30.1.05

Homem é bem semovente

Atendendo a pedidos, aqui vai a pérola da Letícia Maria:

Não existe uma única mulher que se aproxime de outra - que disponha desse cobiçável bem que é um homem - que venha com aquela conversa mole de cerca-lourenço de coração partido, de relacionamento recentemente findo (elas adooooram essa) que não tenha como único e singular objetivo de toda essa chateação catar o homem da outra.
E homem, como todas sabemos, cai na categoria de bem semovente, alguém tem que pegar e puxar pro bem se mover, se a falsa puxar ele não vai poder fazer nada e vai ir, como semovente que é.
Depois morre de vergonha, de ressaca moral, de arrependimento, mas vai.
O que nos diferencia, a nós, mulheres descoladas e superiores, é que o semovente volta, com cara de tacho, mas volta.

Aquela Vaca não me deu a cerveja!

SOLIPSISMO

Depois de me debruçar em estudos obsessivos sobre o solipsismo fui levado a inferir que no mundo só existo mesmo eu, o excelso autor dessas linhas. O ambiente, as demarcações geográficas e o cosmo que me rodeiam não passam de benevolente criação minha. Claro que você também, provável e almejado leitor. Você existe unicamente por me ler; assim que seus olhos se despregarem destas linhas sua existência finda. Lamento: nunca houve um antes em sua vida, como também pode ir esquecendo o depois. Evidentemente você não vai se lembrar de haver desistido da leitura porque quem deixa de ser, salvo engano, não se lembra. Se eu fosse você não pararia de me ler pelo resto da vida – após o “mais” lá embaixo voltaria ali ao “Depois”, e assim por diante. Mas isso, claro, também é uma esperança tola que nem vou insistir em lhe inculcar. O mundo é minha grande invenção; o solipsismo me deu uma razão de viver. Meu psiquiatra comentou ontem que surtei após ler tanto sobre o assunto, mas a psiquiatria é uma invenção que realmente preciso aperfeiçoar um pouco mais.

Ao Mirante, Nelson!

25.1.05

História meio torta

Diana era uma mulher normal. Mediana.

Meio bonita. Meio feia.

Meio legal. Meio chata.

Meio esperta. Meio burra.

Medí­ocre, enfim.

Meio que tentava se dar bem com as pessoas. Meio que conseguia se enturmar.

Meio que era aceita.

Meio que era esquecida.

Então, numa noite meio nublada, Diana cansou.

Enjoou da vidinha meio mais ou menos que levava.

Deitou-se no meio da estrada.

E meio que encontrou o seu caminho.

Num dia de folga

24.1.05

Don Giovanni

É preciso ter um coração de pedra pra não torcer pelo Don Giovanni quando se ouve a ópera de Mozart. É verdade que ele estupra Donna Elvira e mata o pai dela. Também é verdade que ele engana e abandona Donna Elvira. E é preciso admitir que ele seduz a pobre Zerlina no dia do casamento dela. Mas isso são detalhes.

FDR

Sinus news

Na infância não era tão grave, tudo piorou com os outros cinco irmãos que vieram depois e as reuniões de família que aumentavam de acordo com casamentos e mais e mais filhos e mais e mais tias - uma irritação no nariz, às vezes do lado direito, às vezes do esquerdo, doendo perto dos olhos, no rosto todo, na verdade, começando do nariz, dando terríveis enxaquecas e espirros em todos feriados. Telemarketing. Desenvolveu uma voz agradável, porém madura e masculina, aos doze anos de idade, comprou uma casa aos quinze. Mesmo sozinho, não era a era da Internet ainda, tinha de sair às ruas para comprar comida, comprava aos poucos, já conto porque, Porque prendia a respiração perto das pessoas, nas ruas, nos ônibus, não tinha carteira de motorista ainda, em todo lugar, para não sofrer da alergia aos feromônios, que combinados com o próprio causavam uma estranha reação, uma rejeição, na verdade, como um coração - e verde e nojenta. Tentou fazer as compras de três meses todos, de uma vez só, uma vez, e prendeu a respiração perto da caixa do super-mercado e da fila e do gerente e do garoto que ajuda com as sacolas. Estourou uma veia do olho, deixando uma mancha permanente, mas nada muito sério, perto da íris. E passou a comprar poucas coisas, por vez, às vezes, comprando e voltando as estantes vazias do super-mercado, para comprar de novo (alvejantes e sabonetes e perfumes não lhe faziam mal), até não precisar mais sair de casa por um bom tempo, estocando papel higiênico, comprando um pacote a cada ida ao caixa, oito vezes por dia, na sala de estar, perto das revistas e dos livros.
Qualquer traço dos cheiros naturais dos outros, que são combinações de desodorantes, sabonetes, shampoos, sabão em pó e o cheiro próprio do próprio organismo, impossível de existir dois iguais, como flocos de neve, digitais, e etc, etc - uma vez, o zelador veio verificar um estranho cheiro de podre no apartamento, reclamação dos vizinhos - desencandearia uma dolora crise de espirros, que formavam figuras humanas se olhasse pra elas, minie mulheres, às vezes, só os rostos, adoráveis, escorrendo pelo nariz.
E viveu sozinho, tanto quanto pode, telefonando sempre para a mãe, e o pai, mas não visitando ou recebendo e oferecendo um dois dezesseis tipos de refrigerante da casa, e de vez em quando, para os irmãos - que muitos mesmo quando não podiam falar já provocavam uma ligeira dor, perto das sobrancelhas - até se apaixonar e voltar para a fila com trinta e oito caixas de lenços e artigos da drogaria.

