31.5.03

Caminho sozinha até o cinema. Pedrinhas da calçada me escutem os ais. Te encontro às nove eu disse. Minha fala é cínica que dói. O galo já cantou três vezes e eu ainda não te neguei nada. E como te negaria, voz de minha vida? Como te diria meus nãos fingidos, falsos, intranqüilos, sem que eu negasse a mim mesma o gosto de tua boca? Digo ao galo que se cale. Preciso pensar agora. Pedrinhas da calçada, me escutem, me digam, me façam pisar neste chão onde vocês se esparramam e onde por tantas vezes eu também já estive em pedaços. Como negar-me antes do próximo pôr de sol que se fantasia de amanhecer? Chegarei ao cinema exausta. Quando o bilheteiro perguntar "inteira ou meia?", pensarei: "inteira!", mas ao confrontar seus olhos por baixo dos óculos, serei sincera de novo e responderei: nem uma nem outra, sou pedacinhos e estou na calçada, o senhor não vê? Então não olho mais para o homem ao lado da porta a assobiar uma canção de Beto Guedes. Não entro na sala escura. Dou meia volta. Agradeço à calçada e volto pra casa. E agora sim, Sr. Galo, pode cantar até se acabar.

Walkwoman

A Broadway é aqui.

Eu só fui ‘a ópera uma vez na vida. Eu não vi Moulin Rouge. Eu evitei Evita, eu matei Romeu e Julieta. O musical não é meu gênero de cinema favorito, e eu fico feliz que a Disney tenha parado com as longas cenas cantadas nas suas animações (fora a Pequena Sereia, é claro). Minha mãe até tentou me aplicar no glamouroso mundo das falas cantadas, vi Ginger, Fred e tentei _juro _ gostar de West Side Story. Sei quase de cor a coreografia de Cantando na Chuva e me emocionei com Dançando no Escuro. Mas, mesmo nos melhores filmes, sinto um certo constrangimento quando as pessoas começam a cantar assim, do nada. Não faz o menor sentido e, além do mais, ninguém faz isso na vida real, certo?

Errado. Tenho em casa uma menina de sete anos que, num almoço prosaico pode, de repente, mandar um lá maior: _ô, meu amooor, me passa a batata, por favoooor! Ou dizer, meio hip hop: eu não sei, não sei, não sei, onde está meu caderno de ci ci ci ci ciências que eu preciso para as experi peri peri ências… Ou que, ‘as sete da manhã, sai de passinhos pequenos pela casa, com as palmas das mãos juntas cantarolando algo em japonøes fininho e ininteligível. Eu não sei de onde vem isso. Talvez venha de 1995, quando vi a Broadway com seus cartazes e ela ainda era uma coisinha pequena na minha barriga. Talvez seja porque os pais gostem de música. Ou talvez porque ela nascido assim: Nina, a menina que vive num musical.

Mothern

Dormir de Touca é sexy.

Um dos últimos acessórios que acrescentei no meu enxoval foi a Touquinha sexy.
Sim , eu tenho um enxoval .
Um enxoval feito por minha avó desde meus 15 anos.Fica guardado dentro de um baú de madeira, trancado com cadeado no canto do quarto.
Acreditem ou não. É pura realidade.
A Touquinha sexy eu tive que acrescentar porque notei que meu cabelo fica um HORROR quando acordo,.Já cheguei assustar gente grande em quarto que não era o meu.
Na lua de mel , se meu marido assustar com a inovação , eu vou ter que dizer que é costume de infância dormir de touca ou dizer que faz parte de uma fantasia sexual , que não consigo transar sem touquinha.
Eu to falando sério. Isso não é mais uma de minhas invenções.
Homem adora cabelo , puxar , colocar a mão,deixando 3 vezes mais volumoso e a coisa vai crescendo (eu estou falando de cabelo) , por isso vi que sem toquinha sexy não tem jeito.
Ela é sexy porque acompanha a cor da calcinha. Se a calcinha é de renda branca , a touquinha também é. Faz um par harmonioso.
Se o homem tentar tirar, eu peido. Não tem nada mais broxante que isso. Assim aprende nunca mais tirar minha touquinha.Serão dois sustos numa noite só.
Meninas, sigam o conselho: Usem a touquinha sexy.
Depois não reclamem se encontrarem seu marido se masturbando com um Frasco de Shampoo Seda nas mãos.

Casos e Acasos Virtuais

Ser humano nenhum necessita mais do que 45 minutos de sono diário. Eu acredito nisso. Realmente acredito nisso. Eu preciso acreditar. Eu necessito...

Cerveja Blog

30.5.03

Sinto-me muito mal.

É, eu sei que não é novidade que eu tenho câncer, e que estou morrendo. Só que tenho me sentido muito, muito mal mesmo. Dói muito, incomoda, me impede de pensar, de falar, de agir.

Tenho ido ao INCA e visto outras pessoas com o mesmo diagnóstico, com o mesmo tipo de tumor, e isso me assusta muito. É diferente saber, ter certeza que vai morrer, é muito diferente de ver outras pessoas morrendo, de ver a morte em cada uma delas. Não quero ficar assim, não quero que a minha língua inche e saia da boca. Não quero usar redinhas. Não quero ter que aprender a colocar sonda para comer. Não quero.

Mas tenho certeza que não chegarei a isso. Estou morrendo, cada dia mais, e não luto contra isso. Não tenho "sede de viver", ou entusiasmo. Não quero sofrer tanto, lutando contra o inevitável. Quero morrer. Quero morrer. Quero morrer LOGO.

Canceroso

Entrevistada da vez: Adriana ´Drica´ Souza.* Idade:20, moradora da Cidade de Salvador - BA

(...)

Fry: Qual foi lugar mais louco onde transou?
Drica: Deixa lembrar... Huuumm... praia não.. muito normal... Ah... Imagina aquela multidão do carnaval da Bahia.. todos juntos... pulando.. dançando... e eu goznado com um pau dentro da xoxota..rs...

Fry: Tá falando sério? Como foi isso?
Drica: Foi bem louco.. mas é comum vc ver dento do bloco.. paus pa fora... mãos bobas entrando por onde não devem ou devem... Eu estava com o meu namorado... no primeiro dia... ele estava me abraçando por tra´s no meio da multidão.. consegui segurar no pau dele e masturba-lo até ele gozar na minha mão

Fry: Já viu muita putaria no carnaval?
Drica: Já.. muita... a mais louca foi uma menina com uma camisinha cheia de porra na mão.. mostrando para as amigas como se fosse um trofeu pelo que ela tinha feito há pouco.

(...)

Fry: Já gozou virtualmente?
Drica: Sempre me masturbo... só de te dar essa entrevista.. estou molhada aqui... e assim que terminar...

Fry: Vai ser sua goazada do dia!
Drica: a terceira..rs..

Fry: Sério? Como foram as outras?
Drica: Acordei toda molhada... acho que tive um sonho erotico.. não lembro... aí não resisto.. adoro me mastubar assim que acordo.. pois.. vou te contar um grande segredo meu... quando gozo pela manhã ao acordar, chego a fazer xixi junto com o gozo, e eu adoro isso. A segunda: Levei uma senhora cantada hoje.. fiquei molhadinha... e não resisti... corri para o baheiro do Shopping.. isso foi hoje as 12:00hs

Fry: Ia explicar o porquê disso mas deixa pra lá!
Falando nisso, tem alguma tara diferente?
Drica: Diferente... Diferente... acho que só por mulher mesmo.. talvez uma mais velha.. como a minha tia que me iniciou

Fry: Afinal de contas, ela só te ensinou ou fez alguma coisa?
Drica: Como te disse ela me ensionou na teoria e na pratica.. ela pegou no meu grelinho como ninguém até hoje fez... cuspiu nele.. e passou o dedo de um lado para o outro.. alternando suavidade e força... isso na primeira vez... e gozei... feito um louca... chorei.. esperneei.. e me apaixonei por ela...

(...)

Fry: Realmente, você tem fogo hein!
Drica: Muito.. e muito prara queimar ainda...rs... Quer se quiemar um pouco???

Fry: UAu! Como?
Drica: No meu fogo... é só encostar em mim.. que vc se queima.. e se entrar em mim.. vc derrete..rs..

(...)

Na cama com Fry

Bagel Lady de volta à ativa

A Bagel Lady apareceu aqui hoje, com sua cesta de bagels, de volta à rotina normal. Aproveitei para perguntar direitinho o que aconteceu com ela.

Ela teve foi um derrame cerebral. Ficou 12 dias hospitalizada até eles conseguirem entender o que aconteceu. Foram duas as coisas interessantes que ela me contou, uma foi a causa do derrame e a outra foi a experiência dela durante a duração do mesmo.

O derrame foi causado por uma ruptura espontânea (i.e. sem motivo aparente) da carótida dela. O rasgo provocou um coágulo que bloqueou o fluxo do sangue para o cérebro dela, e ocasionou dano cerebral felizmente restrito a 3 pequenos pontos não especialmente importantes, pois não deixou nenhuma outra sequela. A coisa chata é que os médicos não tem idéia do porque que isso tudo aconteceu.

O mais interessante foi a descrição dos acontecimentos durante a uma hora que durou o derrame. Segundo a Bagel Lady, ela não sentiu dor alguma nem perdeu os sentidos. Apenas... ficou burra.

Tão burra, aparentemente, que só foi se dar conta do que tinha acontecido depois que terminou o derrame e o cérebro começou a funcionar direito novamente.

Ela estava se preparando para ir num passeio de bicicleta (ela é ciclista aficcionada), quando a partir de um certo ponto ela começou a não conseguir se expressar direito, falava as frases pela metade. Também começou a ter alguns problemas de coordenação motora, mas continuou com os preparativos para o passeio mais ou menos normalmente.

