31.8.04

CORDEL IÍDICHE

Ou A Peleja de Freud com o Dono do Céu

Quando nhô Siguimunde esticou as canelas
Foi logo levado às portas do céu
E inda na subida tentou, tagarela,
Psicanalisar o Arcanjo Gabriel

O jagunço alado danou a falar
E quase que acaba saindo do armário
Mas logo interrompeu o bla-bla-blá
Quando nhô Siguimunde cobrou o honorário

E quando chegaram a seu paradeiro
São Pedro não tava, nem apareceu
Gabriel perguntou: "E o santo porteiro?"
E nhô Siguimunde: "É que eu sou judeu..."

Dizendo assim, já foi se aprumando
Pediu pra chamar o coroné do pedaço
"Não preciso de santo intermediando
Minha apresentação eu mesmo faço!"

Nisso Gabriel ao chão se atirou
Pois aí surgiu a Suprema Potestade
Nhô Siguimunde o anjo diagnosticou:
"Que baita complexo de inferioridade!"

Nhô Deus fez "aham", pra impor o respeito
Perguntou: "O que posso fazer por tu?"
Disse Siguimunde (era esperto, o sujeito):
"Shalom aleischem, Adonai Elohinu!"

Nhô Deus, comovido, então gritou: "Vixe!
Uma alma melhor eu não podia ter pego!
Finalmente alguém que domina o iídiche!
Pois pros cabras daqui eu só falo grego!"

Então se sentou com o recém-chegado
E uma proposta arretada ele quis acertar
Nhô Siguimunde ouviu tudo calado
Pois psicanalista é pago pra escutar

Nhô Deus propôs: "Desmentir tu vai
O Complexo de Édipo, pelo amor de Mim
Pois nesse preceito de matar o Pai
Os dialéticos já decretaram o meu fim!"

Nhô Siguimunde aceitou no ato
Dizendo: "Ouve agora minha proposta
Pra gente fechar direito o pacto
Escuta, macho véio, e diz se tu gosta:

Em vez de botar os cabras confessando
E os padres cansando de dar penitência
Pro divã os fiéis tu vai encaminhando
Que aqui é que eu entro com minha ciência!

Tu acaba com as filas na tua igreja
E aumenta a freqüência lá no consultório
Ouvir pecado é o que analista deseja
E ele ainda lucra com o falatório!"

Nhô Deus e Siguimunde apertaram as mãos
E saíram pra beber e comemorar
Viram Gabriel inda prostrado no chão
Gritaram: "Levanta – e vai trabalhar!"

Bebendo e fumando, a dupla se abraça
Festejando assim esse acordo mútuo
Só quando nhô Deus reclamou da fumaça
Siguimunde falou: "Pô, um charuto é um charuto!"

(sobe a moda de viola)

Ao Mirante, Nelson!

O acontecido, o não acontecido

Eram uma possibilidade mas nenhum dos dois sabia disso.

Estavam no mesmo local, ao mesmo tempo, com apenas alguns metros de distância separando-os. Ele ia sentado no banco do ônibus, olhando pela janela, introspectivo. Ela ia em pé, fones de ouvido, mergulhada em pensamentos. Se apenas seus olhares tivessem se cruzado, talvez um sorriso poderia ter nascido. Ela veria os olhos dele, transparentes e castanhos, cheios da bondade do mundo. Ele teria visto uma chama luminosa nos olhos dela, transparentes e oceano. Ele sorriria, ela sorriria. Ela talvez se sentasse ao lado dele. Ele talvez perguntasse onde ela ia. Ela talvez contasse onde estava indo. Talvez, talvez, talvezes.

Se conversassem, ele poderia arriscar-se a perguntar se ela não gostaria de ir passear com ele à beira-mar. Ela diria que adora andar na praia à noite, vendo as luzes do forte e do farol, escutando o oceano rugindo, afundando os pés na areia. Ele diria que adora música eletrônica e industrial, ela riria, porque ela também adora. Ela diria que adora gatos, ele sorriria e contaria da gata que ele teve. Descobririam muitas outras coisas em comum e conversariam, conversariam por horas, dias, semanas. Eles se beijariam em algum momento, o beijo seria inevitável, encantados com o olhar do outro, longamente, profundamente.

Os meses passariam, eles se apoiariam mutuamente, cresceriam juntos. Ela ensinaria ele a ser mais leve, menos introspectivo, a ver como as pessoas gostam dele. Ele ensinaria a ela a bondade e a gentileza. Ela ensinaria ele a acreditar em si mesmo. Ele ensinaria à ela como ela é bonita e corajosa. Descobririam mais e mais sobre o outro, se amariam mais. Ele se veria bonito, ela se veria feliz. Cuidariam um do outro. Poderiam ter uma vida inteira juntos.

Se apenas os olhares se cruzassem.

MadTeaParty - Should we have each other for tea?

a meia

A meia é um negócio importante. Dentro do sapato, em cima da pele do pé. Preta, se o sapato for preto, e bem esticada. Opaca, não deve ser translúcida. Forma, assim, em contraste com a graxa e o brilho do objeto que a envolve, uma composição. Cobre dignamente os dedos compridos e o joanete, enfim, os ossos e músculos que sustentam um corpo no espaço. A base da estrutura. Pode ajudar a definir a consistência de um pé chato, cujas pequenas células ósseas formadoras do colo insistem em tocar o solo. Impulso de agarrar o chão, descer em direção ao centro da Terra que ferve, eternamente. Neutraliza o emaranhado das cores do sangue, da gordura, da unha, dos calos, das dores físicas, do cansaço da tentativa de jogar futebol ou da dança, do salto alto. Silencia as agudezas da alma, que sobem pela coluna e chegam ao pescoço. Tranqüiliza as sinapses dos neurônios. Uma meia preta pode levar à levitação. Uma meia preta no Japão.

Numa peça alemã, as crianças vestidas de rosa, tudo cor de rosa, os sapatos também, só a meia não. A meia preta, sinistra. Já num fulano francês de cabeça raspada, asseado, tudo preto. E a meia também, principalmente. Meias vermelhas existem, no plural, mas são meias de ocasião, de exceção. Não compõem, ao contrário, chamam atenção. Deixam o pé crispado, fazem doer as cutículas. A meia preta não. Esta é apaziguadora, é calmaria do mar em terra firme, é silêncio do vácuo longe da atmosfera. É apolítica, atemporal, irracional sem ser desesperada. É a ausência presente do nada. A meia preta é um abismo possível. Uma abertura, uma falha, uma fenda. Em contato com as partes do corpo, projetadas e desenhadas na planta, canaliza a vida como o braço negro de um rio existente. Sempre existiu e sempre existirá.

as partes do corpo

28.8.04

Contos de Fada para Crianças com Nervos de Aço

Os atletas brasileiros espantam Atenas com sua feiúra sofrida e, para vos distrair de tais visões, quero contar a história do Barão Von Hammer-Purstall, sétimo filho de um sétimo filho; o qual, por um erro trágico de impressão, ia para a floresta nas noites de lua cheia e se transformava num bolo.

Chacais e meninas gordinhas comiam-no durante a noite e, ao nascer do sol, o Barão acordava nu na floresta orvalhada, sem alguma parte do corpo e coberto de formigas. Enquanto seus primos se transformavam em lobos e recebiam nomes apropriados e bacaninhas como O Horror da Renânia ou A Maldição dos Cárpatos, o Barão era chamado de A Delícia Cremosa da Baviera; seus pais o ridicularizavam na mesa do jantar, e muitos foram os camponeses bávaros que acordaram no meio da noite apenas para se deparar, em seus quintais, com a cena triste de um bolo de nozes chorando.

Von Kleist conta a história do trágico fim do Barão Von Hammer-Purstall: desesperado teria se enfiado até a cintura num formigueiro, esperando que a noite caísse enquanto lia a Bíblia. Sua família compungida salvou duas cerejas do formigueiro, que podem ser vistas até hoje no museu da família Hammer-Purstall em Munique.

Alexandre Soares Silva

26.8.04

Seu animal!

- Aquele cego pra quem eu li aquela prova do concurso do Banco do Brasil é totalmente contra esse negócio de cão-guia.
- Sério? Por quê?
- Porque é crueldade com o cachorro, você o força a viver em função de você.
- Oras. O cachorro não faz mais que a obrigação dele. Esses animais estúpidos abaixo da gente na escala evolutiva tem mais é que se dobrar às nossas vontades e seguir nossos desígnios.
- ... (cara de desprezo)

-=-=-=-=-=-
- Tem um homem que passa aqui na rua com uma carroça direto. Eu tenho um ódio dele!
- Ué, vó. Por quê?
- Ele fica chicoteando o cavalo sem parar. O bichinho tá carregando ele, ganhando o pão dele e ele ainda fica maltratando o animal.
- Tá certo ele, pro cavalo saber quem é que manda. Estamos no topo da escala evolutiva, o que nos dá o direito de submeter qualquer animal aos nossos desígnios, e eles têm mais é que obedecer.
- ... (cara de desprezo)

Eu vou anotar essa frase pra usar sempre que me der vontade de irritar alguém. É impressionante como as pessoas se enfurecem quando você diz isso. Experimente.

espancado no Utopia Dilucular

Telefonemas

- Alô?
- Alô! Quem fala?
- É da residência do sr. Anacleto de Souza?
- Sim, sim. Quem deseja falar com ele?
- Meu nome é João Carlos e eu sou gerente da Casa Carapatuás, a número um em poltronas e sofás. Com quem estou falando?
- Regina e sou a esposa dele.
- Boa tarde, dona Regina. Estou ligando prá falar sobre um sofá...
- O senhor me desculpe, seu João Carlos, mas nós não precisamos de sofás novos.
- Eu não estou oferecendo sofás, dona Regina. Eu estou ligado, prá pedir que a senhora compareça à nossa loja prá acertar uma dívida do seu esposo.
- Dívida? Que dívida?
- Bem, dona Regina. Seu marido veio à nossa loja ver um sofá de R$5.000,00.
- Um sofá de R$5.000,00??? Ele comprou um sofá de R$5.000,00???
- Não. Infelizmente ele pôs fogo no sofá.
- Como??? Ele pôs fogo no sofá? Como ele pôs fogo no sofá?
- Com a brasa do cigarro que ele deixou cair no sofá.
- Mas que cigarro? O meu marido não fuma.
- Eu sei que ele não fuma. O cigarro era de um rapaz que levou um tapa do seu marido.
- Um tapa? Meu marido deu um tapa no rapaz?
- Deu. No rosto.
- Meu Deus! Como isso aconteceu?
- Não foi culpa dele. Seu marido estava se debatendo por causa do ataque...
- Ataque??? Que ataque o meu marido teve???
- Seu marido teve um ataque do coração!.
- Ataque do coração??? Minha Santa Aquerupita!!!
- É, foi brabo. A filha dele quase passou mal, de preocupação.
- Filha??? Que filha??? Nós não temos filha.
- Como não têm? A mulatinha que estava com ele não é filha de vocês?
- Que mulatinha???
- Ele me apresentou como filha dele. Aliás, o sobrenome deles é o mesmo. E foi por causa dela que ele teve o ataque do coração.
- Por causa dela? Como assim por causa dela?
- É que quando ele ia efetuar o pagamento do sofá, ela contou que estava grávida e que ele ia ser avô.
- Avô? Do filho da mulatinha???
- Isso mesmo, dona Regina. Parece que ela conheceu um rapaz e engravidou dele. Um tal de Pedro Onofre, um sargento do exército.
- Pedro Onofre? Sargento? O meu filho??? Ela está grávida do meu filho???
- Ele é filho da senhora? Vixi, que enrolação. E o pior ainda está por vir.
- O pior? O que houve??? Seu João Carlos, me responda: o Anacleto morreu??? É isso???
- Não: é que não aceitamos Visa.

