28.10.08

B.S.B.

Quando ela descobriu foi uma decepção. Um encontro fortuito, profissional, e um email. Matou um universo e abriu um mar de curiosidade. Quem seria ele, afinal?

Aroldo Jorge Guilherme era platinado, com jeito de galã francês de meia idade. Usava cachecóis e sobretudo, e estava no auge de sua diversificada carreira. Coadjuvava com certo destaque em uma novela popular, dirigia uma peça mediana, e estava escrevendo o roteiro de seu longa. Ainda colhia o sucesso do seu último romance, Onde os poetas nunca morrem, lançado na última primavera. Era reconhecido na rua, tinha fãs, principalmente as mais novas. Mas o livro lhe dera um verniz que agora chamava a atenção das mulheres mais velhas, e até elogios dos críticos.

Por trás das grossas armações dos óculos quadrados moderninhos, ela levantou seu olhar inteligente. A carreira na editora, após passagens por órgãos públicos e multinacionais, estava engrenando. Pensava que estava quase realizada profissionalmente quando a porta de sua sala abriu. Era ele. Aroldo Jorge Guilherme.

Sua paixão secreta. Já o achava bonito desde a última novela das seis, quando ele interpretou um jornalista descolado, que pegava onda e tocava saxofone. Foi duas vezes ver a peça que ele dirigia. Sonhos platônicos. Mas, depois do primeiro livro, Corações do infinito, os sentimentos afloraram. Além de tudo era culto, sensível, brilhante, ela pensou. Almas gêmeas. E agora ele ali, entrando na sua sala.

Trazia um rascunho de seu terceiro livro, com título provisório de Visões d'alvorada. Vestia uma velha bermuda cinza, tênis surrado sem meia, estava despenteado e com os olhos semi-cerrados. Cantou a recepcionista, se jogou na cadeira, sentou de pernas bem abertas, e perguntou mais uma vez seu nome. Ela não acreditava. Ele estava ali.

A manhã seguinte foi silenciosa, lembrando o caloroso aperto de mão que ele lhe dera na despedida, o olhar de sedutor barato com que ele se despediu. Havia algo estranho, mas ela não sabia bem o que era. O artista portava-se como um adolescente tardio. Não parecia ser a mesma pessoa delicada que escrevia livros lindos, cheios de poesia. Tocou o telefone. Era ele. Convidando-a para sair. Taquicardia. Até as oito então.

Foram para um bar movimentado, ele gostava de ser reconhecido, adorava autografar seu nome em qualquer oportunidade que aparecia. Pediu bebidas doces com nomes exóticos, comeu muito e não deixou de olhar nenhuma das mulheres bonitas que passavam ao lado. No caminho para casa, dois beijos e uma tentativa de subir. Ela disse que o apartamento estava uma bagunça, ele quis entrar na bagunça dela, mas amanhã ela teria uma reunião cedíssimo, teria que ficar para uma próxima. Mentira. Não havia reunião. Só uma sensação estranha.

Quatro dias depois ela terminou de ler o terceiro livro. Maravilhoso. Surpreendente. Tocante. Ela enviou-lhe um email confirmando a publicação para o fim do ano. Convidou-o para um outro jantar. Ele agradeceu a publicação e o convite, mas declinou o último. Disse estar envolvido no momento, mas que "sempre haverão oportunidades". Ali seu mundo ruiu e começou novamente. Esse foi o sinal. Ali o mistério. Ele não era o autor dos livros. O verbo haver, no sentido de existir, não flexiona no plural. O autor dos livros jamais erraria isso.

A dúvida se agigantou com os dias, e a certeza da incerteza a enlouquecia. Releu os livros. Investigou a vida de Aroldo. Duvidou do embuste. Até que veio a luz. O revisor. Só podia ser ele. Voou para os livros e procurou ofegante nos créditos. Só constava o nome do revisor da editora. Mas os livros já chegavam corrigidos, sem nenhum erro. Pensou duas coisas. Uma: o revisor da editora estava ganhando sem trabalhar. Duas: teria que descobrir quem escrevia os livros para Aroldo Jorge Guilherme. Mas como? Não poderia ligar para ele e perguntar diretamente. Perderia o cliente.

O email. Aroldo lhe encaminhou o primeiro livro por email. O autor deveria ter mandado a mensagem original. A mão tremia no mouse, a testa suava, e ela não achava o maldito email. Teria apagado? Não. Aqui estava. Desceu a tela angustiada. Achou somente as siglas B.S.B., e um texto escrito em português castiço, denotativo, sem erros. Sem sombra de dúvidas ele era o autor. E ela estava apaixonada por um ghost writer.

vizionarios

o maior erro de todos...

é que sempre acho que é comigo.

eita umbigo!

Mal Secreto

26.10.08

Primeiro parágrafo de um romance apocalíptico (que jamais escreverei)

Não sei exatamente quando tudo começou — isso tudo aconteceu há muito tempo —, mas talvez o primeiro indício de que as coisas iam mesmo degringolar tenha sido quando o Kri virou Crunch. A princípio, ninguém se importou muito com isso, todos andavam ocupados com outras coisas que pensavam ser mais importantes, mas quando — anos depois — o Lollo virou Milky Bar, foi aí que todos viram que a situação não tinha mais volta, e que nada mais seria como antes.


Branco Leone

Qual o melhor carinho para um pisciniano?

A singela "Anjinha do Bem" faz uma pergunta que cuja a resposta, apesar de ser curta, é aplicável a todos os seres do sexo masculino de outros signos do zodiaco.

Pegue no pau dele.

Ele ficará bem contente.



Prazer em servir.

Instantâneos

Rodrigo, sábado, escolhendo comida no restaurante:
- Rô, você quer de qual sushi? Desse com alga em volta?
- Não! Eu quero do sem roupa! (leia-se: quero do que só tem sementes de gergelim e papoula por fora).

Rodrigo, às 7h30 da manhã de domingo, chegando na cozinha de triciclo:
- Olha, mãe! Eu aprendi a andar! Eu estou grande!
- Puxa, filho, é mesmo. Você aprendeu a andar pedalando...
Nisso, Edu acorda e vem comentando:
- Olha, Rodrigo. Você aprendeu a pedalar. Parabéns! Você aprendeu na escola?
- Não, pai. Eu aprendi aqui na cozinha...

E há uns dez dias, eu tinha ido comprar um livro na Livraria Cultura. Então, fui até a seção de Sociologia e pedi para me ajudarem a localizar. Estávamos lá o Edu, eu e o Rô e mais dois atendentes. O moço procurando e me perguntando:
- É Pesquisa...
E eu: - Pesquisa qualitativa.
Então, o Rodrigo escutou algo que pareceu interessante:
- Do Tatit, mamãe? A gente tá procurando livro do Tatit?
O moço ficou lá, dando risada...

Noturnos (Im)perfeitos

22.10.08

Vou fazer um slideshow para você.
Está preparado? É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.
Os slides se sucedem.
Êxodos de populações inteiras.
Gente faminta.
Gente pobre.
Gente sem futuro.
Durante décadas, vimos essas imagens.
No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem.
São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.
Resolver, capicce?
Extinguir.
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ong, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia.

Neto, do Updators