A partir de certo ponto o cérebro dela voltou a funcionar de novo, mas ela foi se virar e a perna direita dela não respondeu. Aí ela percebeu tudo o que tinha acontecido. Aparentemente o raciocínio dela foi tão afetado que ela não conseguia perceber que tinha algo errado, simplesmente ia compensando pelo que ia parando de funcionar. Quando recuperou o uso da razão ela sentou e começou a chorar.

O marido, que estava com ela por todo esse tempo, notou algumas coisas estranhas mas, assim como ela, não percebeu a gravidade da situação. Quando ela começou a chorar e falou o que estava acontecendo, ele a levou para o hospital (mas ela ainda trocou de roupa sozinha, pois a essa altura já estava funcionando normalmente).

A nossa vida é uma coisa besta, não? Num minuto a gente está ali amarrando o tênis para sair de casa fazer os exercícios habituais, no outro está tendo um derrame e nem percebe. E depois vem o pessoal dizer que o corpo humano é uma coisa perfeita... o bagulho só dá problema!

Entre Quatro Estações

29.5.03

Se você quiser, eu nego tudo. A mentira é minha aliada, estou acostumada a ela, e ela por sua vez, se agarrou à minha carne e faz este efeito de cinismo nos olhos que te espiam. Combinaremos uma história - eu e ela. Tenho credibilidade. Já percebeu como é mais fácil crer em mentiras? Quando eu dizia a verdade, riam de mim. Hoje minto. Assinam embaixo. Eu gosto de ver os olhos sérios que me seguem os passos. Gosto também dos que se pretendem mais debochados do que eu. Ninguém me ganha. Então deixe o roteiro comigo. Mentirei um nome. Uma data. Um outono. Uma pessoa. Coloco tudo em uma estrada e faço pegadas de mentirinha que levam a outro lugar. Se é assim, eu aceito. Nego tudo. Te encontro às nove em frente ao cinema. Desvio de ti o meu olhar e te espero na sala escura, última fila, lado esquerdo. O filme começa depois que eu te negar três vezes.

Walkwoman

A gaveta, a inércia e o Anjo Exterminador

Existem muitas coisas das quais podemos nos orgulhar na vida. E outras das quais sentimos vergonha. Eu confesso que não tenho vergonha de muitas coisas, não.
Mas a maior delas é minha gaveta do banheiro.

Organizada eu nunca fui. Limpinha eu sou, embora sem neuras.
O fato é que essa gavetinha da pia do meu banheiro não é nem organizada e nem limpinha. Ela é um mafuá de coisas sem lógica, restos de trecos, como OBs soltos, cortadores de unha que não funcionam mais, lixas quebradas, bijuterias danificadas, frascos de esmalte vazios, toneladas de lápis de olho não apontados...e o pior: manchas de produtos de maquiagem e fios de cabelo que soltaram de pentes e escovas que já nem guardo mais ali.

Essa gaveta é grande? Não.
Eu não tenho tempo pra limpar? Meu tempo é curto, mas teria, sim.
Por que não arrumo? Não sei.

É uma força inexplicável que me impede de limpá-la. É mais ou menos como em O Anjo Exterminador, do Luís Buñuel. No filme, um grupo de pessoas vai a uma festa e ao fim, inexplicavelmente, não consegue ir embora. As portas estão abertas, o caminho livre. Mas eles ficam lá. Nem eles, nem nós - acho que nem o Buñuel - sabemos o motivo. É como eu e minha gaveta do banheiro.

Um psicanalista talvez me dissesse que a vida humana já é tão planejada, seccionada, que esta gaveta funciona como uma espécie de santuário. Um reduto de caos total em meio à (semi)organização doméstica, mantido por mim com uma ponta de orgulho. Mas o fato que minha mente já é esse reduto de caos. Eu não preciso que a gaveta seja também.

Então amanheço, adormeço, e amanheço de novo...e a gaveta fica lá, do mesmo jeito.
Enfim, pode ser mesmo que isso diga muito de mim. E talvez diga apenas que eu sou uma grande preguiçosa.

elasporelas

Já tentou fazer um castelo de cartas?
Tente.

É difícil. É demorado. Você vai se sentindo meio frustrado no começo, por não conseguir empilhar as cartas, pelas freqüentes quedas, pelos esforços em vão. Mas com o tempo sua mão adquire a leveza necessária pro trabalho. E aí a edificação vai surgindo, gradativamente, cada vez maior. Frágil, como qualquer castelo de cartas, mas com uma aparência firme...

Então você fica de saco cheio. Ficou fácil demais. Aí você chuta essa merda e vai fazer outra coisa.
É mais ou menos como funciona. Tudo o que fica fácil demais fica chato. É bom vestir o velho arquétipo do moleque brigão e irascível de antes. Despertar ódio. Arranjar novos antagonistas. Enfim, eu nasci pro papel de vilão. Nada mais divertido do que caminhar entre os cães de guerra que rosnam e babam ameaçadoramente em sua direção, e rir da cara deles ao perceber que todas as ameaças são vazias, inúteis.

Que venham para o matadouro.
Enfileirados, por favor. Vamos manter a ordem.

Utopia Dilucular 2.0

28.5.03

No Céu,
Finalmente me encontro com Aquele que é Tudo de Bom.

Cheguei aqui procurando o que era Bom e evitando o que era Mau. Primeiro com a razão. Quando esta não bastou, usei a intuição, e por fim segui apenas o coração. E agora aqui estou, recompensado. Ele oferece-me um lugar para sentar ao Seu lado. Ele acomoda-Se lentamente em uma poltrona branca, eu em uma confortável cadeira acolchoada.

Sua barba é branca e quase luminosa. Seu manto é alvo com intrincados bordados em prata. Seu silêncio irradia calor e bondade. Seu sorriso é paz e tranqüilidade. Sinto vontade de deitar em Seu colo para adormecer e curar todas minhas mágoas da vida terrena. Mas não tenho nem sinto mais sono ou dores. E estaria possivelmente rompendo inúmeros protocolos celestiais se deitasse em Seu colo. Decido, pois, permanecer sentado.

– Oh Altíssimo e Glorios... – tento dizer, mas sou interrompido.

Ele estende a mão espalmada e puxa de um alforje de camurça uma série de grossas fichas retangulares. Passeia com os dedos sobre suas bordas e me entrega uma com o número 1 estampado. "Não é mais necessário puxar o saco" está escrito em baixo-relevo com caracteres floreados. Ele me dá uma sutil piscadinha enquanto devolvo a ficha.

– Ah, compreendo, Senhor! Mas sempre tive cá uma dúvida: Foi o Senhor mesmo que determinou o que é Bom e o que é Mau no mundo?

Ele sorri e me estende mais uma ficha. A número 17. "A Filosofia não se faz mais necessária." Perguntas como essas devem ser bastante freqüentes, imagino. Ele não aparenta estar enfastiado e sorri gentilmente quando Lhe retorno a ficha.

Faz sentido, penso eu. Ele é a última resposta. Ele é a Origem, a Ordem, o Princípio e o Fim. Todas as perguntas a esse respeito podem ser agora definitivamente revogadas. Assim, observando o grosso volume de fichas numeradas em Sua mão, tento afastar da mente essa categoria de questões. E como não quero passar por estúpido, acabo me calando.

Não sei por quanto tempo permanecemos mudos. O recinto está praticamente vazio. Não há livros, revistas, TV, baralho, charutos ou brandy. Meu plano de passar a Eternidade relendo Proust, Tolstoy, Keats, bebendo xerez e fumando cigarrilhas estava se esvaindo.

– Senhor, e a música? Imaginei que aqui ouviria muitos dos Grandes Compositores.

Ele folheia absortamente as fichas. Depois coloca-as de volta ao alforje de camurça e desta vez responde com Sua própria voz solene e tranqüila.

– Bach, apenas. – levanta gravemente o indicador – mas nada de cravo! E só no Natal.
– E Beethoven? – pergunto ainda tímido. Ele franze a testa por um breve instante.
– Lud? Nós não estamos nos falando, no momento.
– Brahms?
– Brahms não conseguiu chegar. Sinto muito. Wagner também não.
– Wagner também não?
– Meu caro, não se preocupe. Não há mais a necessidade de Grandes Compositores aqui no Céu. Aquilo que todos procuravam através da música já encontraram. Em vez de passeios errantes e inúteis pela escala cromática agora temos uma única nota somente. Esta foi mais uma busca que se encerrou.

Apuro os ouvidos. Desde que cheguei ao Céu senti essa vibração. Um som grave como de uma nota longa produzida por muitos instrumentos em uníssono. Si bemol, se não me engano. Ele Se reclina na poltrona enquanto rege com uma batuta imaginária o si bemol e sorri novamente. Suas bochechas rosadas brotam brilhantes para fora da barba. Ele começa a examinar Suas cutículas com ar compenetrado.

Penso. Há outros mais santos e mártires do que eu. Onde estarão? Por que estamos apenas nós sozinhos nesse recinto? É a Onipresença. Claro, claro. Ele está agora em outros recintos com outros merecedores, é certo.

Reparo em Suas bochechas rosadas. Curioso. Ele tem exatamente a mesma aparência que sempre imaginei. Será que Ele é sempre o mesmo ou é diferente para cada um dos que O alcançam? Será que um negro O vê como um velho negro? Alguns poderiam vê-Lo como uma mulher? Uma velha? Uma velha negra? E se ele não fosse Ele? Poderia ele ser o Outro? No momento que penso nisso o velho pára de cortar as cutículas com o alicatezinho dourado. Ele olha fixamente para mim e arreganha mais um sorriso – me congelando a espinha – que vai se transformando numa enorme, longa e rouca gargalhada. Em si bemol.

Ora Bolas

Não tem água nem Ades. Nem coca light. E a lata de salsichas viena em conserva (aquela que a gente abre a lata e come crua com garfo) desapareceu! Tão pouco há cigarros. Serotonina? Só daqui a uma semana. Tentar suicídio? Que diferença vai fazer?