Mondo Redondo

MANUAL BOIANÊS DE TRÂNSITO

Elaborado a partir do profundo mergulho de quase duas décadas nesse trânsito de @#$&@#$¨&.  

Preferência : local onde você escolhe se prefere deixar o outro motorista passar ou não.

Cruzamento : faça o sinal da cruz, feche os olhos e enfie o pé no acelerador.

Faixa de pedestre : aquele tapetinho listrado debaixo do semáforo, pra descansar os pneus dianteiros do seu carro. OU, se você for pedestre, aquele enfeite lá no meio da rua, onde é proibido pisar. Desde que você jamais pise nele, atravesse onde quiser, de preferência bem devagar, feito vaca em estrada de terra. Se for mulher e tiver menos de 50, rebole, converse, take your own sweet time, e nem olhe pros lados. Você é gostosa demais pra morrer atropelada. Se for homem, vá gingando, deixe o cabelo na cara e não corra pra calça não subir e você ficar mais de 5 segundos sem mostrar a cueca para o mundo.

Sinal vermelho : só pare se no cruzamento em questão houver uma daquelas maquininhas fotográficas dedo-duro dessa maldita indústria de multas ou se vier ônibus ou caminhão em alta velocidade na transversal. Neste caso, enfie o dedo no nariz, sintonize programa evangélico ou coloque um CD de música sertaneja, brega ou axé-bunda no último volume e fique encarando os motoristas parados ao seu lado. Se estiver de moto, não pare de jeito nenhum. Morra, se for preciso, mas não deixe que uma luzinha colorida à toa ouse mandar em você.

Sinal amarelo : corra, feche os outros carros, vire sem sinalizar, faça o que for preciso, porque obviamente ele não vai ficar verde nunca mais e você vai morrer aí mesmo, de sede, inanição e coberto de teias de aranha.

Sinal verde : ande o mais devagar que puder, de preferência do lado esquerdo da via, até ele ficar amarelo. Nesse momento, acelere e deixe todos que vinham atrás de você parados lá, os bobocas.

Faixas : essa é pra ver se você é bom de equilíbrio : as faixas longitudinais das ruas devem ficar sempre exatamente no centro do seu carro. Mantenha os pneus da esquerda de um lado dela e os da direita do outro. Além de tudo, a rua fica bem mais espaçosa pra você, com dois carros no máximo andando onde poderiam caber três.

Árvores : podem ser usadas como freio ou como sombra. Neste último caso,  sempre que se vir forçado a parar num sinal vermelho, e mesmo que seu carro tenha ar condicionado, pare sempre debaixo de uma árvore para aproveitar a sombra, ainda que o trecho de rua seja pequeno e o carro à sua frente esteja a cinco, seis metros de distância. Os de trás que se virem. Afinal, eles fariam o mesmo se fossem você.

Pisca-alerta : aquela “lamprinha” que fica na traseira. Sempre que o motorista perto de você piscar a dele, acelere e não dê espaço. Ele está querendo mudar de faixa e passar na sua frente, coisa inadmissível. Por motivos óbvios, não use nunca, do contrário quem souber onde você pretende virar também vai fechá-lo.

Carro importado : se você tem, dirija como quiser, ande bem no meio da rua, entre na contra-mão, assuste velhinhas, aterrorize motoqueiros, faça e aconteça. Você pode, e os pobres que se fodam. Se você não tem, ao ver um, pare e deixe que ele se afaste o máximo possível antes de voltar à rua.

Carro velho, batido, com marcas de tiros ou faltando pedaços da lataria :

Você pode agir basicamente da mesma forma que os donos de carro importado. Afinal, se você bater, pouco importa de quem é a culpa, você não vai pagar mesmo.

Ônibus, caminhões : V. carro importado e carro velho, batido etc.

Cyn City

Do sovaco do Cristo: o retorno

Cá estou eu, dez dias depois, morando ao lado de um Cristo Redentor, versão reduzida. Uma imitação de pedra. Olhos de pedra, braços de pedra, sovacos de pedra. Moro debaixo do sovaco direito, o que seria esquerdo para quem sobe a rua e encara de frente o homem. Cidade pequena, uns 6 ou 7 mil habitantes, vivendo a euforia da campanha eleitoral. Carros de som passam berrando por minha porta. Trabalho com tampões de ouvido. Meu consolo é que isso passa. Fora isso, tudo corre bem. O inverno aqui é verão. O quilo do filet mignon custa 8 reais. Posso me queixar? Os mineiros recebem bem seus forasteiros. Me perguntam a toda hora por que troquei o Rio pelo interior de Minas, se no Rio também tem mil cidadezinhas. Tento explicar com lógica o que não tem muita explicação. Eles não entendem. Dizer que a vida me levou não convence muito. Estou pensando numa resposta mais convincente para tranquilizá-los: um dia, na enseada de Botafogo, a Virgem Maria me apareceu e disse: Vá embora daqui que o Rio vai se acabar. Eu fui.

Prosa Caotica

Garçon, desce o revólver,

Nado sincronizado: atleticamente nulo; esteticamente, uma monstruosidade. Paroxismo do mau gosto, da breguice; movimentos robóticos, música horrorenda. Ninguém jamais soube responder por que esteja nas olimpíadas.

Desportos com notas, tsc, tsc, não há um só indício de imparcialidade. Deveriam ser como aqueles concursos de perna mais bonita, que a menina põe um leque à frente do rosto, ou uma máscara idiota mesmo.


Garçon, desce o revólver (ii)

(i) Frases com a palavra "urge"

(ii) Memorandos, gente que escreva memorandos.

(iii) Hinos, bandeiras; pique-bandeira, hinos a bandeiras.

(iv) Paulistas, que nunca foram à praia, e insistem que o correto é maiô.

dies iræ

24.8.04

Páscoa

"Estar morto" depende muito da sua definição sobre estar vivo. Àqueles que acharam a definição simplista: peguem aqui. Duvido que já tenham pensado o conceito desta forma. Babacas.

Digo isso porque, aos seus olhos, devo estar bastante viva, sim. Não digito diretamente de algum caixão subterrâneo na capital do Paraná, impelida pela força da catalepsia. Meus dedos se movem sobre o teclado com a natural desabilidade, o ar entra e sai dos meus pulmões. Os olhos reconhecem os caracteres na tela, sinto na boca o gosto do doce recém-mastigado, sou capaz de identificar os Chemical Brothers tocando "Block Rockin’Beats" saindo da caixa de som. Usei meu discernimento e meu conhecimento para selecionar a música, ou seja, tudo se enquadra na definição de algum intelectual que despreza as dores de dente* "penso, logo existo".

Penso, logo existo, é uma teoria que prova que boa parte da população mundial está morta de direito, mas não de fato. Viver é qualquer coisa que vai além do raciocinar e executar tarefas. Hoje, sou uma dedicada executora de funções – nada muito além, nada muito aquém disso. Chato pacas, desinteressante, repetitivo, cíclico. Quer provar um pouquinho? Vem cá dentro das minhas calças que te mostro o quanto isso é gelado. Não, não. Melhor que te mantenhas fora dela: aqui dentro é quentinho e calor é prova irrefutável de vida.

Te digo que morri porque olho pra trás e vejo pouco, olho pra frente e não enxergo. Porque palpita no meu peito um propulsor de nada, porque as telas que miro estão todas em branco, porque as páginas do meu livro se apagam assim que acabo de escrevê-las. Vamos aguardar o terceiro dia e ver como fica, afinal.

Setecétera

(…)

Eu escrevo algumas coisas porque se não escrevesse seria falta de respeito com, no mínimo, a oportunidade de ter acontecido.

(…)

Nove de Copas

Nossa.

Dormi pouco e acordei de ressaca.
Acordei e chorei por causa de umas paradas que aconteceram na minha vida, no período sóbrio dela, muito erradas. Boto muito a culpa nos meus pais. Principalmente no meu pai. Eu tenho muita raiva deles por nunca terem me incentivado à nada, nunca me incentivaram a estudar, a entrar numa faculdade, a seguir uma carreira, a ter uma profissão. A única coisa que me incetivaram [e me obrigaram] foi a continuar trabalhando nesses empreguinhos horrorosos onde, além de me deixarem doente, apodrecem a minha alma. E sempre me atrapalharam em todas as minhas tentativas de evoluir pra algo diferente disso que eles querem pra mim, se é que quem alguma coisa, pois nunca demonstraram querer nada, e sempre fizeram eu me sentir um fardo a ser carregado.

Agora tá aí o resultado.

E eu não levo uma vida onde eu tenha que me submeter à esse tipo de coisa.
Esse tipo de coisa, só me faz pegar um ódio mortal do meu pai, e querer batizar meu futuro câncer com o nome dele.
Se bem que tem tanta gente na disputa pra batizar meu câncer....

Não quero nem saber de olhar pra cara deles. Estou com raiva, estou enojada deles.
Vou catar minhas coisinhas, vou pra aula de Literatura que eu ganho mil vezes mais. E depois só deus sabe pra onde.

Parece que a relação entre meus pais se esgotou: tipo, eles não tem mais nada a acrescentar na minha vida [minha mãe nunca acrescentou nada, além de desgosto], e eu não tenho nada mais a oferecer à eles, além de desprezo. O momento perfeito que eu tinha pra sair de casa pra sempre, pra sempre, pra sempre.