Politics is show bussines for ugly people

19.1.05

Sexta-feira, Janeiro 14, 2005

Os dedos batem com certeza no teclado. São os dedos que têm certeza, não é a mente. A mente não tem mais certeza de nada. A solidão em que me encontro, solidão de amigos, não de família - os amigos, não vejo desde o dia primeiro, quase nenhum, a família tenho visto sempre - a solidão em que me encontro e o livro que terminei hoje de ler, um capítulo, um copo d'água, um capítulo, outro copo d'água, outro capítulo, uma ida ao banheiro e outro copo d'água, o último capítulo, me fazem beirar algum tipo de loucura.

Ando lendo os números trocados. Li duas vezes o parágrafo onde havia "vinte e sete meses comendo a mesma merda" e li "vinte e seis". Duas vezes. Os números trocados ocorreram em número maior de oportunidades, no relógio. As confusões faziam parecer que o tempo estava andando pra trás. Quando comecei esse capítulo eram 2:20, agora, que começo este, são 2:14... Confusões assim. Será a loucura?

E eu, sozinho, no balcão do bar do Instituto Goethe, porque chovia muito e eu não podia ir pra casa naquelas condições, comendo chucrute, tomando a cerveja que esquentava na garrafa, pois eu não podia bebê-la toda enquanto ainda estava gelada, por uma questão física, eu pensava em várias coisas, olhava os anúncios, ouvia trechos de conversas das pessoas, olhava para a vela cheirosa - porque o bar tinha estilo e velas cheirosas, e eu jantava chucrute à luz de velas, sozinho.

Mas os dedos não erram, e quando erram, reconhecem e corrigem sozinhos, sem o auxílio dos olhos.

Reticências de um Poeta Morto

"I swallow till I burst"

"Idioteque", do Radiohead. A música fala sobre um navio afundando (me parece). Quando li o nome pela primeira vez, antes de escutar a letra, pensei em várias prateleiras (todas elas de metal polido e muito limpas) fixadas em paredes muito brancas. Nas prateleiras, idiotas. De todos os tipos, organizados por códigos muito simples ("você fica entre aquele de camisa azul e listras brancas e a parede - 'a coisa dura'") para que eles mesmos pudessem lê-los e, assim, permanecer cada qual no seu canto. Não sei qual seria a sua utilidade, mas eu teria algumas vultosas contribuições a fazer. Todos arrumadinhos ali, sem sair do lugar, em silêncio. Sim, claro! Seria essa a sua maior e mais benfazeja utilidade: todos os idiotas em silêncio, quietinhos, dando paz aos outros ouvidos cansados e enfastiados.

Maravilhoso!

A Box

Correio Sentimental: P & B

Suponhamos que ela seja canhota e suponhamos que ele seja filho único. Se acreditarmos que ela gosta de mussarela de búfala, e que ele sabe de cabeça qual é a raiz quadrada de 18496, é possível calcular quantas vezes os dois tomaram coca-cola durante o ano passado. Oh! É extamente o mesmo número! Deve ser um sinal. Então está tudo certo, vão namorar, casar e ter filhos. Um cachorro talvez, apesar de ela gostar de gatos. Os dias passam, a gasolina sobe, o Globo Repórter apresenta um especial sobre a piracema, outro sobre a pororoca. Eles ficam gripados juntos. Parece tudo perfeito. Mas falta algo, talvez um código binário.