E o armário continua se negando a ir sozinho ao supermercado.

Não vai ter jeito, vou ser obrigado a sair com esse pocket-dog de 15cm que tá pulando no meu pé, querendo ir pra rua.

Corram agora até a padaria daqui da esquina e vocês poderão a patética cena de um homem de 1,80m e 0,1ton levando um cão de 100g na coleira.

Leve-me, senhor!

surra

Me lembro como se estivesse lá. A casa verde de portas e janelas azuis, as samambaias na janela, as bicicletas presas nas pilastras da porta da frente. Por dentro as mesmas paredes verdes, os moveis velhos, o chão de cimento batido e os quartos com cortinas no lugar das portas. O corredor cheio de mini-escadas por onde tantas vezes corri, o quarto de bagulhos, o outro em que eu dormia, a sala de estar onde rolavam os almoços e a cozinha. A cozinha era um dos meus locais preferidos. No entardecer a minha madrinha esquentava água e colocava numa daquelas bacias redondas e me dava banho e obviamente eu molhava tudo. Depois ela me enchia de alfazema e preparava o meu leitinho. Me sentia uma princesa. Na sala de estar havia uma porta que dava pro quarto da minha avó paterna. Ela adorava bonecas e sempre que eu ia pra lá levava uma de presente. A ultima que levei tinha até carrinho. Na cozinha havia a porta que dava para o quintal. Foi nesse quintal que conheci Edgard (meu amigo imaginário), aprendi a apreciar as paisagens verdes, ensaiei meu primeiro beijo, fui muito feliz. Me lembro do cheiro de cada coisa, me lembro da voz calma da minha avó, da devoção de minha madrinha, das carreiras que eu dava nas coitadas das galinhas, das ferias no interior. Me lembro e sorriu de saudades.

Palavras achadas por uma Garota Perdida

26.5.03

Ana Cristina Cesar é uma das minhas poetas favoritas. Leio A.C. desde os 15 anos, idade talvez tenra demais para compreender sua poesia. Mas compreender continua sendo a questão, 15 anos depois de meu amigo Andrei chegar com "A Teus Pés" na Escola Técnica Federal de Pelotas. Isso foi em 1988, fazia apenas cinco anos que ela tinha se suicidado. Era uma experiência aterradora ler esses poemas da jovem poeta morta. Eles tinham um efeito quase místico sobre mim, que comecei a escrever coisas como

valsa

duas lentes de contato
boiam no hydrocare
ao som de água correndo na pia

e (pior) achava isso o máximo. Escrevia e tinha vontade de sair correndo, só de loucura. Pela primeira vez a literatura me deixou física e psicologicamente descontrol. E foi aí que mudou a minha temática. Em vez de escrever sobre qualquer dor de corno que estivesse sofrendo -- e, naquela época, as dores e os cornos eram múltiplos -- eu anotava os discretos movimentos das lentes de contato imersas em soluções limpadoras. Que virada!

(segue...)

ouça confissões inconfessáveis e Tome uma Xícara de Chá

Ao mais velhos:

Vocês não sabem tudo. Viveram mais, têm filhos, problemas, doenças e rancores, mas não sabem mais. Me viram nascer, riram dos meus erros, muletas e sustos, mas não sabem mais. Não sabem qual o meu filme predileto, qual a minha música predileta, comida predileta, nem que eu não tenho nada predileto.

Não sabem o final das minhas frases nem as consequências morais dos meus atos. Aquele telefonema que talvez fosse de um amigo ou de um fone erótico, do necrotério ou engano encobre muito mais do que pensam. O trocadilho, o riso falso, forçado até, denota a cultura do livro que eu li e escrevi e vocês não. Vocês têm a noção do seu espaço, do crepitar dos seus ossos, o ideal de um ideal frustrado, desilusão e alegria quantitativamente maiores, mas e a intensidade?

E, acima de tudo, por mais espelhos que tenham em casa ou câmeras que lhes filmem as rugas, não sabem a cara que fazem enquanto acham que sabem de tudo, vista pelos meus olhos castanhos; e eu rindo não sabendo nada.

Aos mais jovens:

Eu não sei de tudo. Eu não sei as novas gírias, o novo sucesso, a nova moda, o novo brinquedo. Eu não entendo frases soltas e, se não rio das suas piadas, é ora porque já as ouvi milhares de vezes, ora porque não as entendi. Não sou obrigado a achar que toda essa empolgação é original; tenho o direito de acreditar que suas novas verdades me são velhas mentiras e exigir uma explicação formal. Não me comunico bem por gestos, monossílabos ou cropolalia.

Acho muitos dos seus valores supérfluos por que os meus assim os são. Se comento algo que vocês acham interessante ou original não é por conhecimento concreto da vida, mas porque já li ou ouvi o que vocês ainda não tinham ouvido e alguém precisava ser o prmeiro a lhes passar adiante. Tenho tantos pecados e aspirações quantos vocês, e se vocês veêm pela frente um mundo grande demais e um coração pequeno demais, talvez tenham de ler e ouvir um pouco mais.

E, acima de tudo, aproveitem a felicidade que lhes inundam o corpo entre o café da manhã e o desejo de morte ao fim da tarde, pois quando ficarem velhos vão achar que sabem de tudo ao fitarem olhos castanhos e sorrisos ignorantes; mas aí já vai ser tarde.

conselho bom e de graça no Zazoeira

"Fique sempre ao lado, porque se alguém se posicionar atrás ou na frente, vai pegar a sombra de um ou de outro. O melhor é andar ao lado das pessoas..." Isso eu escrevi por esses dias e tava pensando a respeito ontem. Tá tudo errado o q eu falei. Só faz sentido isso se a luz vier de fora e for uma só, mas a luz é interna e individual. Assim sendo, se ficar frente a frente são duas luzes q se juntam e se tornam mais intensas enquanto as sombras permanecem iguais.

enunciado teórico de ótica em Devaneios Insones

O que a literatura não é: séria

O que escritores não querem dizer, sobretudo os mais pomposos, é que o que fazem é uma variante de moleques brincando com bonequinhos, fazendo o som do soco, pshhhhh; as histórias podem ter ficado mais complexas e menos físicas, os bonequinhos passaram a existir só mentalmente, pode ser que não haja soco, mas é isso. Ana Karênina era um bonequinho que se atirou debaixo de um trem, piuiiiii, tchrammm...., fez Tolstoi na sua escrivaninha, só que de modo mais sutil; e é isso, escritores vestem ternos e enchem o peito e falam em simpósios, e se metem a falar de política, mas basicamente são brincadores de bonequinhos internacionais, que brincam tão bem que foram arrastados de seus quartos em Trinidad Tobago ou de Mensk ou de Tatuí, e se tornaram conhecidos; mas por mais fátuos e pomposos que sejam, por mais que falem da identidade européia ou da narrativa metalingüística, ainda têm os bolsos cheios de bonequinhos. Durante os simpósios intermináveis, em que homens solenes se caceteiam em tcheco, os melhores metem as mãos nos bolsos para sentir que os bonequinhos ainda estão ali, e dizem olá.

Alexandre Soares Silva

Videotexto (Post XIII)

A Loba

(...)

A Loba era completamente viciada em videotexto, me contou que chegava a passar dez horas por dia no micro e que a maior parte dos amigos que ela tinha eram frutos do sistema de bate-papo. A Grazielly (Loba) era uma garota engraçada, falava pelos cotovelos e era uma dessas raras figuras que não tem medo de gente. Não fazia tipo, não era mascarada e não ficava cheia de dedos com as pessoas. Era simpática, verdadeira e real.

(...)

Daquela festa guardei duas fortes lembranças: a da Grazi tomando tequila e me perguntando que lugar era aquele que brotava homem bonito e a outra de nós duas sentadas na mureta do Tombaqui fumando cigarro de canela só para fazer tipo. Entre uma bobagem e outra, conversamos sobre a importância de sonhar, planejar o futuro...

- Fodam-se os sonhos. Meu futuro é daqui a uma fração de segundos, não posso perder tempo sonhando.
- Você está bêbada.
- Repito isto a hora que você quiser.
- Pois eu quero muitas coisas da vida. Não quero deixar de sonhar nunca e quero todo o tempo do mundo para trabalhar nos meus projetos. Quero ser uma grande jornalista, a melhor jornalista! Quero me apaixonar por todos estes garotos lindos que você me apresentou hoje e depois de ter beijado na boca até pegar sapinho, quero casar, ter filhos e continuar sendo a melhor jornalista. A melhor jornalista com montes de filhos!
- A melhor jornalista da revista Pais e Filhos!
- Não, não engraçadinha... não quero mídia impressa, quero trabalhar na TV.
- Show da Xuxa?
- Porra, não me sacaneia. Você tira um sarro, mas aposto que você faz planos para sua vida. Você trabalha feito uma louca.
- Na Teletel? Claro! Chove dinheiro naquela droga de empresa. Mas, não sei não... Tem alguma coisa estranha naquele lugar.
- Como assim?
- Ainda não sei. Lá todos me passam a impressão de que vivem morrendo de medo.
- Medo de quê?
- Eu não sei. Pode ser só encucação, mas é estranho.
- Está pensando em mudar de emprego?
- Não sei... Quem sabe eu não compro este lugar pra mim? - Disse sorrindo e abrindo os braços para rua com o intuito de mudar o rumo da conversa.
- O Tombaqui? Ótimo! Se isto acontecer eu quero ser sua amiga pra sempre. Não, pra sempre não. Pra sempre é muito tempo. Só até te internarem no A.A.

Naquela noite, eu nunca poderia imaginar que eu estava certa: o futuro estava realmente muito próximo, tão próximo que deve ter rido e chorado com a nossa conversa. Riu das surpresas que estavam por vir, riu da nossa imaturidade e chorou pelos sonhos da Grazi.