Só que ainda não tenho condições para isso. Tenho quatro meses pra mudar a minha vida, agora é mais do que nunca! Senão daqui a pouco vou estar limpando o chão dos outros, e meus pais, achando lindo. Porque o meu pai é daquele tipo que você sempre tem que aprender uma lição. E a maior lição que eu tiro de tudo isso é que: honestidade demais anda de mão dadas com a burrice. Esse é um post totalmente amargo.

E não dá pra não ficar com raiva deles.
Com raiva de todo mundo.
Esse final de semana me esqueçam, não vou ficar em casa de jeito nenhum.
Muito menos fazer programinhas familiares com um sorriso falso na cara, eles não me merecem.
E já estou saindo.

é a Maldita Mulher

23.8.04

Hoje me perdi em reflexões sobre a paixão. Procurei no dicionário seu significado. Conversei sobre o assunto. Bobagem!! Percebi que o que comecei a perseguir hoje foi uma paixão. Daí me veio a pergunta: pra que me apaixonar novamente? A resposta veio em uma conversa casual de academia com esse cara sempre tão rico de assuntos: simplesmente, porque é bom. Não posso ter a leviandade de julgar, aliás, subjugar meu futuro a essa triste experiência última. Mas, embora frustrada e unilateral, foi uma grande paixão. Me fez feliz por um tempo. Sinto ainda uma raiva imensa pelas mentiras que vieram macular a brancura dessa estória, mas ao mesmo tempo respiro bem fundo e aliviado por não ter sido por minha causa. Eu vivi. Mas agora quero uma paixão inteira, com uma pessoa inteira, pra ser vivida inteira. Quero reciprocidade até nos sorrisos. Quero olhares que segurem os meus. Quero apaixonar-me-te! E vou, pelo simples fato de que quero. Vou encontrar, pois apaixonado já sou. Essa pra mim não é condição transitória, estado. Pra mim é-se. Compadeço-me sinceramente daqueles que não nasceram assim. Daqueles que crêem, ou se enganam na crença de que paixão é circunstância transitória. Digo que não. Ou nasce-se apaixonado, em uma busca lancinante pelo objeto dessa paixão, ou simplesmente acostuma-se a viver sem o privilégio desse dom que é concedido aos poucos sensíveis que sabem degustá-lo. O problema desses deficientes é acreditar que eles também podem. Digo: entreguem-se aos prazeres da carnalidade pois isso é tudo que obterão de uma vida compartilhada e deixem os apaixonados livres para encontrarem outros iguais e terem seus finais felizes. Não que o encontro seja condição sine qua non para felicidade. Quem sendo apaixonado pode ser infeliz? Mas deixem que a felicidade some-se à outra. Quero encontrar sim, agora mesmo, alguém para destinar minha paixão, que é tão sincera e tão íntegra. Quero também ser objeto de paixão. Como uma coisa tão assustadora pode ser ao mesmo tempo tão boa? Jamais combina com lógica ou qualquer racionalidade, se qualquer desses coisas consegue dobrá-la é porque não era forte o suficiente. Quero que seja forte, fortíssima.

Henry Wotton

Quando o defunto ainda está quente

Às vezes penso que blog também é lugar de desabafo. Já disse, um tipo de Procon oficioso. Um lugar pra dizer péra, vou ali vomitar e já volto. Esse post é um desabafo, que nem o meu cachorro se interessou em ouvir.
A coisa com o namorado acabou há umas 3 semanas. Não vou dizer que foi ruim, também não foi tão bom assim; não sofri, não teve choro nem vela, e cada um foi para o seu lado, sem maiores estragos.
Mas hoje liguei pra saber ‘como estavam as coisas’; Relapso? Sei lá, talvez seja aquela coisa de ‘querer que a separação dê certo (porque há umas que definitivamente não dão).
E daí ele me conta que ‘está saindo com outra pessoa’. Depois ‘não saindo não, estou namorando mesmo’.
Olha, fiquei passé, developé, tombé.
Precisei esclarecer que não estava sofrendo não, peralá.
Mas pô, podia deixar o defunto esfriar mais um pouco, né cara pálida?
Vida que segue.

Café com Leite

Borboletas, a explicação

Pra deixar bem claro. Eu estou apaixonada. Completamente.
Agora pode ler tudo de novo, e vocês vão ver como as coisas fazem sentido (no caso, o sexto sentido da Luciane - que pelo jeito é a visão e/ou audição).
Podem duvidar, mas ele já aprendeu que não vale a pena duvidar de mim quando o assunto é a minha própria loucura.
Distância é sempre ruim, e eu sempre fui uma que desacreditei muito nesse tipo de coisa. E não vou dizer pra começarem a acreditar. Cada um acredita no que precisa acreditar.
Eu, pelo menos, ainda estou meio abobada. E não tenho planos pra desabobar.
Não tem coisa mais brega que gente apaixonada. Mas por ora, deixa eu ser brega em paz.

Forsit

perdi meu tino para blogar. estou transformando esse blog num diarinho. pior, talvez esteja transformando ele num depósito de baboseiras do que eu vejo na internet. olhem bem os posts abaixo. mas olhem bem. eu não escrevia assim, eu não costumava falar sobre essas coisas. estou me transformando num monstro. eu tento voltar, tento blogar de novo. antes era mais fácil, eu tinha minha redinha de amigos blogueiros, a famigerada panelinha alternativa. eu estava atualizado sobre todos os hypes. aí meu computador quebrou. passei mais de dois meses tendo que me adaptar à uma vida semi-paleolítica, sem madrugadas acordado, sem escrever sobre pensamentos fujões, sem sequer jogar paciência. meu cérebro parou. por mais de dois meses meu cérebro parou. encontrei meu refúgio nas drogas. me alcoolizei, me fumei, me malhei, até sertanejo eu escutei. quando meu computador voltou pra casa, passei maus momentos por causa das crises de abstinência. eu me debatia no tapete, me jogava na cama, me escondia sob a mesa. me maltratava durante o banho. meu corpo não aceitava voltar a seu estado de sedentarismo mórbido. mas eu me policiava bastante, e no fim acabei conseguindo cooperação física. o problema agora é meu cérebro que ainda está adormecido. bom, eu preciso voltar pra cá o quanto antes. isso eu sei. preciso da minha criatividade de volta, do meu tino, dos gracejos, e até das caretas. e preciso de um layout novo. porque eu não tenho 21 anos desde quinta-feira.

Fearless

22.8.04

Ontem andei de mãos dadas com meu pai pelo corredor do hospital. Agora o menino é ele.

(...)

30 dias de hospital, 15 deles na UTI.

A palavra que eu mais ouço: paciente.
A que eu mais falo: obrigado.
As que eu mais penso: puta que pariu.

Catarro Verde

Se eu continuar escrevendo desse jeito vou ter que ir à Casa de Cultura tirar uma Licença Poética. Já me informei, parece que tem uma certa burocracia, mas ela muda conforme o tipo de licença que a gente pede. O tipo A é para escritores amadores, se não me engano, basta ser alfabetizado e um pouquinho pretensioso; o tipo B é para escritores profissionais, aí já precisa ter algum talento, uma editora, essas coisas; o tipo C é específico para romancistas, afinal não é fácil manejar todo aquele tamanho; o tipo D é para poetas, pouquíssimas habilitações dessas são concedidas. Parece que há um movimento para incluir blogueiros ali na habilitação de tipo A, sem é claro, o pré-requisito da alfabetização. Vou providenciar.

das profundas dA Caverna da Ogra

21.8.04

Olha que coisa mais linda. Rauzbelito é uma palavra grega que significa o sentimento bacana que uma pessoa tem quando encontra com alguém que amou.

Marina W

20.8.04

Soltei as palavras que me afogavam. As palavras compuseram frases cheias de calor, de sorrisos e abraços e voaram até o destinatário. Sem o peso daquelas palavras presas, que eram palavras de conforto, de amizade, de carinho, a minha alma ficou leve e contente.

Nem todas as despedidas precisam ser tristes, mesmo as definitivas, eu aprendi isso com meu avô.

(...)

O Rafael da Rua Paper deixou a pergunta:
O que foi que o teu avô te ensinou?

Eu vou ter que contar uma historinha pra explicar.

O meu avô, pai da minha mãe, foi um segundo pai pra mim. Desde pequena ele fez com que eu me sentisse muito, muito querida. E ele era assim com todos os netos. Nos aniversários ele nos dava o que chamava de "um dinheirinho", sempre em um envelopinho, dinheiro suficiente para ir a um cinema, tomar um lanche, comprar uma lembrancinha. O meu avô tinha um corcel branco de quatro portas e nos levou uma vez, a mim e meus primos, para tomar soda limonada no alto do edifício Itália, no centro da cidade. O meu avô foi herói na revolução de 1932. Ele gostava de dançar e de ouvir músicas antigas, gostava dos cantores do rádio. Ele era ótimo com eletrônica, montava e desmontava aparelhos. Ele adorava assistir luta livre na TV. Nos almoços de família, que aconteciam nos aniversários e datas especiais do ano, ele sempre dormia depois da refeição. Ele era muito sociável, conversava com todos os vizinhos e tinha uma amiga dele de muitos anos com quem ele ficava horas no telefone sempre que ela telefonava.

O meu avô era maravilhoso.

Um dia, em um domingo, anos após a morte do meu pai, fui na casa dos meus avós e meu avô estava gripado. Ficamos vendo programas de calouros na tv, sentados um ao lado do outro no sofá, de mãos dadas. Nós sempre conversávamos muito. "Minha neta" - ele disse depois de um silêncio - "Estou ficando muito velho e estou cansado de viver".

Dois dias depois, meu avô faleceu.

Meu avô foi enterrado no cemitério do Morumbi, numa tarde de sol. O cemitério simplesmente lotou de pessoas que vieram se despedir dele. Estavam todos tristes pela partida dele, mas na verdade, poucos choravam. A maioria ficou contando histórias de como ele era um homem bom, simpático e algumas pessoas, apesar da tristeza, sorriam ao lembrar dele. Ele era muito amado.

Eu não chorei no funeral do meu avô. Achei que seria injusto com o homem alegre que ele foi. Meu avô tinha me ensinado que morrer não era nada demais, apenas uma seqüência natural da vida, que não devíamos ficar profundamente tristes quando uma pessoa vai embora e sim, lembrar de todas as coisas boas que tivemos com essa pessoa. Eu não chorei no seu funeral, porque não me senti triste com a partida dele. Eu já sabia que um dia ele iria partir e me senti feliz por todos os anos que ele conviveu comigo e por ter sido um avô tão incrível para mim.

