoberto a coordenação motora”.

(Círculo esbranquiçado na nuca, logo abaixo da linha do cabelo.) “Achei sinais de chifre vestigial aqui”. Ele beija a marca. “Essa eu não vou contar. É nojenta”. Ele beija mais um pouco. “Tá bom, tá bom, já que você insiste... Primeiro ano de faculdade, cresceu uma verruga horrorosa aí, de um dia para o outro. Preta, peluda. Quando vi no espelho da cabeleireira quase desmaiei. O interno da cínica universitária que decepou a monstruosidade era bonitinho. Pediu meu telefone. Fiquei com vergonha e não dei”.

(Linha branca áspera no couro cabeludo, como que uma risca invisível por sob o cabelo.) “Benhê, cê precisa usar condicionador”. Ele dá um tapa nada convicto na mão com que ela faz cafuné. “Foi uma garrafada. Tentando separar uma briga de bar. Eu lembro do meu pai rindo no pronto socorro, comentando com o dono do bar que, da próxima vez que eu me interpusesse entre dois caras que estão trocando socos, eu lembraria de começar nocauteando um deles. Ou os dois”.

(Linha branca um pouco mais clara que a pele, na palma da mão esquerda.) “Cortando tomate enquanto ouvia J. Geils. Burra”. (Uma trilha de pele espessa semioculta sob a sobrancelha esquerda.) “Briga perdida. Uma das duas. Ainda quero revanche”. (Marca de incisão de uns cinco centímetros, na base do triângulo invertido que termina onde tudo começa.) Pausa. Então: “Passo”. (Ela enumera e acaricia as cicatrizes restantes no corpo dele. Ele sorri sem responder.) “Casei com o Frankenstein, credo”. (Ele segura os braços dela pelos pulsos, a imobiliza contra o colchão, ameaça uma mordida canastrona em seu pescoço e pronuncia, em péssima imitação de Darth Vader:) “Renda-se, terráquea”. (Ela faz que não com a cabeça, em um gesto exagerado:) “Never!”

Filthy McNasty

16.4.07

A chegada do “alemão”

- Nós estamos casados há 52 anos! Lembro-me de tudo!

- 53! Mas não direto!

- É! Não direto. Casamo-nos em 1955...

- 1954! E nos separamos oito meses depois.

- Isso mesmo. Aí, eu me mudei para a Bahia.

- Pernambuco!

- Ah! É! Pernambuco!




- Morei lá durante seis anos e quatro meses.

- Quatro anos e seis meses.

- Ou isso! Um dia, fui a uma festa, no Rio e a encontrei com uma amiga.

- Foi em São Paulo. Eu estava com meu marido e ele com uma amiga.

- É mesmo. Ela se separou e começamos, novamente, a nos ver.

- Ele se separou. Eu fiquei viúva!

- Dá no mesmo. Depois de seis meses, tornamos a nos casar.

- Foram quatro meses.

- Não faz diferença. Tivemos dois filhos...

- Um filho e uma filha.

- O que eu disse? E vivemos felizes, desde então.

- Tornamos a nos separar depois de sete anos.

- Isso.

- Voltamos a nos casar três anos depois...

- Foram dois anos.

- Pois é. E vivemos felizes desde então.

- Separamo-nos mais duas vezes.

- É. Mas o que importa, é que eu estou perfeitamente bem, Doutor.

- Mija na cama toda noite!

- Não é bem assim. A Gilda é que é cismada.

- Hilda!

Antes feio, o blog!

12.4.07

Devolver com a delicadeza

Trata-se do meu clássico assalto. O moço que me assaltou, disse: "Rápido, rápido, passe toda a grana que eu saí da cadeia e tô varado de fome". Daí, eu revirei a bolsa todinha, mas só achei duas notas de cinco reais. Estendi-lhe o dinheiro e disse: "Ixi, eu só tenho isso, acho que não vai dar nem para você comprar um lanchinho..." O moço olhou para mim com uma baita estranheza e perguntou: "Você tem dinheiro pra voltar pra casa?" (Perceba o ladrão preocupado comigo, eu preocupada com ele e nós dois tentando cuidar um do outro, cada um à sua maneira). Eu disse: "Não, mas pode ficar!". Ele respondeu: "Não! Não é porque a gente é maluco que tem de ser egoísta! Cinco reais para mim e cinco para você!" Eu voltei para casa tão feliz! E acho que ele foi comprar um salgado e (meio) pingado, feliz da vida também :-)

Rita Apoena