Videotexto (Post XIV)

Procura-se

Minha amizade com a Grazi durou pouco. Em menos de dois meses minha vida mudou da água para o vinho. Muitos dos meus amigos acharam que eu tinha surtado; muitos me deram conselhos e acharam que sabiam o que era melhor pra mim, mas a Grazi foi a única que não perdeu tempo me dando sermões, ela simplesmente me mandou à merda e acabou com a nossa amizade.
O Tombaqui estava fechado e eu estava dormindo, ela tocou a campainha. Só consegui levantar depois do quinto e insistente toque, abri a porta fugindo da luz do sol e vi o dedo da Grazielly se aproximando do meu nariz delicadamente. Não, ela não era tão brava. Mas ficou quando percebeu que as minhas decisões não seriam passageiras.
- Olha aqui, eu sei que eu não tenho nada a ver com a sua vida, que acabei de te conhecer, que você não quer mais voltar pra casa dos seus pais e que está toda apaixonada pelo Robin mas, Ale, olha a sua idade! Olha onde você está morando, olha a vida que você está levando, olha pra você! E não adianta fazer essa cara porque eu já sei o que você pensa sobre tudo isso, sei as suas razões e sei que você vai levar esta história até o fim porque você é orgulhosa demais pra voltar atrás quando faz uma merda. Eu só vim aqui porque eu não agüentava mais guardar isto tudo dentro de mim. Vim pra dizer que eu preferia não ter te conhecido porque você, em um ou dois meses, foi uma das melhores amigas que eu tive e é muito ruim ver que você está cega, completamente cega...
- Eu tô feliz, Grazi.
Ela pegou a bolsa que havia deixado em cima de uma das mesinhas, virou as costas e foi embora sem dizer até logo. No dia seguinte à noite ela estava de volta. Pediu uma coca-cola, cumprimentou quem estava na cozinha, olhamos uma para outra e...
- Melhorou?
Rimos da sincronicidade das perguntas e nunca mais tocamos no assunto. Mesmo assim a amizade esfriou, não foi possível salvá-la. Não que ela tenha acabado, mas novas amizades precisam de um pouquinho mais de tempo, de dedicação... Infelizmente eu demorei muito para perceber que a bronca da Grazi não era com a minha nova vida, mas com a minha falta de disponibilidade.
O bar permitia que nos víssemos sempre, mas eu estava sempre distante. Com o passar dos anos, o máximo que sabíamos uma sobre a outra eram assuntos superficiais, notícias vinda de amigos em comum e nada mais do que isto.
No primeiro dia do ano de 1998, abri o jornal enquanto tomava o café da manhã e vi uma foto da Grazi. Li com a incredulidade dos que crêem que os amigos são para sempre; li a última notícia sobre a vida da primeira amiga que videotexto me deu.
A encontraram morta em um depósito de bebidas. Cinco tiros nas costas dados pelo ex-namorado. Levei um tempo para assimilar a informação. Era estranho imaginar a inexistência da Grazi e não era somente pelo fato da morte física, era como se os sonhos dela estivessem esparramados pelo chão e não tivesse ninguém para recolhê-los. A matéria do jornal dizia que ela trabalhava como jornalista na Bandeirantes. Ela estava no caminho que havia escolhido...
Ela o conheceu na academia, namoraram um tempo, ela queria terminar, ele não, ela insistiu, ele implorava, ela terminou, mas aceitou um convite de despedida na véspera do Natal de 1997.
O Serafim, o paquera que ela sempre desconversava nas raras vezes que nos falávamos, está foragido até hoje. Há alguns anos reconstituíram o crime no programa Linha Direta, mas sem sucesso. Os pais dela lutam até hoje para que o encontrem e eu não poderia contar a história do videotexto sem contar da L O B A e sem pensar que, se ela estivesse viva, ela teria certamente um blog, um belo curriculum e os filhos que ela tanto queria.

---------->> Continua

AMARULA COM SUCRILHOS

Vinho tinto espesso e taninoso, um tanto de chocolate, um tanto de madeira, mas a língua sempre espera o gosto de outra língua que procura uma brecha entre meus lábios ainda úmidos e dentes levemente tingidos de púrpura. Um beijo que se insinua em lábios que esboçam um sorriso perverso que titubeia entre divertimento e ameaça, entre o carinho e o pecado. Os lábios roçam os meus enquanto sou farejada e o cheiro da pele incensa minhas narinas, carregado com o álcool perfumado. Dos cantos da boca, abaixo da junção da mandíbula, agulhas invadem a pele, e a água se espalha densa sob a língua - salivo como um animal à espera da primeira bocada. Nessas horas me encontro com o predador que sobrou em mim e que ao sentir o cheiro de sangue, pressente a presa ferida, pupilas dilatam, narinas se alargam e uma saliva grossa invade a boca. Não há presa, só o cheiro de sangue, no corpo de um vinho tinto.

já que não vem à montanha, Não Discuto

25.5.03

Eu estava no meio de um x-salada, tomando uma vitamina mista, com o olhar perdido pra fora do boteco [Lanchonete Soraia, na esquina da Biblioteca], quando senti um calorzinho molhado. E te juro, meu sexto sentido me disse que era menstruação. Mas sei lá, nos últimos 11 dias, eu tinha sentido isso várias vezes, corria no banheiro e nada. Preferi não pensar. Preferi não me precipitar. Preferi comer aquele x-salada cheio de pimenta, e tomar aquela vitamina mista cheia de açúcar como se fosse o primeiro e último de toda a minha vida.

Foram dias de aflição, e eu não pensava mais na vida em dias. Em pares de dias. Em semanas, em anos, em pares de anos. Eu só pensava na próxima hora, nos próximos instantes em que, uma hora ou outra, eu iria ficar menstruada. Dizem que quando uma mulher fica grávida, ela sempre sabe o sexo do neném antes mesmo dele nascer. E que quando uma mulher está grávida, ela também sempre sabe, mesmo que use de todos os cuidados para não engravidar, seu sexto sentido lhe indica algo. Tem uma moça de seus 35 anos que trabalha comigo, que diz o seguinte: a intuição é a voz da alma, e agora mais do que nunca, eu sei o que isso significa. Sempre fui muito de dar ouvidos ao meu coração, que foi insensato na maioria das vezes, e muito cruel também. Mas sei lá, o que seria de mim se não tivesse dado a cara à tapa tantas vezes, se não tivesse sentido na carne desespero, solidão, medo, e amor, amor pra caralho?

Eu nunca fui uma pessoa de ficar parada olhando os outros vivendo, e me enchendo de nóias. Eu sempre fiz o que me deu na telha, sempre briguei por aquilo que eu queria, sempre chutei portas. Mas foda-se. Eu sofri, e mesmo assim, eu sempre tento dar um jeito de ser feliz. Eu sempre fui, e quem quisesse que viesse atrás. Só que ontem, quando eu cheguei no trabalho, depois daquele x-salada, e daquela vitamina mista, onde eu não sabia mais se queria que o tempo passasse rápido, ou se arrastasse pelas horas, e vi que tinha um líquido vermelho na minha calcinha, foi aí que eu tive o baque.

Eu ainda sou uma criança. E talvez o seja para sempre.
Presa numa mente que nunca vai ser velha, que nunca vai criar juízo, e que nem o pretende.

Foi apenas nesse momento que me veio uma chuva de imagens na cabeça, meus pais, foi neles que eu pensei primeiro, o que diriam, o que fariam? E não havia mais perspectiva, não havia mais sonhos, não havia mais Dani escrevendo um dia um livro, não havia mais Dani um dia deixando de ser preguiçosa, e entrando numa faculdade de letras, e não havia mais quarto bagunçado, não havia mais bagunça, não havia mais vinho, nem cerveja, nem madrugadas de rock, não havia mais porra nenhuma, e aí eu tive uma visão do inferno. Uma pessoa totalmente despreparada, socando uma mamadeira na boca de uma criança não desejada, um bebê indefeso, portador da infelicidade de duas famílias, e sabe-se lá, quantas pessoas. Muita responsabilidade para alguém tão pequeno, tão ingênuo, tão indefeso e tão...indesejado.

E como seria a vida desse ser, tão indesejado, ele saberia que era fruto de noites maravilhosas, onde apenas carinho e tesão eram pra existir, e não uma vida fecundando disso? E eu me senti muito mal por não poder controlar meu corpo, e me culpei por não usar um outro método além do látex. Que falha. Falha, e falha bonito. Mas meu sexto sentido dizia algo. Gritava algo, e quase me deixava surda. Mas meu raciocínio, minhas contas, e o período fértil não me deixavam raciocinar direito.

Até que enfim, no meio do x-salada, o sangue da redenção.
Já posso voltar a pensar na vida em dias. Em pares de dias. Em semanas, em anos, em pares de anos. Porque ao meu ver, "família" é uma instituição que se faz com quem se tem certeza, quando se está preparado para tal, e quando se deseja muito. E pra mim, eu acabo de chegar aos 18 anos, mesmo que a identidade prove 22. Ter um filho agora, seria abortar a minha vida.

Enjoy the life. Confie na intuição.
E use mais de um método anticoncepcional.
Não isso não é pra você. É pra mim mesma.

Don´t Forget The Alcohol and condoms too

A Entrevista do Ano!!!

Depois de seis meses de muita negociação, consegui uma entrevista exclusiva com Daniell, ex-membro *ui* da banda de heavy metal Catarrão Melequento. Encontrei com ele em sua ampla e magnífica casa de 2 quartos e 5 puxadinhos em Guadalupe, suburbio do Rio de Janeiro. Para ceder esta entrevista ele fez questão de aparecer sem mostrar o rosto, usando uma máscara do Zé Colméia. Além disso tive que me limitar a fazer poucas perguntas. Eis a entrevista na íntegra:

Holly Golightly: Você ameaçou a tacar uma geladeira pela janela do Hotel que você ficou hospedado em Berlim. Por que você fez isso?