Foi isso, Rafael, que meu avô me ensinou: que quando uma pessoa vai embora, por mais que nós amemos essa pessoa, nem sempre devemos nos sentir muito tristes. Porque uma hora as pessoas vão embora e vale mais lembrar as coisas maravilhosas que vivemos com essa pessoa do que chorar sua partida.

Mad Tea Party

Já faz algumas semanas que estou andando sem muletas. Ontem desci as escadas do prédio onde trabalho e não senti o tornozelo. Então, perdoem-me o clichê: vocês não fazem idéia da alegria que pode existir nas pequenas coisas.
Mas eu sempre volto a ser o canalha habitual. Por exemplo, vi um desses programas evangélicos da TV onde as pessoas dão testemunhos de fé. Tive vontade de ligar para para dar meu depoimento e graças pela cura alcançada e ao final dizer com muita emoção: "obrigado, padre Marcelo".

Letra Morta

Hoje dancei Sidnei Magal.
É engraçado como certas coisas idiotas tornam a rotina de um casal algo divertido.
Agora ele foi embora, volta em setembro. Quase perdeu o ônibus por minha causa, que esqueci a passagem em casa. Voltei correndo, saí do ônibus no meio do caminho pra rodoviária e peguei outro pra voltar. Cheguei em casa ofegante, peguei a passagem e fui correndo até o táxi mais próximo. Bendito taxista, que furou alguns sinais pra me fazer chegar a tempo. E cheguei, uns dois minutos antes de ser tarde demais. E ele foi. E volta, pra me buscar e me levar pra sua cidade.
Vamos morar juntos, constituir família, casar, e todas as coisas bichas do mundo.

Admirável Blog Novo

Eu aprendi a deletar e-mails

Mesmo não resistindo a ler algumas palavras e relembrando sentimentos passados. Olha como tem frases tão bonitas -- oh, sim, eu me inspirava. Não pensarei que foi desperdício, apesar de achar que seria melhor se o destinatário fosse outro. Mas que outro? Então, por mim, não foi.
Eu aprendi a deletar e-mails e até sorri depois de dizer ao Pegasus yes, I really want to delete this folder.

Clarices

19.8.04

Foi num dia frio como esse a primeira vez que eu disse pro professor:
- Acho que a Marina peidou.
E a classe inteira deu risada. Cê precisava ver. Se bem que ela nem riu. Putz, nem sei o que fazer. Eu gosto dela mas... Toda vez que abro a boca pra dizer algo sai alguma coisa do tipo. Marina peidou, Marina é gorda, Marina tem meleca no nariz. Não sei o que é. Eu ouvi minha irmã mais velha conversando com o namorado dela no telefone outro dia. Peguei na extensão mesmo, tô nem aí. Ele não falava nada, ficava só dizendo "a-ham" e ela ficava repetindo seis vezes, sete, te juro, tudo que ela tinha feito no dia. E ainda dizia que amava o coitado e ele só dizendo "a-ham". Até tentei fazer isso com a Marina mas sei lá, cheguei, disse uns três "a-ham" e ela foi embora. Vai entender. É o que meu pai fala, que não dá pra entender a cabeça da minha mãe. Uns anos atrás eu achava que era por ela ter uma cabeça grande, mas agora que cresci sei que é o que tem dentro da cabeça que ele quer dizer. Aí, como todas as mães são iguais, só muda endereço - foi o Rodney que me ensinou essa frase - achei que todas as mulheres são iguais. Mas a Marina nem deu a mínima pro "a-ham". Só me olhou torto. Pô, o que um cara como eu tem que fazer pra impressionar a garota que ele gosta? Flores é tão besta, eu não vou dar flores. Aliás, se eu der flores ela vai saber que eu gosto dela e nem quero isso. Só quero impressionar ela. Mas ela nem assiste aos jogos de futebol, nem viu quando eu quase quebrei a perna do Renatinho, aquele gordinho idiota. Bem, todo mundo acha que o Renatinho é idiota, se eu chamar ele de idiota bem na frente dela, talvez ela se impressione. Talvez. Não dá pra entender a cabeça das mulheres.

Chicken Dog

The Laws of Buddah

1) existence is suffering
2) the cause of suffering is desire

Acho que ficaria melhor "human stupidity", mas eu sou apenas uma pessoa comum, que acha coisas comuns, não nasci de nenhuma virgem e nem de uma flor, nasci de uma mulher normal, inclusive, de cesária, e acordo tarde alguns dias.

Rascunhos de Alice

SPEAK LOW IF YOU SPEAK LOVE

Declarações de amor nunca me interessaram: exibicionismo levado ao ápice ou loucuras de imbecis necessitados de desintoxicação. Alguns gostam de apaixonar-se e riem, orgulhosos por ter alguém raro, único. Ilusão. Viver de amores é totalmente estúpido: apenas doidos, oligofrênicos, reduzem suas opções a basear uma existência na infelicidade -e o jogo de ocultação do sofrimento repete-se, odiosamente. Ganhar nesse esporte, roleta-russa, é impossível. Observem.

pura goiaba

A sensação que eu tenho é de que ninguém mais vem aqui.

catarro verde

VERBETES DO DICIONÁRIO ALMIRÂNTICO - II

filisteu s.m. 1. Bíblia. pedófilo (E naqueles dias o filisteu Golias perdeu a cabeça por causa do pastor Davi, mais jovem e de menor estatura, in 1 Samuel, 17:49) 2. Filosofia. hipócrita por estar do lado oposto (O prenome desse filisteu a serviço das FARC ilustra, de per si, a majestade em que se arvora o coitadinho, in Por Que Me Ufano de Meu Nariz, de Olavo de Carvalho. O sobrenome desse filisteu imperialista já denota o material de que é feita aquela cabeça-dura, in Manifesto Economista, de Emir Sader) 3. Dramaturgia. filho consangüíneo (NOZINHO [chegando em casa e batendo em uma por uma das crianças]: Ai de mim, que meu destino é descontar em meus filhos naturais as ziquiziras do filho da puta do chefe da repartição! VALDETE [protegendo os gêmeos caçulas]: Pois nestes tu não bates, que eles não são filisteus!, in Os Sete Gatinhos Que Eram Só Cinco, de Nelson Rodrigues)

Ao Mirante, Nelson

18.8.04

JURAMENTOS DESNECESSÁRIOS

Transferimos a vontade ao obstáculo para não chegar tão cedo. Deus devia sorrir mais mesmo quando nega. Já vi Deus mendigando. Nem tudo é Deus. O que imagino ser talvez eu já tenha sido. O consolo não nos deixa cicatrizar a dor, fica-se no raso da ferida. Viver sem recompensas é desejar o desejo. Lágrimas enjoam os olhos. O que é imortal não tem passado. A eternidade não cura o que não sangrou antes. Os mortos não precisam enterrar seus mortos. Eu não me envergonho da nudez, mas da falta dela. A ausência é ainda um jeito de aparecer. É mais difícil ser fiel ao hábito do que ao mistério. O egoísmo é destruir justamente o que é pessoal. Experimento não é experiência. Conhecer a miséria não me torna mais sábio - conviver com ela é que me transfigura. A casa ensina o exílio. A fome desobedece a necessidade de falar. Um inferno tem mais realidade do que o paraíso. Escrevo para me desmoralizar. Amar a verdade significa ter esperança nas mentiras. Melhor do que encontrar a verdade é saber recebê-la. Inicio diferente para preservar o fim. Amizade exerce a virtude da solidão a dois. Quem repete seu sofrimento não tem senso de humor para libertá-lo. A alegria pode dançar sozinha e não será ridícula. O tempo é onde não temos tempo para ir. O relâmpago faz contrabando de clorofila. O medo empresta sua ternura à coragem. O que não se apreende, aprende-se. O homem devia se procurar ao dia com a curiosidade em que se caça durante a noite. Ler é dividir as mãos em janela. O corpo bem que poderia pedir licença para envelhecer. A ambição busca a autoridade, não o poder. A humildade tem o poder de não querer nada. Ninguém fez juramento ao nascer.

Fabricio Carpinejar

Algumas coisas que aprendi no hospício

Trabalhando num hospício e observando bem os pacientes – mas agora tem que dizer “clientes” - você aprende bem tudo o que vale a pena ser aprendido neste mundo. Pegar mulher, por exemplo.
Tudo bem que ninguém ali pega nenhuma, mas quanta técnica. Tem a do sujeito baixinho e feião que insiste em andar na ponta dos pezinhos, tic tic tic tic, o dia inteiro. Ele tem um amigo imaginário meio tarado que lhe dá conselhos no ouvido. Geralmente é pra passar a mão na bunda das mulheres. Quando o baixinho feião vê mulher, tic tic tic tic, lá vem ele andando na ponta dos pezinhos. Daí ele diz rapidinho “Me mandaram passar a mão na sua bunda”.

Se você diz “Nem vem” (todo mundo diz “nem vem”), ele é educado, desiste. Mas aí é que está o segredo, por isso que é bom usar essa técnica do amigo invisível, você tem em quem botar a culpa. Nessas horas o baixinho feião diz para o amigo, “Eu falei que era cedo. Parece que nunca viu mulher”. Ele até pede desculpa pelo amigo tarado. “Desculpa, esse cara é fogo”. E vai embora, tic tic tic tic. Andar na ponta do pezinho é optativo, é só pra dar um charme. Mas a técnica do Amigo Invisível Tarado salva a sua dignidade.

Colorina

17.8.04

Porquê nos vemos sempre com 20 anos?

Muitas vezes somos exageradamente críticos com o que vemos, porém basta um olhar mais profundo para que seja descoberto o que passou despercebido, para que surjam novas visões de um fato. Certa vez estávamos em uma festa, eu, minha E e alguns casais amigos, e altas horas toca de repente Estúpido Cupido, da Celly Campello, para ruidosa alegria de uma mesa próxima a nossa. Imediatamente seus ocupantes levantaram e partiram para os passos típicos da música, jogando e puxando o par, girando os pés no ritmo da dança. Um riso contido correu nossa mesa, ante a senhora gordinha a balançar os seios e o vovô desengonçado a fazer charme para a parceira (em nossa cultura da máxima beleza não permitimos aos feios e velhos os prazeres da sedução. Certa vez assistia a um filme e quando na tela um casal idoso trocou um beijo de verdade, língua na língua, um início de vaia percorreu a sala, em um absurdo que já é uma outra história.). Sei, não posso negar que havia um pouco de cômico naqueles casais, já um pouco ébrios, a girar no salão. Porém isso era cria do olhar superficial. Se você for mais fundo, se usar de um olhar mais perceptivo, não vai ser difícil reconhecer naqueles casais, os jovens de vinte anos que a quatro décadas atrás divertiam-se na dança. Eles estão lá, vivos, dentro daqueles senhores e senhoras que brincam felizes, e que pouco se importam com o nosso julgamento vetusto. Se pudéssemos nos transportar para um deles, veríamos que eles vêem uns aos outros, e a si próprios, com os olhos jovens de quarenta anos atrás, e naquele instante acontece o efeito cinematográfico que mostra os personagens como jovens, em um lance, um instante. Fiquei sentado, sentindo tudo aquilo, e sabendo que daí a instantes, tocaria Um Certo Alguém, do Lulu Santos, e aí seria a nossa vez de levantar com toda empolgação, e que os super-jovens, fora do salão, iriam se cutucar e rir de nossa alegria. E assim os olhares superficiais deitam uns sobre os outros, julgando, catalogando, sem humanidade, sem profundidade, sem tolerância. Porquê somos tão duros? Mas que está sendo duro sou eu, no fim das contas a festa foi ótima e quem mais se divertiu, claro, foram os sessentões.

