29.9.07

Tempo, tempo, mano velho

Entre sete e meia e oito da manhã, meia hora tem a duração de três piscadas de olhos.
Entre cinco e meia e seis da tarde, a de dois dias inteiros.

Duas Fridas

Já aconteceu de você se sentir ofendido por alguma coisa que alguém te fez, só que você simplesmente não consegue expressar em palavras exatamente o que foi ofensivo naquele ato, naquela atitude?

Já aconteceu de você ter convicção de que está com a razão, só que você não consegue explicar nem pra você mesmo os motivos de toda essa certeza?

Já aconteceu de você achar toda uma determinada situação extremamente enervante, só que você não consegue identificar o que te deixa assim tão alterado?

Já aconteceu de você querer que tudo fosse completamente diferente, só que você não tem idéia de como poderia ser melhor do que, de fato, é?

Já aconteceu de você ver que não tem saída fácil e indolor, só que você se questiona o porquê de estar cogitando a rota de fuga, pois, na verdade, onde você está é confortável, seguro e bom?

É a mãe!

25.9.07

Transporte coletivo

Eu sei que andei sumida, mas é que eu passei esses dias ocupada. Ocupada andando de ônibus. Morar no extremo norte da cidade e estudar no sul é privilégio de poucos. Valeu, Jesus! Outro dia eu tava esperando o ônibus no Terminal de Integração. Ninguém gosta de andar de ônibus, mas basta o bendito entrar pelo Terminal que as pessoas esquecem de onde vieram e pra onde vão. São 70 pessoas e só há 50 assentos. Os cálculos são feitos em silêncio, as pessoas se entreolham. A adrenalina sobe. O clima esquenta... O único intuito delas é conseguir algum lugar no ônibus e isso se torna uma disputa incrível. Os milagres de Cristo podem ser vistos claramente através das manifestações do povo. Pra pegar o ônibus o cego vê, o aleijado anda e a mulher grávida corre. Leis da Física são quebradas. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar? Não no Terminal de Integração de João Pessoa. Eu já vi duas mulheres entrarem no ônibus e se tornarem três lá dentro. Eu tou em tom de brincadeira, mas eu confesso que tenho medo às vezes. É incrível a força que uma mulher de 80 anos pode ter quando quer andar sentada no ônibus. Elas arremessam seus filhos coletivo adentro, dão cotoveladas e, em última instância, gritam. Um grito aborígine, sabe... AAHHH LULULU! E somem ônibus adentro. Eu, branquela amedrontada, criada à base de Leite Ninho, ainda tremo o queixo de medo quando o ônibus se aproxima. Motorista e cobrador têm que andar armados se não quiserem perder o lugar. Enfim, é a visão do inferno que eu dou testemunho diariamente. Mas apesar disso, é legal andar de ônibus.

circo sem futuro

18.9.07

BOIÂNIA E A PRIMAVERA

Abril pode ser o mais cruel dos meses, dezembro o mais chato, agosto o mais infeliz, mas pelo menos aqui em Boiás, setembro é o mais infernal. A umidade do ar tá tão baixa que, no zoológico, o camelo foi surpreendido tentando se disfarçar de hipopótamo pra poder ficar dentro d'água; em Brasília, o mar de lama secou e virou o oceano do pó vermelho, o que é extremamente prático : por mais enlameadas que suas excelências estivessem (hipoteticamente, claro), bastaria parar de chafurdar um instante, se levantar, dar uns tapinhas no Armani pra chacoalhar a poeira e dar a volta por cima, imediatamente imaculados, prontos pra (várias) outra(s). Em todo o Centro-Oeste, as roupas secam antes que você acabe de pendurá-las no varal, e não importa quanto hidratante se use, abaixo dos joelhos, toda canela é em pó. A cor verde só existe nos semáforos e placas de estrada, e se continuar assim por muito tempo, periga até eles ficarem cor de ouro velho e mais enrugados que uma mulher normal de 40 anos em comparação com uma perua hollywoodiana - ou carioca da Barra - de 68. Você pode se fechar numa salinha com o ar condicionado programado pra 17 graus, que a sensação térmica ainda assim será de, na melhor das hipóteses, 27. O estado físico das coisas muda, de sólido pra pastoso, de líquido pra gel, de vapor pra pura memória; o estado de espírito dos seres - relativamente - vivos entra em slow-motion permanente : o chocolate não quebra, se rasga; a manteiga não se espalha, se entranha; o sangue não corre, se arrasta; o coração não bate, belisca; o suor não encharca, evapora; os pulmões não se enchem, se enervam; as lágrimas não escorrem, empoçam; o trabalho não anda, engatinha; as gatas não miam, gemem; e as blogueiras não escrevem, postam qualquer besteira só pra fazer de conta que atualizaram. E acreditem, até isso já é trabalho demais.

Cyn City