Daniell: Porque a cama era grande demais pra eu jogar pela janela. Então, ameacei jogar a geladeira. Quando vi que não iria agüentar levantar a geladeira, eu joguei o sabonete grátis. Infelizmente, o quarto era no térreo e o sabonete chegou ao chão intacto.

H.G.: Soube que a Globo andou te sondando pra participar da próxima novela das oito....

Daniell: É verdade. Eu ia fazer papel de um paranormal viciado alienígena lésbica na próxima novela da Glória Perez. Ia ser um papel pra chocar a sociedade, um negócio com ênfase no social. Até fui melhor que o Cigano Ígor nos testes, mas depois descobriram que eu tinha colado e o papel ficou para a Flor.

H.G.: Fale sobre como você superou o seu vício de comer cheetos bolinha com fanta uva.

Daniell: Eu estava pegando muito pesado, sabe? O pessoal da banda avisava que era um caminho sem volta e tal... me internei três vezes em clínicas de reabilitação... mas aí eu comecei a usar as exclusivas canetas Penalli Pen e minha vida mudou! A Penalli Pen escreve de cabeça para baixo, escreve na água e ainda fura latas de Molho de Tomate Cica! E eu ainda recebi inteiramente grátis a Penalli Lapiseira, o Penalli Apontador e o Penalli Carro!

H.G.: Porque a galinha atravessou a rua?

Daniell: Se a galinha atravessou a rua, ela atravessou porque quis e eu não vou comentar nada sobre isso. Não respondo nada sobre a minha vida pessoal. Estou aqui apenas para divulgar o meu trabalho.

H.G.: A modelo Renata Alexandra apareceu no programa do Ratinho dizendo estar grávida de um filho seu...

Daniell: Mentira dela! O filho, na verdade, é do Mick Jagger.

H.G.: Um ex-empregado de sua mansão, afirmou que você dorme junto de vários avestruzes. É verdade?

Daniell: Não é verdade. Não são avestruzes. São emas! Eu durmo junto com várias emas. Mas não é nada disso que você está pensando. É uma relação de amizade e carinho, sem maldade. Eu levo leite e biscoitos pra elas, deixo elas dormindo na minha cama e durmo em um saco de dormir, no chão do quarto.

H.G.: Pra finalizar, qual é o sentido da vida?

Daniell: Depende. Pra quem tá indo ou voltando? Posso deixar o telefone para contato?

Visite nossa Podronière

To: catarroverde13@yahoo.com.br
Subject: Geeente, SABONETE, porra!

Oi, Sergio.

Faz um tempo que não leio o Catarro Verde, então vou pegar o bonde andando na questão que parece assolar meio mundo, o tal do sabonetinho.

Quando eu era adolescente, já na idade da iniciação na sacanagem, mas ainda virgem, tinha um vizinho que era a minha paixão. Ele era louco por mim, e a gente estava naquele grau de "calentura" que parecia que quando a coisa rolasse um maremoto direto de Santos alagaria a Lapa. Enfim, eu era virgem, e fiz o que pude para manter as perninhas bem fechadas (ééé, nem tanto...). O fato é que chegou um momento que a gente já não podia nem se ver a distância.

Eu era bem pouco experimentada nas questões da carne, e pela primeira vez sentia um tesão daquele. Nós nos encontrávamos na casa de máquinas do elevador, um quarto escuro no alto do edifício. Uma noite, naqueles amassos de derreter parede, o rapaz era puro desespero e me sugeriu: "tá, você é virgem e quer continuar assim... e se a gente pelo menos fizesse um sabonete?".

Eu não tinha a menor idéia do que se tratava essa nova modalidade - "Provai de tudo, retende o Bem", está na bíblia -, então, ok, here we go!

O lance se dá da seguinte forma: o homem coloca o pau no meio das pernas da mulher, que devem estar bem fechadas, cruzadas mesmo. E começa o vai e vem...

(Anos depois, no Nordeste, descobri o porquê do nome: quando o cara goza, com toda aquela fricção, o esperma na coxa da mulher acaba ficando com aquele aspecto de
"espuminha", hahaha. Parece que no norte do país o sabonetinho é um clássico, todo mundo sabe do que se trata.)

Espero ter aclarado um pouco a dúvida. Ah, e dez anos depois da casa do elevador, te digo: de Santo Graal essa parada não tem nada!

Nada mesmo.

Às vezes, na cama, eu me pego relembrando este episódio. Tipo quando desliza, saca? Déjà fuck.

mistério revelado no LuxLuxo

23.5.03

Pérolas aos Porcos.

Depois de surrar o filho, o homem honesto, digno, inteligente, solidário e honrado disse:
Bato nele por não poder bater em você!
O filho ouviu. Ela não disse nada.
O filho morreu, e ele disse: culpa sua que deu a ele o boné que o bandido queria.
Ela também não disse nada.Enterrou o filho, acompanhou o exame exigido: nenhuma droga...só o boné.
O homem adoeceu, pediu ajuda e ela negou: estava sendo feliz longe dele!
O homem morreu, os filhos que restaram choram a sua morte e culpam a mulher que o abandonou.
Se hoje essa mulher se abre em conchas e ainda encontram pérolas...
Ajoelhem, e agradeçam como porcos.
E passem a acreditar em milagres!

Autora desconhecida

em um beco Sem saída

lembrete para momentos de crise fodida

pensar no tempo que caminhei por mais de duas horas em londres, com neve abaixo dos meus pés, escorregando feito louca. com neve caindo, morrendo de frio e de vontade de ir ao banheiro, na madruga de uma noite, tendo que trabalhar no dia seguinte já pela manhã. tudo o que eu pensava era em einstein: “tudo é relativo: uma hora de sexo pode parecer 5 minutos. e sentar sobre um formigueiro por 5 minutos pode parecer uma eternidade”. e em clarice: “o instante. ahhh o instante. em breve será outro instante. em breve estarei tomando chá quente na minha casa, devidamente aliviada. e já não saberei nem reconhecerei mais as dores que estou passando agora.”

detonado no boop it

Ladainha da resignação

Tudo é absolutamente frágil. Amor, amizade, emprego, família. Tudo é mantido em uma harmonia mínima graças à resignação. A resignação é um botãozinho difícil de ser encontrado no corpo humano. Porque fica nas costas, naquele lugar ínfimo entre as omoplatas que a gente tenta coçar, mas não consegue. A resignação é sábia. E é o que torna possível, em determinado momento, conciliar o amor, a amizade, a família e o emprego.

O problema todo é que, durante o sono, a gente pode, sem querer, resvalar no botãozinho da resignação, desligando-o. A gente nem se dá conta. Vai dormir, sonha com pássaros e gira-sóis cor-de-rosa em chifres de unicórnios alados e quando acorda, já à primeira fala com a mulher amada, com o amigo querido, com o chefe ou com o irmão, descobre que algo não está certo. O oi da namorada o atinge de uma maneira incômoda; o bom-dia do amigo soa como uma maldição; a ordem do chefe torna-se pesada e impossível; e o pedido de desculpas do irmão surge como um insulto. Viver torna-se muito mais difícil.

Não comigo. Durante os últimos treze anos vivi com o botãozinho da resignação desligado. Na verdade, eu nem sabia o que era resignação. Foi há pouco tempo que olhei no Dicionário Ilustrado do Dr. Drus e descobri o significado da dita e a sua localização exata no corpo humano. Há uns seis meses, creio. Antes disso, eu era extremamente vulnerável à palavra alheia, seja ela da namorada, do amigo, do chefe ou do irmão. Posso dizer que a descoberta da resignação foi um milagre.

Como também foi um milagre eu ter vivido tanto tempo dando demasiada importância às coisas pequenas da vida, ditas e vividas por aqueles que me cercam. Não foi, porém, um milagre colorido de filme que passa na Sexta-feira Santa. Pelo contrário, foi um milagre em preto-e-branco, de carnes pendentes e com um cheiro incrível de atum — que eu odeio. Tanto é assim que nos últimos treze anos eu quis muito morrer. Afinal, pobre de mim, não podia ouvir um eu-te-amo, um eu-o-admiro, um você-é-um-gênio ou um vem-cá-me-dá-um-abraço sem achar que estava escutando eu-te-desprezo, você-é-a-pior-pessoa-do-mundo, seu-idiota, calhorda.

Os pensamentos a respeito da morte, contudo, não eram levados a cabo. Nunca o foram. Eu até digo para as pessoas que um dia tentei me matar, mas é um exagero. Afinal de contas, ficar catatônico por algumas horas, pensando que não vale a pena comer o pudim de leite na geladeira não é exatamente uma tentativa de suicídio. É mais força de vontade de alguém que, em determinado momento, olhou para baixo e achou que por causa da barriga protuberante seria incapaz de apertar o botãozinho da resignação.

Para se entender como é absolutamente indispensável que se saiba tocar nesta parte desprezada do corpo que possibilita a convivência em sociedade, basta dizer que eu acordava pela manhã, olhava o sol e pensava: “Bom dia para morrer”. Não era um pensamento rancoroso, veja bem. Nem motivo havia, na verdade. Era só um desejo motivado pela incapacidade de se resignar. Aí eu tomava um banho e pensava que o cano do chuveiro bem que poderia agüentar o peso de uma corda e o meu pescoço. Sentava no box e com a bunda tapava o ralo para ver o banheiro inundar e me afogar. Saía do banho incólume e ia trabalhar, sem olhar para os semáforos. Preferia olhar para o céu, em busca de um meteorito que atingisse em cheio minha cabeça. Em chegando ao trabalho, ileso, começava a fuçar nos fios do computador, na esperança de um choque. Ficava mirando a porta o tempo todo, na expectativa de que entrasse um colega louco armado de uma metralhadora, como no noticiário da noite anterior. No almoço, agradecia aos céus pela comida que eu queria estragada e letal. Ia para casa, sem olhar os semáforos, e passava em frente a uma loja de armas. Cogitava entrar, mas não entrava, e no resto do trajeto, sem olhar os semáforos, eu pensava na sensação de ter uma bala perfurando o crânio. O que pensa o suicida no átimo que antecede a morte? Ou melhor, o que pensa ele no último resquício de vida? Eram respostas que eu queria ter, porque meu botãozinho da resignação estava desligado. Chegando em casa, ia para a varanda do décimo quinto andar, olhar a queda que eu não tinha coragem de cair. Invariavelmente cansado, dormia e imaginava que um louco de filme americano bem que poderia surgir no quarto com um machado e decepar minha cabeça.