Singrando

A Solução

Quem trabalha ou já trabalhou com suporte técnico deve conhecer o truque. Quero crer, aliás, que funcione com qualquer atividade que envolva solução de problemas. Bom, é assim: frente a um problema que se mostra resistente a todas as tentativas de solução, em vez de ficar esquentando a cabeça você o deixa de lado e vai dormir. Na manhã seguinte, com sorte, a solução surgirá na sua cabeça, tão simples e clara que o fará sentir-se o pior dos imbecis. Então, cansado de brigar com meu micro que desligava sozinho, fui dormir (às sete da manhã, horário não muito ortodoxo) e tive um sonho.

O sonho começou como um documentário de TV. Era sobre um jazzista americano dos anos 40. Negro, pobre, tinha como maior sonho vir ao Brasil para pesquisar os ritmos daqui e transportá-los para o jazz. A trilha sonora do começo do documentário era um jazz bem tradicional. Depois da viagem do tal músico ao Brasil, a música muda: ele conseguira fundir os ritmos brasileiros com o jazz, inventando um estilo musical mais poderoso e cadenciado. Nesse ponto, o documentário passa a ser uma matéria de jornal. Não me perguntem como, sonho tem dessas coisas. Na matéria, ficamos sabendo sobre os recentes problemas do jazzista com sua mulher. Desconfiado de que ela o traía, escondeu uma câmera no quarto em que ela dormia. Ao assistir aos vídeos, porém, percebeu que havia trechos longos sem imagem nem som, só chuvisco e estática. Volta para o documentário: em todos os vídeos, depois da imagem danificada aparecia a cama da mulher com uma mancha de sangue. O músico aparece falando com a câmera. Diz que a princípio pensou que a mulher estivesse praticando abortos. Mas seria incapaz de imaginar o que realmente acontecia.
Outra mudança de narrativa: agora o sonho é um romance de José Saramago. Em seu estilo peculiar, Saramago conta como a polícia retirou as táboas do assoalho do quarto, cavou e fez a descoberta mais inusitada: Super Homem, Batman, Homem Aranha, Capitão América e vários outros super-heróis estavam sepultados sob o piso do quarto. Alguns ostentavam ferimentos no peito, sempre com o mesmo formato: dois talhos fundos de um dedo de espessura, na diagonal. E foi uma confusão danada a exumação dos corpos, com todo o público conhecendo as identidades secretas de todos eles.

Quando acordei, às três da tarde, sabia o que fazer: liguei meu micro, entrei no BIOS Setup e configurei um tal AGP Aperture Size para 64Mb. E voilá, o bicho permaneceu ligado um tempão, sem dar qualquer problema até agora.
É tão bom ter sonhos assim, esclarecedores...

Jesus, me chicoteia

(...)

Não penso em nenhuma defesa para cineastas gordos que dão a latino-americanos a esperança de um mundo em que jorra leite e mel. Se fizerem questão, boto meu nome no abaixo-assinado para convencer o Papa a trocar a hóstia pela paçoquinha Amor. E pastores como a Xuxa advogam abertamente os efeitos beatíficos da santa banana caramelizada do China in Box, versão individual e porção com quatro.

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pequeno, às vezes me perguntava

Nosso mundo é cruel, como insistem aqueles que o abandonam, ou apenas ridículo?

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Chaos & Disorder

De todas as maneiras de organizar sua pilha de livros, a menos emocionante é a ordem alfabética por sobrenome do autor. Com a possível exceção das pessoas que usem o ISBN.

O fato de retirar os livros do convívio de CDs e esculturas também me parece um equívoco grave, mas talvez apenas meu quarto seja meio pequeno.

Ainda sobre o caos, sempre é bom lembrar que é impossível criar um algoritmo que determine para qualquer sistema mecânico M se ele é ou não caótico. Isso é uma conseqüência do teorema do Gödel, e do espancamento de velhinhas indefesas na Sibéria.

dies iræ

UM LOIRO EM MINHA VIDA

Eu desci do carro puta da vida, tentando manter os palavrões num nível não muito ofensivo para a criança - de, o que, 3, 4 anos ? – que me acompanhava, com as perninhas totalmente esticadas e os pés ainda bem longe de alcançar o fim do assento do banco do meu Uno vermelho, do ano (89 !!?), indignada com meu carro que deixava cair um pedaço tão facilmente e com os @#$&%*# dos vizinhos que insistiam em estacionar praticamente na frente da minha garagem, transformando o que deveria ser uma ré simples em vários minutos de manobras, xingamentos e, ocasionalmente, raspadas, como esta que acabava de tirar a ponteira do meu pára-choques. O fato de que isso faz no mínimo 15 anos só comprova que eu não era tão calminha na juventude quanto eu gosto de pensar. Enfim, revoltada, vermelha, me equilibrando nos meus saltos 7, (é, na época eu me vestia bem melhor que hoje), me sentei no banco do motorista, o pedaço do pára-choques na mão e ainda soltando fumacinha pelos ouvidos, e enquanto continuava a manobrar, o gatinho só me olhava, meio preocupado, do banco do passageiro – eu sei, criança é no banco de trás, mas naquela época, no pré-cambriano, nem eu nem ele sabia ou dava moral pra coisas insignificantes como segurança. My bad – com aquela carinha de patinho de desenho animado. Quando minhas orelhas pararam de arder de raiva, ele me falou, com sua melhor vozinha de acalmar rottweiler : “Tia Cynthia ?” – na verdade, isso soava mais como “Sá Tíntia”, mas enfim. Eu, ainda meio irritada : “Hum”. Ele :“Quando eu crescer, eu vou trabalhar muito, ganhar muito dinheiro, e comprar outro pára-choque pra você, tá ?” Me derreti, claro, naquela vez e em várias outras parecidas. É por isso que não adianta : por mais que ele agora tenha mais de 1m80, seja tímido, magrelo, monossilábico, fechado, aparentemente frio e eternamente blasé, eu sempre olho pro meu primeiro sobrinho e vejo o mesmo toquinho loirinho, com aquelas bochechonas que a gente tinha que se segurar pra não morder, as mãozinhas cheias de covinhas e um coração tão grande e doce que vazava em olhinhos amendoados e cor de mel. Se por acaso você passar por aqui hoje, Marco, feliz aniversário. A titia te ama.

CynCity

15.8.04

O Homem que se Chamava Free Lolita Pictures

Queria escrever uma história em que um homem se chamava Free Lolita Pictures. Ele nunca conseguia usar o email, porque quando as pessoas liam o nome dele achavam que era spam. Daí Mr. Free Lolita Pictures ia para uma reunião de pessoas com o mesmo problema - onde encontrava Mr. Russian Rape Pics, Mr. Enlarge Your Penis, Mr. Enlarge Your Penis Jr., Mr. Your Girlfriend Told Me Your Dick is Too Small e Miss Nigerian Scam. Comiam bolachinhas e contavam seus problemas. Chorando, Mr. Free Lolita Pictures dizia que sua filha, a pequena Miss Free Lolita Pictures, sofria muito na escola nas mãos das meninas más; e depois dizia pensar em ir para um cartório e mudar os dois primeiros nomes da filha para Barely Legal, e tudo estaria resolvido. Mr. Russian Rape Pics, que queria ser chamado só de Mr. Pics (ou Russian para os íntimos), dizia que sempre tinha achado o nome Barely Legal a damned fine name, mas que queria trocar o nome da própria filha para Preggie Wife. Todos concordavam que Preggie Wife era um nome lindo - especialmente considerando-se que o nome da família do noivo dela era Sucking-Horses. Aí Miss Nigeriam Scam dizia, impressionada, que os Sucking-Horses eram uma família muito respeitada na Cornualha, com membros conhecidos das colunas sociais, como Lady Hot Model e Lord Bloody Faggot. No final, você sabe - aparecia um negão brasileiro chamado Oportunidade Imperdível e comia todo mundo, com madeleines.

Alexandre Soares Silva

12.8.04

Não sou o único que leva revistas e outras leituras quando vai para o trono. Mas acho que sou o único anormal que cobre os olhos das fotografias antes de se levantar dele. Por favor, me interna.

Letra Morta

Velório

Você alimenta um sentimento, ou a outra pessoa alimenta um sentimento por você, ou, com muita sorte, vocês o fazem simultaneamente. Não importa: todos os amores vão para o caralho, e um dia esse de vocês também irá. E isso nem é pior: que um sentimento morra, tudo bem, estamos acostumados. O ruim mesmo é agüentar o velório.
Porque aí não há mais possibilidade de convivência normal entre você e o outro. Vocês até tentam emendar uma conversa qualquer, mas o sujeito deitado no meio da sala com algodão nas narinas os impede com o peso de sua presença defunta. Você tenta dizer algo casual e besta, mas é forçado a se interromper no meio da frase, porque o finado começa a cheirar mal, o maior dos embaraços. E você tem que tapar o nariz e exclamar "Que horror!".
Até que o morto é enfim levado para sua sepultura, as janelas são abertas e o chão, varrido. Você olha para a outra pessoa e vê em seus olhos o mesmo alívio que você experimenta. "Quer café?", você pergunta, e vão para a cozinha, já conversando animadamente sobre o tempo, ou fofocando a respeito da vizinha gorda, ou contando piadinhas. Porque, sem a presença opressiva daquele amor que morreu, vocês enfim são livres.
Sentimentos morrem todos os dias: são assassinados, suicidam-se, morrem de velhice ou nalgum acidente estúpido. Vem o velório em seguida, e esta é a pior parte. E é uma sensação e tanto quando ele acaba, e nos vemos livres daquele cadáver atravancando a sala.