Um dia, 792 horas depois que eles se conheceram, ela passou a usar o cabelo de lado e não mais partido no meio. No dia seguinte o celular dele foi clonado. Ele achou que o cabelo deu azar. Ela não conseguiu decorar o número novo. Viraram história. São como páginas rasgadas de um mesmo caderno universitário de 24 matérias. Para que tantas páginas? Tanto espaço para escrever sobre momentos como esse, que com o passar do tempo não passam de fotografias desfocadas.

Ela fala que amou. Ele disse que amou. E feliz aquele que sofreu e sentiu por cinco segundos a intensidade da gota do limão, que caiu certeira no olho, no momento em que ele foi espremido. Foi amor em preto e branco. Mas não mudo. E sim, com o charme cinza azulado dos filmes de antigamente. No final, ela bloqueou ele no MSN. E ao saber desse ato, ele pensou: "Ingrata. Eu coloquei três coraçõezinhos para ela no meu orkut."

Notícias do Mundo de Cá

15.1.05

POST NOIR

Noite chuvosa. Meu blog estava às moscas, como ocorre a todo blogueiro do lado leste de San Francisco nesta época do ano. Eu baixava um MP3 do Wynton Marsalis enviado por Jack Fuinha, o único comentarista de meu blog – quando de repente ela entrou na caixa de comentários: alta, insinuante, cool, toda atitude, as bordas azuis e... ah, certo, eu descrevia a caixa de comentários. Mas então entrou lá aquela loura fantástica. "Meu marido sumiu", disse o comment, complementando: "Agora passa lá no meu fotolog e não esquece de deixar um comentário". Acendi um cigarro e, a bordo do meu mouse cupê 1996, rumei ao fotolog dela. Chegando lá vi as fotos do marido desaparecido. Deixei um comment: "50 dólares a hora, mais despesas". Ela postou um emoticon com uma pequena lágrima, e eu teclei: "Meu coração é mole mas o bolso é duro, boneca. É pegar ou largar". Ela postou um smilie (não sei se por causa da última frase ou do "duro") e voltei então ao meu blog. Encontei o template todo desarrumado, como se o houvessem invadido e revirado. Já saberiam que eu estava no caso? Mandei um MSN a Little Todd, meu fornecedor de código html e de fofocas. Perguntei se ele podia arrumar o template e o que ele saberia do caso. Ele cobrou oito dólares adiantados e passou a dica: o fotolog da loura estava nos Toplinks – ela devia ser do high society da blogosfera. Acendi um cigarro, peguei novamente o cupê 96 e fui até o Google. Digitei o nome do marido desaparecido. No meio da pesquisa meu ICQ foi invadido por uma gang de vírus com sotaque armênio, que ameaçou desconfigurar meu Explorer se eu não desistisse da busca. Acendi um cigarro, arranquei com meu cupê 96, dei um cavalo-de-pau em torno do teclado até clicar no Norton Antivírus que Little Todd disponibilizara em minha máquina. Livre por um fio de mouse da máfia armênia, prossegui até descobrir, via Google: o marido desaparecido havia entrado para uma comunidade hippie no Orkut, e não retornaria mais aos blogs. Acendi um cigarro. Voltei ao fotolog da loura, o qual, para minha surpresa, mostrava fotos dela aos beijos e abraços com... Jack Fuinha. Fora tudo armação dele, vingando-se porque eu nunca respondia a seus comments. Ele na verdade era webmaster, e fora quem providenciara o ataque dos vírus armênios. Sem falar do conluio com a loura fotoblogueira, sua amante. E agora? Eu estava sem um tostão. Minha conexão era discada – quem pagaria pelas incontáveis horas em busca do marido sumido? Jack e a loura enviaram um emoticon risonho e com chifrinho, postando: "Contente-se em saber que o provedor pode desabilitar seu blog antes que a companhia telefônica corte a linha, old pal". Suspirei. Era uma noite chuvosa. Acendi um cigarro e, a bordo de meu cupê 96 – que já dava mostras de falhar a qualquer momento – acessei a página da Organização de Combate ao Enfisema.

Ao Mirante, Boneca!