E foi assim por longos treze anos. Só Deus sabe quantas mortes eu morri, não morrendo.

Eis que um dia, por acidente, meu botãozinho foi acionado. E a resignação passou a fazer parte do meu dia-a-dia. As palavras não tinham mais peso e mesmo aquelas que eram de fato proferidas com peso a mim chegavam como plumas. Eu respondi ao abandono da namorada com um corte de cabelo e um cento de cartões profissionais encomendados na gráfica da esquina; ao desprezo do amigo respondi com um bombom de chocolate e dois banhos no meio da tarde; às broncas e ameaças do chefe respondi com uma piada sobre portugueses e uma receita de miojo frito; e ao insulto sem sentido do irmão respondi com ciranda-cirandinha e um ovo de papagaio. Nada para mim fazia sentido neste mundo de palavras inexatas.

E quando digo nada quero dizer isso: nada. Desde então. Era para eu ter tido uma recaída, claro. E para meu botãozinho da resignação ser desligado de vez em quando. Era para voltar a pensar na morte rápida e auto-infringida. Nada disso aconteceu, porém. E a explicação é muito simples: durante treze anos eu morri mortes dispensáveis, por motivos absolutamente tolos. Estou em crédito com o Divino, pois.

E em sofrendo agruras cotidianas hoje (a namorada, o amigo, o chefe e o irmão) me dei conta disso: a resignação é que salva a minha vida. E que torna possível o sorriso permanente que estampo no rosto dia após dia. E que torna fácil o sono de todas as noites. E que permite que o arroz-com-feijão desça sem problemas estômago abaixo. Sou, pois, um Sábio.

Ser Sábio, claro, tem suas desvantagens. Ou melhor, saber-se Sábio é que as tem. Porque Deus não permite que homens sábios andem pela terra, disputando a sapiência com Ele, o Grande Resignado. Logo, em pouco tempo os sonhos de morte do passado haverão de se tornar realidade, pelas mãos dEle. Por isso, olho para os semáforos duas ou três vezes antes de atravessar a rua, na faixa, claro; ando protegido por uma grossa placa de chumbo contra meteoritos assassinos; tranco o quarto com cinco voltas na fechadura para impedir que um maluco me decepe a cabeça; e trabalho com colete à prova de balas, porque temo os colegas não-resignados e não-sábios. Deus, contudo, me espreita.

continua em O Polzonoff

três.

dia desses conversando com um amigo cheguei a conclusão do número ideal de cervejas de um sábado. na hora falei duas--com medo de ser taxado de alcólatra. mais tarde, sozinho, adicionei mais uma. isso. três cervejas long necks. três é o número. a conversa flui. se vc comer uma porção farta de qualquer fritura ainda dá pra pegar no volante. com três cervejas vc não perde tempo indo ao banheiro. vai uma só vez entre a segunda e a terceira. três cervejas vc não fala besteira. três cervejas é mais seguro: vc não se transforma no cara mais forte do bar. nem no tom cruise--o que economiza uns micos. é vc alí. mais alegre. mas é vc. três também não quebra o orçamento--não dá ressaca. só tem um problema com esse número. depois da terceira cerveja, vc vai jurar de pés juntos que o título desse textinho era "quatro" e não três. vai por mim, é três. (long necks--não tulipas.) (e sábado--não segunda.)


idéias que podem fazer uma fortuna ou não. 1

um bar com o nome "chopp bem gelado". não existe segundas interpretações. "o chopp? bem, o chopp de lá é bem gelado!"
futebol sem goleiro. jogos mais emocionantes. flamengo, trinta e oito. vasco, nove.
salsicha com catchup injetado.
estação de rádio que só toca barulho de alarme.
jornal que não voa na praia.
caneta bic que acaba.
post-it que não desgruda.
celular comestível.
moeda de papel.
banner de internet de papel.
livros de 1 página.
bolhas de sabão dove.
lembrador de senhas.
carpete descartável.
celular que desliga automáticamente ao entrar no cinema.
queijo suíço sem furos.
cinema com sofás.
caderno escolar com gosto de comida de cachorro.
canal 24 horas dedicado a relógios.
tijolos feitos de lego.
nescau com gosto de toddy.
marcador de livros com historinhas com começo meio e fim.
suco de queijo.
requeijinho. requeijão do tamanho certo de um sanduíche.
0400. mais caro que o 0300. só que vc fala com alguém de verdade.
ovo com duas gemas.
alarme com dolby stereo surround system.
shampoo de chocolate.
papel higiênico feito com matérias da veja.
gato sem unha
cachorro que não caga.
e outras que eu não divido com ninguém.

é do caráio!

22.5.03

Velho, pior e sempre igual.

"Novo, melhor e diferente. Estas são as três obsessões que norteiam as pesquisas de cosméticos, perfumes e produtos para cabelo."
Esta frase foi extraída da edição 1784 da Revista Veja. Guardem bem as três palavras mágicas: novo, melhor e diferente. Guardaram? Pois muito bem. Logo depois de ler esta frase fui até o portão de casa e decidi entrevistar as donas que transitavam pela rua.
- Oi, por favor. Você me responderia uma pergunta? É para o Clube da Lulu.
- Clube da Lulu, claro! Adoro os textos da Bianca.
- Ah, obrigada. Ela ficará feliz quando souber. Fofa, você é casada?
- Sou, graças a Deus!
- Maravilha. Então me diga: se você pudesse mudar algumas coisas no maridão o que seria?
- Ai, mudar? Deixa-me ver... hum. Acho que eu melhoraria o rostinho dele. Sabe como é, né? A concorrência tá brava. Na dúvida casei com um feiosinho, meio derrubado.
- Gostaria que ele tivesse uma aparência melhor?
- É, pode ser.
- Pode ser ou é?
- É... Um pouco mais novo seria legal.
- Novo?
- É pouca coisa. Só pra dar um ar diferente.
- Diferente?
- É.
- Ok. Muito obrigada. Pedirei para a Rita entrar em contato para lhe passar algumas dicas do Super MarRom.
A segunda passante era uma quarentona.
- Oi, você me daria um minuto da sua atenção?
- Testemunha de Jeová?
- Não, não. Eu sou gorda e mantenho o cabelão de propósito.
- Ah, bom.
- Então, me diga: se você pudesse mudar alguma coisa na sua casa o que seria?
- Se eu pudesse fazer alguma coisa por ela eu a demoliria.
- Menina, que coisa! Por que?
- Porque ela está mais pra lá do que pra cá! Construiria outra. Uma casa nova, com instalações melhores e uma mobília diferente.
- Certo, obrigada pela participação. Talvez a Daniela, nossa decoradora, possa ajudá-la com umas dicas.
A terceira colaboradora estava com pressa.
- Oi, posso entrevistá-la?
- Seja breve.
- O que você mudaria na sua vida profissional?
- Meu salário. Mereço um salário melhor. Mataria todas aquelas cobras invejosas, mentirosas e oportunistas do terceiro andar e contrataria novos funcionários. Mudaria de cargo. Escolheria um diferente e que me oferecesse novos desafios.
- Obrigada. Sua resposta foi de grande valia. Pedirei para a Paula comunicá-la sobre as novidades no quadro de funcionários do Mc Donalds. Ela pode indicá-la, quem sabe?
A quarta senhora arrastava um carrinho de feira.
- Olá, será que a senhora poderia me responder algumas perguntas?
- Por que?
- Porque sim.
- Tudo bem, então.
- Digamos que a senhora tivesse o poder de mudar algo que lhe chateia muito. O que a senhora mudaria?
- Eu mudaria a infeliz da minha empregada.
- Mudaria de empregada?
- Não, de jeito nenhum. E eu implicaria com quem? Além do mais ela é feia o suficiente pra eu a deixar em casa sem me preocupar com meu marido. Mas eu a transformaria em uma empregada mais nova, disposta, com hábitos diferentes, que fizesse melhor o serviço.
- E, se possível, aumentaria o período de experiência?
- Sem dúvida!
- Muito obrigada. A Ana tem umas "colega" que talvez possam dar aulas de aperfeiçoamento para a pobre. Vou comunicá-la.
A quinta moça, que poderia facilmente ser uma modelo-manequim-da-vida, passeava com o cão.
- Oi, querida. Será que você pode responder minha pesquisa?
- Claro! Sobre o quê?
- Sobre satisfação pessoal. Me diz: se você pudesse mudar algo na sua vida, o que seria?
- Eu compraria um carro novo, arranjaria um namorado diferente do atual e daria uma melhorada no meu corpo e cabelos, se possível com cirurgia plástica e apliques.
Menina, você não tem onde mexer! Olha, antes que você faça bobagem: este é o telefone do nosso ombudsman. Pede pra ele te passar atestado de qualidade, ok?
No fim do dia, cansada, cheguei à conclusão de que mulheres são e serão eternas insatisfeitas. A repetição das palavras "novo, melhor e diferente" só me mostraram o quão entediadas nós somos. Não tem nada a ver com exigência; tem a ver com insatisfação. Uma insatisfação eterna que faz da mulher um bicho essencialmente triste e preocupado com superficialidades.