Jesus, me chicoteia!

8.8.04

Meu pai está agora numa semi-intensiva coronariana, esses nomes que o hospital dá aos quartos que têm monitores. Por obra do acaso [e existe acaso?] coube a mim, justo o filho mais relapso e distante [embora o mais carinhoso; sou incapaz de ser autoritário com ele] autorizar sua saída da UTI e acompanhá-lo até o quarto. Foi um privilégio. A maca passando pelo corredor da UTI e as enfermeiras e auxiliares se despedindo dele pelo nome. Ele era, e sabia disso, o paciente mais "antigo" de lá: 15 dias. Só não era o mais velho, e também sabia disso, porque havia um colega de 94 anos. Sabia tudo, meu pai. Da mulher do box em frente. Do cara com septicemia no box 18. Puxava conversa e obtinha informações daqueles que cuidavam dele. Única forma de se distrair e mostrar que estava lúcido. Um dia cheguei lá e uma mulher bonita, visitando um parente, me perguntou se meu pai era um "velhinho fofo" que ela tinha conhecido. E mandou um beijo pra ele. Ao sair da UTI, fui abrindo as portas para a maca e dizendo "adeus, UTI, pra nunca mais voltar, se Deus quiser". E enquanto esperávamos o elevador, percebi uma coisa que nunca tinha visto: meu pai emocionado, os olhos marejados de lágrimas. Comovido com as despedidas. Por sair vivo, talvez. E com uma cara de quem não sabia lidar com aquela emoção. Nunca soube. Nem eu, só aprendi um pouco a duras penas. Amanhã, dia dos pais como dizem, vou estar de novo com ele no turno da tarde. Colocando babador, servindo o rango, ajustando a cama, checando a máscara de inalação, chamando a enfermagem, e - principalmente - conversando com ele. Ouvindo. Mesmo que seja sobre a gravidez da Luana Piovani, que ele estranhou. Também, logo com o namoradinho do Justus?

¢AtaRrO vE®De

mosca tonta:
"tento tanto mas só consinto
depois do sexto tinto"

Tome uma xícara de chá

Eu não acredito em Deus. Não acredito nem em fadas nem em duendes, nem em seres elementais. Não acredito em almas do outro mundo. Eu não bato na madeira, não rezo quando tem raio, não uso guia, não faço sinal-da-cruz quando passo pela igreja. Eu não acredito em santos, anjos, cabalas, patuás. Não leio horóscopo, não sei meu ascendente, não jogo tarô, não bebo chazinho de cipó para “abrir minha visão interior”, não consulto os astros, não vou à cigana. Não visto branco às sextas-feiras, nem preto e vermelho às segundas. Não sei qual é o meu santo de cabeça. Não ligo para a Aparecida Liberato quando tenho que tomar uma decisão, nem vou seguir a numerologia e mudar meu nome para "Fabya". Não tomo banho com sal grosso, não ando com papelzinho de santo expedito na carteira, não boto arruda atrás da orelha. Não compro incensos do hare krishna, não deixo a cigana ler minha mão, não penduro crucifixo no retrovisor, não vou ao centro tomar passes. Eu não acredito num “lance-cósmico-de-energia-que-rola-entende?”. Não sou uma “bruxa moderna”, não sinto vibrações e acho o fim da picada esse negócio de feng shui: como é que um povo que come carne de cachorro vai me ensinar onde é que eu boto meu sofá?
Por isso tudo, é que quando digo que vi meu avô na Rua Augusta, eu vi meu avô na Rua Augusta. O Velho Affonso, falecido em 1986, estava lá. Não era espírito, assombração, sinal, interferência do celular, ácido atrasado, nada. Era o Velho. Tossindo pela rua, com um maço de cigarros no bolso. Ele vinha descendo pela calçada direita (de quem sobe de carro), com camisa psicodélica de bege e marrom, calça marrom (vovô botava muita fé no look anos 70)e cara alegre. Ele me viu, eu buzinei, freei, tentei encostar o carro, ele sorriu para mim, com o cigarro na boca, e fez um gesto, com os dedos e a mão, que podia tanto significar “encosta ali”, como “minha filha, deixa pra lá”. Dei a volta no quarteirão, mas ele já tinha ido embora.

¡Drops da Fal!

6.8.04

POTOCAS

Acho que abaixo dum certo QI, religião devia ser obrigatório. E daquelas bem duras, que não pode usar calça, nem batom, nem ver TV, nem raspar o sovaco.
*
Vixe, como tem blogueiro apaixonado, mandando recadinho secreto, que coisa linda. Só o amor constrói etc etc...
*
Itatiba again. Planejamento de curso, aulas brotando, orçamentos, escolhas.
*
São quase 5 da manhã e eu deveria estar no décimo sono, isso sim. Meu marido, 5 anos, dorme agarrado na girafa e fala dormindo.
*
O que faz uma menina de dez anos? Como é uma menina de dez anos? Já se angustia por querer ser adolescente, ainda brinca de bonecas, ainda brinca com os sapatos de salto da mamãe? Quer ter peito logo ou não quer ter peito nunca? Ainda vem no colo ou já está grande pra essas coisas? Eu sofro duma misericordiosa amnésia, não me lembro de praticamente nada da minha vida abaixo dos 27, 28 anos (é a pura verdade), só coisas muito específicas, muito específicas, não me lembro de como é ter dez anos. E sem auto-piedade nenhuma, acho que nunca saberei. Apenas uma constatação.
*
Na estrada nenhum caminhão. Esquisito. Pronde foram eles todos?
*
Gosto muito de casas com mesas de cozinha gigantes, sólidas, de madeira escura.
*
A gata Margarida soube que eu cheguei. E me trouxe um ratinho morto, cinzento e de olhinhos abertos de presente. Estou comovida.
*
Fumo minha derradeira cigarilha da madrugada no terreiro de café, no pátio antigo. Sentado do meu lado Seu Carlos, peão, vigia, tratador, jardineiro, motorista, lavrador, pau pra toda obra. Ele pica fumo como o meu bisavô, com um canivete sem ponta e enrola seu cigarrinho e fuma feliz da vida. Me disse que esse negócio de cigarro fazer mal é invenção desses "bando de médico capado que só quer ganhar dinheiro". Perguntou porque eu nunca vou à missa quando estou aqui na fazenda dando aula. Eu respondi, e ele disse que não gosta de padre, mas que vai à missa porque a estátua da Virgem tem a cara da mãe dele.
*
Estou letárgica. É como um filme meio fora de foco, cujo final já conheço. Tá certo, eu nunca fiz o modelito "mulher muderna, ativa, propaganda de moddes", mas estou mais lerda que nunca, nem bicho grilo, mais lerda, nem vitoriana, mais lerda ainda, barroca, me sinto usando veludos pesados, fazendo penteados complicados, bebendo vinho em taças de metal e posando para retratos 7, 8 horas por dia. As pessoas, as coisas, é como se não fosse comigo, é como se fosse um filme do SBT passando na TV do vizinho, é como quando a gente ouve a porta do elevador abrindo num outro andar (só quem mora em prédio de pobre feito o meu entendeu essa).
*
Escrevo num lépitópi pirata, numa conexão discada que não é minha, meu uol tá esquisito, tenham paciência comigo.

chupado do ¡Drops da Fal!

Corrente

1. Abra o armário de bebidas mais próximo a você.
2. Pegue a 5ª garrafa da esquerda para direita e beba duas doses duma vez.
3. Misture três dedos do liquido da 3ª garrafa da 1ª prateleira com dois da 7ª sétima na última.
4. Pegue uns gelos na cozinha, chacoalhe e engula num só gole.
5. Com a 2ª garrafa de cima pra baixo em mãos, bebendo no gargalo, venha para frente do computador e coloque todo o conteúdo do que se passa na sua cabeça num posti:

"Ana Luiza, como você pode fazer isso comigo? Tantos anos de vida juntos, dois filhos, e você me troca assim, do dia pra noite? Sua vagabunda ingrata, tudo que eu lhe dei, todo amor que lhe comprei, a casa de Campos que eu nem queria, o Loft no Guarujá onde... ah, onde você devia se encontrar com aquele ordinário nos fins de semana que eu... BLERGH! URGHT! UGHAT!

Iwgcfytwk ;oi yh w. DROGA! Como é que eu tiro vômito do teclado agora? Deixa eu passar o paninho de novo... qwerty23e4tryu5thgbn6yhn."


Zazoeira

Como parei de temer Spielberg e passei a amá-lo

Como Gofard foi incapaz de descobrir, não há situação mais baixa para um ser humano que submeter-se, livremente e por sua própria vontade, a um jogo de paciência.

Um vírus mantém-se em estado de latência por décadas, esperando um corpo que o acolha e afague. Animais inferiores permanecem meses em estado vegetativo, ou pelo menos horas espreitando sua mísera presa. Deus só levou sete dias para criar o universo inteiro. O padrão me parece óbvio.

Claro está que bela é a impaciência e a virtude é furar filas. O fato de filósofo algum reconhecê-lo se deve a serem, por definição, pessoas pacientes, e, destarte, privadas da Verdade. Uns doentes, como diria meu irmão caminhoneiro Shell.

PS: ainda precisaria falar dos revisionistas e dos apologetas do auto-controle, mas o dia está pleno, matando minh'alma à base de veneno.

raios e trovões no dies iræ

Todo blogueiro cata assunto
Como quem caça borboleta
Mas se o tema não chega junto
Desculpa de aleijado é muleta
Ele pega o tema da hora
O que quer que seja hype
Lula (ou Bush) dando um fora?
Qualquer merda desse naipe?
Claro que aí ele pressente:
Foi muito óbvia a escolha
Melhor um assunto plangente:
Que tal o passaralho na Folha?
De novo ele cai na real
Tudo que é blog fala disso!
Há que se ser original
Não é esse o compromisso?
O condenado então recorre
Aos posts de antigamente
Mas de um medo ele morre:
Que nos comments haja gente
Um porrilhão de visitantes
Acusando, sumariamente:
"Ei! Já li este merda antes!"
Então, à beira da afasia
Às piadinhas ele logo passa
Trocadilho, escatologia
Mas nah: ninguém acha graça
"O que fazer?", padece, tristonho,
"Esqueci como postar!"
E num despirocado sonho,
O farrapo humano vai poetar!
Então sua musa errática
Dita uma ode sobre isso:
Sobre a ausência temática
Que do blog tira o viço.
No fim, ele, à musa barda,
Diz que que ficou foi meia-sola
E a conclusão aí não tarda:
"Putz – poesia também não rola"!