Alê Félix no Clube da Lulu

Não sei se você já reparou, mas mais de 80% da arte presente no mundo tem como mote o amor.
Não sei se percebeu, também, que desses, quase 101% são asneiras de estupidez incontestável, desperdícios incríveis de papel, tinta, sílica e, principalmente, tempo.

O que leva a humanidade a escrever livros, poemas e canções sobre o amor desde que se sabe da existência das letras?

A falta de assunto, penso eu.

jabá 2 de La Mancha

Réquiem Para Um Anjo

Caiu, erguendo uma nuvem de pó, um anjo de asas brancas como só em filme se vê - e filme B. Assustado, saiu do buraco que ele mesmo fez quando despencou lá do céu. Não sabia, e quiçá nunca saberá, que pecado mortal cometeu para sentir o ódio de Deus. Andou (sem poder voar, andar era o que lhe restava) e chegou até uma lanchonete. Sentiu um cheiro bom e entrou, deixando a gorda garçonete de olhos bem grudados no seu membro balançante e angelical, que veste nenhuma cobria, posto que só nudez ele vestia. E neste momento uma dúvida milenar se viu elucidada: os anjos são homens - ou pelo menos este é.

A gorda garçonete, com seu olhar guloso, traz um sanduíche de mortadela para o anjo, e este prova com curiosidade a comida dos mortais. O cozinheiro, ao ver o violento atentado à moral que o seu cérebro de pulga denuncia, despeja o pobre ex-espírito celeste, não sem antes lhe arrancar as asas com um cutelo de carne. O anjo sente a dor pela primeira vez e conhece a cor do seu próprio sangue, e eis que é vermelho igual ao do mundo inteiro.

Chora o anjo sem saber o que é chorar e uma menina se aproxima e chora também por reconhecer aquele que cuidou de sua alma antes dela nascer. E o anjo, retendo as lágrimas, abraça e beija a menina, enquanto alguém noutra rua ora o chama de tarado, ora chama a polícia.

Ele corre, com a menina nos braços, seguido por um policial, seguido por uma multidão que quer ver o sangue vermelho - igual ao do mundo inteiro - do jovem anjo rebelde.

E logo um tiro, daqueles que exigem silêncio do mundo ao redor, por entoar uma marcha fúnebre que sai da arma chegando até o corpo mirado, explode nas costas do anjo, que sente o chão subir de encontro à sua cabeça.

Morrendo, o anjo confuso olha a menina e sorri, como só um anjo sorriria num momento de tal agonia. E ela, olhando com a memória, abraça o anjo-quase-pai-quase-deus e fala entre soluços:

- Seu anjo, muito obrigada por cuidar tanto assim de mim.

E morre como Homem o anjo, com um sorriso nos lábios. E se vai pro céu eu não sei, mas quem sabe disso afinal?

um troço aí do MegaZona pra ver se o cara sossega, ahhaha

19.5.03

Experimenta colocar um animal numa gaiola. Depois coloque ali dentro alguma comida da qual ele goste e ligue eletrodos a ela, de modo que toda vez que ele tentar pegá-la, vai tomar um choque. Uma hora ele desiste. Ele vai tentar um bocado. Vai procurar compreender porquê algo que devia ser agradável ao paladar está lhe causando incômodo. Mas ele acaba desistindo. E nunca mais vai se aproximar daquele tipo de alimento sem ficar muito ressabiado.

O ponto é que uma hora você também desiste. Toda vez que você estica a mão pra pegar algo que te interessa, toma um tapa. Toda hora que você tenta morder algo que quer, leva um choque. Toda hora que você tenta ter algum prazer com alguma coisa, se ferra.

Uma hora você cansa, sabe como é?
E aí você simplesmente senta num canto e fica vendo tudo o que te interessa ir embora. Porque tolerância tem limite.
E você vai se tornando calejado.
E cada cicatriz nova é um pedaço pequeno seu que morre, que perde sensibilidade.
E você vai se tornando cínico.
E sua visão passa a ser manchada por tons de cinza.
E seu coração vai de vez pra segundo plano.

E aí você procura uma pessoa que você sabe que era e não encontra mais.
E aí você tenta se lembrar de como era ser menos amargo. Mas não consegue.
E aí alguma coisa no seu peito aperta. E você tem uma sensação esquisita, que talvez fosse tristeza.
Mas você não se lembra mais.

Você nem se lembra mais.
...

Oito meses é muito pouco tempo pra você se acostumar a não ter mais esperança de coisa nenhuma...
Pouco tempo pra tanta mudança.
Pouco tempo pra você se acostumar com a nova pessoa que acabou virando, muito mais por atuação de fatores externos, que te forçaram a se enterrar fundo dentro de si mesmo.
Pouco tempo...

No Utopia Dilucular

A manhã despontou, o sol subiu célere um salto acima do horizonte, a terra cobriu - se de ouro e calor , vente leve ergueu - se , ar com gosto de poeira veio refrescar as mãos no volante do homem suado e cansado, a estrada solitária seguia no alem ...
...ao meio dia o vento cessou , o dia explodiu como melancia madura , suco morno e sufocante escorreu pelas costas dele, deu -se conta do tédio, do cansaço , a terra quente esmagada pelo sol exalou sopro abafado, impregnou ele com o odor do seu próprio suor misturado com o cheiro dos gases do escape da caminhonete, deu - se conta de repente do cansaço, de que estava a caminho do nada , fugindo do tudo, lembranças lentas subiram dentro dele , uma pedra pela garganta , respiração acelerada , sorriso crispado, vomito , despejou o fétido pela janela , acendeu um cigarro, engasgou - se com a fumaça, o fôlego enfraqueceu , aspirou golfada de ar , peito roncou , barriga da perna tesa , mãos insensíveis , olhos abertos como para a morte...nada , nenhum amor, um deserto infinito de solidão, sua ultima cartada?...parou o carro na porta do boteco, zunido aborrecido o perturbou, com olhos semi - cerrados tentou ver, saber, em cima do telhado cata - vento girava , revolvia, ora num sentido, oura noutro, sem intervalos, sensação do irreal o acometeu, seria ela, meu Deus ela, ar pesado nos ombros, nenhuma brisa, nada se movia, apenas aquele zunido, cata - vento a girar, a girar, estremeceu, entrou...
-... café, água...
...sombras indicavam presenças, imobilizadas, o olharam, o homem de trás do balcão colocou copo com café fumegante e garrafa de água à sua frente, o viajante cuspiu saliva seca no chão de terra.
- vem donde?
- Mombaça! e aqui é?
- Carira - respondeu uma sombra - vai pra donde?
- Poço Verde! - falou o homem sentado numa mesinha.
O recém chegado o fitou:
- como sabe?
- a estrada acaba lá, depois só o rio...mais uma! - bateu com o copo na mesa, ninguém se moveu:
- quem é você?
O viajante virou - se , ondas de sangue subirem - lhe nas temporãs.
- sei quem é - continuou o homem da mesinha - é um deles, chupa - sangue.
Diante do olhar sombrio do outro ele viu o ambiente de repente com cores brilhantes, o cenário deprimente clareado.
- não liga pra ele, moço - falou um dos presentes - dz isso pra todos os de fora...
-...o caboclo me deu guarida - a voz monocórdia devolveu o mal estar ao viajante - o cachorro dele era louco, tinha que ser morto...
- ...não quis atirar pra não gastar chumbo - falou uma das sombras - aí...
- ...amarrou dinamite no pescoço do bicho - continuou a voz monótona - esticou o pavio...
-...o bicho quase desfalecido , como podia saber?acendeu o pavio , o danado do cão reanimou e correu de volta pra casa , que nem vento...o casebre explodiu, morreu o bicho, a mulher, o caboclo endoidou , correu aos berros, a alma penada dele vagueia por ai...
O viajante estremeceu.
-...o índio - falou o homem de trás do balcão - diz que chama ele, diz que é a alma do bicho, da mulher, do caboclo, tudo junto, lá da beira do precipício, manda ele se jogar de lá, mas aqui é tudo liso que nem mesa de bilhar.
Em algum lugar uma porta bateu, o eco lúgubre aumentou mais ainda o silencio.
- fantástico demais, coisa de ...
-... chupa - sangue ?
- vampiro!
- sim - falou o da mesa - conheço a historia dele...
-...e quem não conhece? ele...
-...o recém - nascido e ela pela catinga afora, o peito dela murcho e seco, pegou a peixeira e se cortou , bem ali na veia, a criança sugou o sangue, foram encontrados , ela morta, ele vivo...agora tá crescido e anda por aqui...o moço é ele?
O viajante encostou - se no balcão, respirou tudo que o mundo lhe oferecia de estranho e solitário naquele momento, a solidão na pobreza desse local , terrível miséria...
- não pode ficar aqui - escutou.
- eu a amava - falou o viajante com esforço - Marta...

... segue no Yehuda

Em uma de minhas cenas imaginárias, eu falo tudo como quem devolve da boca um doce com gosto estragado. Eu grito prá não deixar dúvidas, não ter mais volta, restar mais nada. Você sequer consegue pensar em me interromper mas mesmo que quisesse não teria voz. Eu pareço uma louca. Estou. Cada palavra é uma arma cuspindo balas certeiras prá te machucar. E sem me calar por um minuto saio derrubando os móveis e batendo a porta. Irada, alterada mas semi morta.

Na outra cena eu aparento uma calma desconcertante. Falo serena e tão baixo que eu mesma quase não me escuto. Mas você ouve tin-tin por tin-tin, ipsisliteris, de A à Z. Você entende claramente cada sílaba do que eu digo como uma faca afiada prá te ferir. Você até ousa me interromper mas eu não cedo lugar ou espaço, continuo falando sem alterar a voz, sem desviar meus olhos dos seus, sem me mexer do lugar. Depois saio devagar e sem bater a porta. Aliviada, leve mas quase morta.