Parabéns pra você Ao Mirante, Nelson!

4.8.04

please mr postman, fuck off

Nove horas da madrugada, ouço o interfone tocando, desço correndo, quando vou atender pára de tocar e ouço tocando no vizinho. Bosta, deve ser qualquer outro vizinho sem chave pedindo para abrir a porta. Volto para o quarto, deito, encosto a cabeça no travesseiro e batem na porta. Levanto e desço correndo. Olho mágico, era o carteiro, abro a porta.
- Oi!
Ele fica me olhando sério. Eu limpo os olhos e digo "oi" de novo.
Ele: - Por que não atendeu o interfone antes!?
Eu: - Eu estava dormindo.
Ele: - Dormindo... tsc tsc... E por que abriu a porta agora!?
Eu: - Por que acordei, idiota.
Pego a carta, assino um fuck e bato a porta.
E o dia foi meio assim hoje, estranho. Ainda bem que já acabou.

The Nowhere Man

ganso

Tinha pena de si mesmo. Afogou-se no travesseiro.

solidário no câncer

1. Plasma Cell Myeloma
Usually osteolytic. Osteosclerotic lesions are associated with peripheral neuropathy (POEMS syndrome).
Russel bodies are extracellular globules of polymerized immunoglobulines.
Mott cells have characteristic vacuoles.
CD38 is distinct antigen. CD138 is reliable marker for differentiating normal and neoplastic plasma cells.

Diagnostic criteria of solitary myeloma.
> A single tumour in the bone marrow.
> Solitary osteolytic lesion.
> Absence of other lesions on whole bone survey.
> No evidence of plasmacytosis in the bone marrow.

Medical Terms Learned today

MÃE É TUDO IGUAL, SÓ MUDA O ENDEREÇO

Megera-Mãe liga. Ticcinha está ouvindo um CD do Queen, no volume 23.
Toca Don't Stop Me Now. Megera-Mãe pede que Ticcinha pare de gritar e abaixe o som.

- Agora. Já. AGORA! A - GO - RA !

- Quié, mãe?

- Patrícia, vou te perguntar uma coisa, filha. E eu quero que tu me respondas sinceramente.

- Táááááááááááá, mãe.

- Patrícia, tu tá me escutando, cacete? Tá ouvindo?

- Tô, mãe.

- Li o teu post.

- Que post?

- O diário de ontem.

(Ticcinha ri... Megera-Mãe não ri.)

- Patrícia, é sério.

- Fala, mãe.

- Tu tá tomando alguma coisa?

- Quê?

- Tu - estás - tomando - alguma - coisa?

- Cueca cuela light, mãe.

- Não, demência! Tá tomando anfetamina, remédio pra emagrecer, remédio tarja preta?

- HUAHUAHAUHAUHAUAHUAHUAHAUHAUAUHAUHAUAHUAHUAHAUHAUHAUHA!

(Ticcinha tem um acesso de riso de fazer xixi nas calças, Megera-mãe continua no telefone aos gritos)

- Responde, animal!

- Não, mãe, juro que não, tu me conheces, sabes que eu nunca faria isso. Tá lôca?

- Pois como eu te conheço é que sei que lôca tá tu. Tu dorme até em fila de ônibus, tá dieta há séculos e emagrece um quilo e engorda outro, tá cansada sempre...agora de uma hora pra outra...

- É amor, mãe.

- É?

- É.

- Jura?

- Sim.

- Dá o telefone desse cara que eu quero falar com ele. Já.

Megeras Magérrimas

Encontro Marcado

Quem você pensa que é para aparecer em uma hora como esta? A gente não combinou que você só apareceria na minha frente na próxima década? Não interessa o que eu disse. Não me venha com desculpas e não ouse esfregar na minha cara tudo que eu falei sobre estar preparada para enfrentá-lo... Ei, é você mesmo? Está tão diferente... Diferente, oras! Num tom estranho e... Putz! Desculpa... Não sei mais se você é você. Eu vou embora daqui. Devo estar vendo coisas, pensando bobagens, misturando os reflexos do espelho e me afundando em pensamentos saudosistas e inúteis. Adeus pra você e... Não. Espera. Vem aqui... Deixa eu ver você direito. Hum... Forte, longo, grosso... Hum... Eu gosto de você, sabia? Não de você, especificamente. De você, especificamente, eu preciso pensar. E não venha querer parecer o que você não é. Você nunca foi disso, eu nunca fui disso. Tenho que admitir que você nunca me deu trabalho, apesar do tempo e do meu temperamento. E eu sei que, na medida do possível, nos entendemos... Mas é claro que estou surpresa! Por que não estaria? Por que eu tenho que ser diferente do resto do mundo? Eu sei que eu disse que não seria assim, que seria simples e tão natural como sempre você foi... Já falei pra não esfregar meu passado na minha cara. Céus, é você mesmo, não é? Eu não acredito... Por que agora? Por que justo agora que o meu coração está tranquilo, meu corpo e minha mente estão em paz, apesar dos pesares? Por que? Por que não esperou para nos encontrarmos na data que combinamos? Ah é, é? Não combinamos nada? Anh... Sei. Eu? Nunca! Você entendeu tudo errado. Não foi nada disso... Eu nunca disse que você podia vir. Posso ter dito que não sofreria se você viesse, mas não que estava com cabeça para recebê-lo agora... Quer saber? Sai daqui! Não quero mais olhar pra você... Suma! Desapareça... Ei, ei... Espera... Cadê você? Cacete... te perdi. Onde você está? Droga... Hum... Vai querer brincar de esconde-esconde, é? Só por que, por enquanto, você é único? Não esqueça que, se me der na telha, faço você voltar a ser só mais um no meio de uns cem mil. É... isso mesmo. Falo o que eu quiser e mudo de idéia a hora que eu quiser. Sou uma traidora de mim mesma e você pode deixar de existir a hora que eu bem entender. Duvida? Você pensa que eu não tenho coragem, mas pra tudo há uma primeira vez e a sua também pode estar próxima. Não me provoque, porque senão eu... Volta vai... Quero ter certeza de que você está aqui. Não me pergunte o porquê. Só quero tocá-lo mais uma vez e... Ah-rá! Achei você! Nem pra se esconder direito você serve... Quem diria? Achei que estaria tão fraco quando viesse, que mal teria forças para se fazer notar... E não pense que terá poder sobre mim. Tiro você da cabeça a hora que eu quiser. Ah, não? Quer ver? Não me ameace... Eu sei que fiz promessas falsas, mas me esperar atrás da porta de um banheiro não foi nada delicado da sua parte... Não, não tenho coragem de destruir você... Daqui pra frente vai ser assim pra sempre? Eu sei que será... Os sinais serão mais fortes. Eu sei. No fundo, no fundo você dá medo... E não era pra sentir? Não é à toa que passa tanto tempo camuflado, escondido, caído por aí... Você é um grande susto para qualquer mente distraída. Isso sim... Eu adoraria poder olhar pra você e honrar meu discurso de que agiria normalmente na sua chegada, mas pensando bem... Há! Não vou olhar, não vou questionar o que eu fiz ou deixei de fazer, não vou correr para segurar uma existência que eu não compreendo. Vou fazer como faz toda mulher que ignora a crueldade das marcas. E dane-se que a lenda diz que você volta com um exército quando jogado fora. Você vai morrer para os meus olhos e para a minha consciência, mas, não se preocupe, a dor será só minha. Você? Você está morto desde o dia que virou folículo seu... seu, seu... maldito primeiro fio de cabelo branco!

no espelho do Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

3.8.04

Me curei (era doença?) à base de Eclesiastes na veia. Isso não tem feito de mim mais crente. Na verdade, hoje em dia acredito que também a crença é vaidade. Acredito apenas no silêncio.

Paulo Polzonoff Jr.

HAMSTER 

Foi só depois de contrair lepra que entendi enfim o decadentismo: perdi a capacidade de enxergar tons pastéis, sejam eles putativos ou reais. Hoje mesmo tive minha infusão de rubiáceas interrompida por uma equipe de TV; quando notei, estavam gravando depoimentos de clientes e tomadas gerais do salão da rubiateria. Isso me tira do sério. Não quero ver minha condição ("hanseníase" meu traseiro branco-lírio) explorada em reportagens de telejornal ou vídeos da Unicef. Corri até o banheiro para me esconder, mas a porta estava trancada. E exatamente nesse momento apontaram a câmera na minha direção.

Mas eu digrido, eu digrido. Não há desperdício pior do que o de tempo, nem mais encontradiço. A morte, como sabem os legistas, é um longo processo, e por isso é bom dar início a ele o quanto antes, sendo ou pelo menos alimentando a fama de opiômano, devasso ou poeta-em-prosa. Pode-se começar jogando fora as lentes de contato, fazendo a barba uma vez a cada três dias e usando somente produtos d'O Boticário aprovados por Romeu. Quando se percebe que as emoções obedecem a uma lógica rigorosa, é um sinal de que se está no caminho certo.

Contos Licenciosos

Festa do Interior

Lampião City é uma megalópole típica do interior do interior do interior e como tal, tem suas singelas particularidades.

A roupa é lavada por Mundira, no rio que passa aqui, por detrás da minha casa. Até temos máquina de lavar, mas a roupa não sai igual à lavada por Mundira, não não. Deixei, inclusive, de andar pura a fumaça um dia desses, quando nós e outros clientes fiéis resolvemos dar de presente um ferro elétrico (ela só usava aquele que coloca brasa dentro, pesadão). Os lençóis têm que ser sacudidos porque secam estendidos na areia.

Fim de tarde? Banho tomado e cadeira de balanço na calçada, ora. Pra se refrescar com o Aracati que é um vento que vem láá da praia. E conversar com os vizinhos, acenar com a mãozinha pra quem vai passando de bicicleta, ver o movimento.

Tá a fim de tomar uma cerveja, comprar uma tevê, um pé de alface e não tem dinheiro? Problema não, depois cê passa aqui e paga.

Sabe quem é Raimundo de Chica? Sabe? Pois sou filho dele. Meu nome é Rosemeire, já fui aluna de sua mãe. Genival, muito prazer, já trabalhei pro seu pai.

Aquela lei dos seis graus aqui diminuiu pra dois. Todo mundo se conhece e agora, época de campanha política, fica tudo mais engraçado. Alguém de repente arrebata sua mão, chacoalha pra cima e pra baixo efusivamente enquanto dá tapinhas nas suas costas, oba, tudo bom, como é que tão as coisas? Bem, bem... (tentando desesperadamente reconhecer o então candidato e imaginando em que curva da vida aquela amizade tão íntima se perdeu) E ainda tem os carrinhos de som agarrados a uma bicicleta que passam devagarinho por todas as ruas da cidade, as paródias, os fogos (pum-pumbururm-pumpuuum-pôu) em dia de feira - sábado de manhã, leia-se - que não lhe deixam dormir até mais tarde, os showmícios que juntam todo mundo na praça da igreja.

Tão animado.
Melhor que lavagem de fato e queima de gréia.

minha querida Arroz-de-Leite, agora com cheiro de caju!

2.8.04

Oh Danny Boy!

Os navios negreiros eram assim chamados porque vinham cheios de escravos irlandeses que desembarcavam em Salvador. A presença dos escravos católicos e bêbados vestidos de verde pode ser provada pelos nomes das cidades baianas, como Connemara e Knockcroghery.
-Mas por que negreiros?
-Hein?
-Se os escravos eram irlandeses, por que os navios eram negreiros?
Temo que a resposta esteja em “Casa Grande e Senzala”, o clássico de Oscar Wilde sobre a vida dos irlandeses nas casas de fazenda dos barões do café witty and gay. As ilustrações de Aubrey Beardsley, esse Debret caboclinho, mostram os escravos irlandeses dançando jigas em torno do fogo, lutando capoeira e lendo “Ulisses” enquanto amassam mandioca num pilão.
-“Temo” por quê?
Porque não li o livro. (toma um gole da half pint) Os pais de Oscar Wilde eram escravos, não sei se você sabia. Aliás ele também foi criado como escravo, na casa do Ruy Barbosa. Coitadinho, ele gostava muito de escrever peças, mas quando o Ruy Barbosa descobriu mandou cortar as mãos dele. Daí Oscar Wilde passou a escrever colocando a pena entre os dentes. Foi assim que ele escreveu “Lady Bucicleide’s Fan”. Daí Ruy Barbosa mandou arrancar os dentes dele, e Oscar colocou a pena entre as gengivas e escreveu “A Importância de Ser Lucimar”. Um espírito indômito, esse Oscar Wilde.
-Fascinante, fale mais.
Sabe por que Ruy Barbosa era chamado de “A Águia de Haia”? Ele sofria de uma doença rara e todo o seu corpo era coberto de penas. No lugar da boca, tinha um bico. Apesar disso falava muito bem, várias línguas, todas elas com um sotaque baianinho que fazia os diplomatas estrangeiros sorrirem de ternura. Caceteava as pessoas com sua retórica erudita de baiano metido e, quando elas estavam dormindo, roubava os relógios de bolso deles. Um portento, esse Ruy Barbosa. Sabe como ele morreu?
-Não.
Ele morreu durante a primeira insurreição dos escravos irlandeses, liderados por um escravo chamado Zumbi de Kilkanney. Cercaram a casa do Ruy Barbosa e puseram fogo. Ruy Barbosa ainda tentou sair voando pela chaminé, mas ficou entalado e morreu lá mesmo esturricado. Dizem que comeram o Ruy Barbosa com batatas.
-Não!
Sim. Em memória dele compuseram “Oh Danny Boy (the pipes, the pipes are calling)”, esse clássico do axé. Oh, é fascinante, a História do Brasil. Mas sem a contribuição das índias de tetas caídas e das irlandesas banguelas nossas mulheres não seriam metade do que são. Já ouviu falar na expressão “cadinho de raças”?
-Não.
Nem eu, graças a Deus. Oh, você paga desta vez, está bem? Tenho que ir, the missus me espera com os três volumes da Ditadura Encalacrada pra bater no cocoruto deste seu criado. Adeus, adeus, não te esqueças de mim... (tomba inconsciente do banquinho)

Alexandre Soares Silva

Me against the computer

Não sou uma completa analfabeta em informática. Ora, até que me viro bem com o PC. Mas, ah, quando dá errado... dá errado...

Os ícones fogem de mim

Sim, isso mesmo. Os ícones da minha Área de Trabalho brincam de esconde-esconde comigo! É assim, eu ligo o computador, dou todo o tempo do mundo para que ele faça seu procedimento inicial e... Quando eu clico no ícone da internet, ele some! Isso mesmo: s-o-m-e. Para voltar só um tempo depois. Rindo da minha cara, é lógico.

O Google me corrige

Corrige, não, me trata como uma criança que cometeu um erro engraçadinho e que o adulto, no alto de sua tolerância, tenta corrigir sem magoar. Foi assim: digitei "Precious Ilusions" no buscador e, quando a página voltou de fazer a busca, trazia a seguinte mensagem em letras garrafais: Você queria dizer PRECIOUS ILLUSIONS...
Imaginem o Google com a cabeça levemente tombada para o lado, olhar piedoso, tirando um instrumento perigoso das mãos de uma Babizinha de seis anos de idade...

O Word me induz a fazer contatos com o além

Estou feliz e contente escrevendo no Word. Além da irritante auto-correção, que nunca aceita acentos em construções como "ajudá-la" ou "buscá-la" e apaga quando eu as escrevo ou não me corrige quando eu esqueço, há mais bizarrices no programa.
No meu texto apareciam diversos nomes. Percebi que muitos eram grifados por uma linha vermelha pontilhada. Nunca liguei para isso até outro dia, quando decidi ver do que se tratava. Cliquei em cima do nome Tiago Potter, que, sim, é o pai do Harry Potter dos livros, e apareceu uma setinha que me levava às seguintes opções:

- Agendar reunião
- Enviar e-mail
- Adicionar a Contatos

O Tiago Potter! Um cara que, além de não existir, está morto.

Artificial Inteligence my ass...

Bônus track
Palavras que eu não sei digitar

- Mesmo - sempre sai memso
- Queira - sempre sai queria
- Primeiro - sempre sai primiero

Além do grave problema com a barra de espaço que me faz escrevertudojunto como se eu falasse alemão.

E tudo isso pode ser comprovado por quem fala comigo no Messenger.

La vie en rose

1.8.04

Ainda ontem eu tava pensando à respeito disso, quando atravessava a rua, que coisa meu, passaram-se quase 8 meses, e eu continuo dentro da minha casinha, só vivendo aqueles amores platônicos, o nº1, que vai ser eternamente platônicão mesmo, platônicaço!!! O amor platônico nº 2 que nem amor platônico é, é tipo, ah, não sei explicar, não que o amor platônico esteja nebuloso pra mim, na verdade está tudo muito claro, mas sabe, o amor platônico nº 2 eu não quero dividir com esse blog, ou qualquer outro blog que possa existir, só pra manter a minha lucidez. Por favor esqueçam que amor platônico nº 2 foi mencionado aqui. Aliás, amor platônico nº 2, já tirou o lugar no pódium do amor platônico nº 1. E tem o amor platônico nº 3 que eu vejo toda terças-feiras, as fantásticas terças-feiras. Eu encontrei o amor platônico nº 3 ontem na rua, parei ao lado dele na hora de atravessar a rua, e não falei com ele, constatando por completo na tremenda cuzona que virei. Sorte que ele não me viu. Mas esses embargos que acontecem na minha vida sentimental platônica só provam uma coisa: vem algo grande por aí. E agora surgiu o amor platônico nº 4, que na verdade nem é amor, mas mesmo assim, ainda pode inspirar muitas linhas, senão, não haveria o livro Lolita para nosso deleite perverso e sádico

eternamente Maldita Mulher

Exercícios de Literatura Geral

Cronologia

1a Semana - Um amigo me fala do ORKUT, entro, não acho muita lógica e esqueço.

2a Semana - Começo a adicionar e ser adicionado por diversas pessoas. Aceito incondicionalmente, sem nem ver ao certo o nome. A maioria delas não me cumprimentaria se nos esbarrássemos no corredor. Recebo convites para entrar nas mais diversas comunidades.

3a Semana - O vício já é completo. Acordo e verifico pessoas, mensagens e spams antes mesmo de escovar os dentes. Reencontro amigos do colégio, desafetos e a aquele primo distante que trabalha como jagunço e mora em Alagoas.

1o dia da 4a Semana - Encontro o profile de uma ex-namorada. Descubro que ela está casada, e com dois filhos.

2o dia da 4a Semana - Depois de uma noite sem dormir, escrevo um e-mail piegas para a garota, relatando que há assuntos mal resolvidos entre nós, que estou com saudades e que nuca a esqueci. Não vou ao trabalho.

3o dia da 4a Semana - Sem ter respostas, começo a mandar um e-mail por hora para ela, com as mais diversas frases e assuntos. Poemas batido, duplos sentidos, relatos do meu dia, resultado dos meus exames de sangue.

4o dia da 4a Semana - Ainda sem resposta, encontro o telefone de uma antiga amiga em comum da época do namoro, simulo um motivo banal, escondo a ansiedade e ela me dá o novo telefone da minha antiga namorada. Ligo na mesma hora, ninguém atende. Deixo mensagens a cada quinze minutos na secretária eletrônica até que encher a quantidade disponível do aparelho.

5o dia da 4a Semana - Sem comer direito há dois dias, recebo ligações do trabalho e reclamações de amigos, mas ignoro todas. Minha roupa não cheira muito bem, e só percebo isso quando a menina do caixa da padaria da esquina me olha com olhar de asco quando saio pra comprar cigarros. Ainda sem resposta, começo a achar interessante o movimento que o indicador faz ao digitar no teclado do computador e do telefone.

6o dia da 4a Semana - Logo pela manhã recebo o telefonema de um homem me pedindo satisfações. Ainda sonolento, mando-o à merda, e quase desligando ouço o nome dela. Começo a repetir que quero falar com ela. Gritando comigo, ele diz nomes feios, mas por fim ouço uma voz diferente no telefone. Ela me diz que sou louco, pra esquecê-la. Sou um homem feliz. Ao fundo, ouço o choro de uma criança antes do bater do telefone. Ligo novamente, seu esposo atende, diz que vai vir acabar com a minha raça. Eu digo que ele pode vir, desde que traga sua esposa nua junto.

7o dia da 4a Semana - Depois de passar a noite inteira fazendo ligações obscenas para eles, ouço um bater frenético na porta. Ignoro, mas, enraivecido, o esposo arromba a porta e vem contudo pra cima de mim. Já no chão e cuspindo sangue, grito que a esposa dele foi a melhor que já tive antes de ouvir um baque e ver o corpo do meu agressor cair na minha frente com um tiro nas costas. Um homem entra pela porta da frente da minha casa.

1o dia da 5a Semana - Levo meu primo alagoano que viera me visitar no dia anterior ao Playcenter.

nepotismo pro Zazoeira