Na cena real é tudo diferente. Você fala demais, puxa coisas antigas demais, se coloca demais. Verbaliza o que provavelmente se arrependerá depois e se diz melhor do que nós dois sabemos que é. Eu ouço calada, olhos secos, alma calejada. Você parece um disco quebrado e eu, uma boneca inanimada.

Nas minhas cenas imaginárias eu roubo seu texto e faço dele um espetáculo. Sua figura é patética. Mas na cena real, veja bem, tudo o que eu pensei, tudo o que eu senti e, principalmente, tudo o que eu não disse são apenas suposições na sua cabeça. Sua figura é atormentada. O meu silêncio frio e calculado vai acabar te intoxicando - por refluxo. Então, eu saio cuidadosamente e encosto a porta. Altiva, vingada e muito bem, obrigada.


[estas são cenas de ficção, qualquer semelhança com fatos reais é mera condescendência]

Cenas da Afrodite sem Olimpo

Sou um pastor de fuscas. Todas as manhãs, com o dia ainda clareando, abro a porteira e os encontro com os parabrisas ainda úmidos de orvalho. Acaricio as suas aredondadas latarias, verifico a pressão de seus pneus, ponho 5 litros de gasolina no tanque de cada um e levo os meus fuscas para a colina.

Sou um pastor de fuscas. Sento com meu cajado no alto de uma pedra branca e os observo. Alegra-me vê-los com suas carrocerias luzidias, brilhando ao sol, capotando alegremente na relva. Gosto de vê-los dando cavalos-de-pau apenas para se exibirem. Os fuscas têm uma especial predileção por girar em torno da carcaça enferrujada de um velho Dodge Dart, buzinando inocentes.

Sou um pastor de fuscas. Ao final da tarde os arrebanho, cansados e elameados, para um banho de esguicho ao pé da colina, próximo a regato. Nos retrovisores o sol vermelho se espreguiça e vai se recostando no horizonte enquanto os fuscas aguardam as primeiras estrelas ronronando seus motores em marcha lenta.

Ora Bolas

Auto-crítica

“...um ornitorrinco que, ao vê-lo, sorri, tira o chapéu e diz ‘Posso usar o seu banheiro? É uma emergência!’

Ao terminar de digitar, o velho autor, satisfeito, salva o texto e se prepara para mandá-lo ao jornal. Quando ia clicar em “Enviar”, ele ouve um som de “Puff!” atrás de si e uma mão feminina arranca com força o mouse de sua mesa, ao mesmo tempo que grita:

- Eu não posso deixar você fazer isso!

Nisso o autor vira e vê uma mulher seminua, de lingerie preta, cabelo armado, baton vermelho nos lábios e mascando chiclete. Era a versão mais próxima do real que ele já vira da mulher de seus sonhos na época de adolescência, uma mistura de Jane Fonda com Brigite Bardot, mas sem dúvida - ele reparara uns dois segundos depois - com os quadris da Marta Rocha.

- Quem é você?
- Pára de salivar, fecha a boca e presta atenção no que eu vou te dizer: você não pode publicar isso! Aperta o delete, vai em arquivo/novo e começa essa tua crônica de novo.
- Peraí, como você sabe o que escrevi? Quem diabos é você?
- E não está na cara? Com que idade você começou a escrever?
- 14 anos, por quê?
- E quem era a mulher dos seus sonhos, tua musa?
- Haaaã... é, algo parecido com você. Não acredito! Você é minha inspiração?!?
- Cai na real! A tua inspiração é uma velha esclerosada que só sabe tricotar e assitir novela mexicana. Aquela lá não sai da cadeira de rodas nem por decreto. Eu sou a tua auto-crítica!
- Ah, tão chata, logo vi... Então é você que todos esses anos me atormentou, instigou minha insegurança, fez-me recusar os prêmios e elogios?
- Eu fui apenas sincera. Admita: você é mediocre e pronto. Fez uma ou outra pessoa rir, teve um punhado de comentários inteligentes, acertava uma ou outra frase de efeito no meio de tanta bobagem mas, resumindo, não chega aos pés de um Sabino.
- É bem típico de você mesmo, sempre querendo me comparar com os Sabino’s ou LVF’s da vida. Típico, típico! Invejosa!
- Longe disso, só faço o meu trabalho. E é o que estou fazendo agora. Você não pode publicar uma coisa dessas. Que cronista de respeito que você conhece que usa “ornitorrincos” como personagens?
- Pára de me comparar, a crônica é minha! Se eu quiser por um animal qualquer eu ponho, se eu quiser por um outro animal de férias no sul da Argentina eu ponho, se eu quiser por aparições surrealistas eu ponho, se eu quiser por mulheres seminuas eu ponho! E não são “ornitorrincossss”, mas sim um só. Meu personagem aparece no singular, só uma vez... não é nenhuma convenção de ornitorrincos!
- Não é este o ponto. Acontece que se você publicar isso aí vai cair no ridículo de vez, vai ser motivo de chacota, vai virar objeto de estudo em universidades de “como não se deve fazer”, vai estar com foto colorida ao lado do verbete “idiota” na próxima versão do Houaiss.
- E você faz agora o que sempre fez, né? Sempre me desestimulando, sempre sendo do contra, me comparando. Foi você que acabou com toda a educação liberal que meus pais me deram. Enquanto meus amigos sofriam com suas culpas, eu sempre fui uma criança livre, desenvolta, até os... 14 anos! Você... você que maculou minha formação.
- Não exagere. Eu apenas seleciono. E se não fosse por mim, você teria mandado aquela sua história sobre uma colônia de férias de sapos na patagônia para o seu primeiro editor. Um horror, teria acabado com todas as suas chances, nunca teria publicado um livro.
- Mas eu publiquei essa história depois e ganhei um prêmio.
- Júri mal escolhido, isso sim. A história é ruim: eu sei, você sabe. Essa agora, do ornitorrinco, é pior ainda.
- Você sempre me irritou, me dominou! Mas dessa vez eu não vou deixa barato! Vou publicar a história. É só apertar “Enter” que tudo estará feito! Hahahaha.

Nisso a Auto-crítica empurrar o autor para longe, enfatizando:

- Só por cima do meu cadáver!
- Não seja por isso!

Acumulando anos de raiva, pensando no seus sapos em plena patagônia, o autor pula em cima da Auto-crítica e começa a apertar a o seu pescoço.

- É hoje que eu durmo sem pensar se a crônica foi boa ou não, é hoje! E aperta o pescoço dela ainda mais forte.

A moça começa a ficar vermelha e, tossindo, dá o seu grito de rendição:

- Ok, ok, cof, eu desisto, pode publicar, cof cof.
- Agora é tarde! Não perco a chance de me livrar de você por nada desse mundo!
- Eu desisto, eu desisto!

E esticando o braço, a Auto-crítica consegue digitar o enter no computador. Nessa mesma hora a campainha toca, o autor solta o pescoço dela e se dirige à porta. Quando ele abre, encontra parado à sua frente um ornitorrinco que, ao vê-lo, sorri, tira o chapéu e diz:

- Posso usar o seu banheiro? É uma emergência!

zazoeira

Tem ali no canto da mesa um cobertorzinho de boneca Polly que eu fiz porque a Marina me pediu. É de crochê, bem pequenininho, ficou legal. Eu sei fazer crochê, nem me lembrava disso. Eu sei fazer tricô, sei bordar, só não sei costurar. Nem quero saber. Enfim, fiz esse cobertorzinho essa semana, porque ela encontrou lã, agulhas e etc num baú de Bali que eu tenho na sala e nunca abro, nem me interessava o que tinha lá dentro. Tinha essas coisas. Parece que nem era eu, não sei explicar. Eu era outra pessoa antigamente (alguns anos atrás), outro ser humano. Outro ser. Outra coisa. Não sei mais o que sou, mas foda-se. Parece incrível para mim que um dia eu fui um ser humano. Não que isso seja alguma glória ou demérito. Só acho que não sou mais um ser humano. E isso é estranho. Bem estranho.

Mas eu ia falar que filhos são uma coisa muito real. Eles querem que você seja uma mãe normal, uma pessoa que cozinha, limpa a casa, lava a louça etc. Eles precisam disso. Mas eu recuso o papel, em parte porque sou rebelde, em parte porque acho que isso tem que ter um fim. Não foi justo para a minha mãe ter abdicado de tanta coisa por nossa causa, por quê eu perpetuaria essa merda toda? Mas a Marina me pede que eu faça crochê, e eu faço. Nem foi de má vontade. Ela adora uma caminha que eu fiz para a Polly, é uma porcaria de uma bucha de lavar louça cortada, com um paninho costurado em volta. Ela adora aquilo, embora tenha trocentas caminhas de plástico, compradas por um preço absurdo. Me sinto um lixo ao pensar nisso. Não quero ter tanto poder sobre ela. Preferia que ela gostasse mais das compradas, que custam só dinheiro e qualquer fábrica faz.

Céu azul lindo demais na ilha de Rinos - parte II

18.5.03

Cartilha 'Sexo, Doce e Techno' de diferenciação entre as vertentes de música eletrônica

Se a pista for ocupada maciçamente por homens, mais de 1/3 deles estiver dançando com o braço pra cima, mais da metade estiver sem camisa e mais de 90% estiverem beijando uma pessoa do mesmo sexo, o som tocando é house.

Se você já tiver ouvido a tal música nas rádios, mais de dez caras estiverem dublando tudo que toca com direito a tremidinha de queixo nos agudos, a Vera Fischer estiver dançando no meio da pista e pelo menos um dos homens estiver usando boné, então é dance.

Se todo mundo idolatrar o DJ como um Deus, pular ao invés de dançar, você só for chamado de 'mano' ou 'meu' e se sentir numa fila de banco, está numa festa de drum 'n' bass.

Se a metade dos presentes não tiver tatuagem, nem piercing e achar que ouviu a mesma música a noite toda enquanto a outra metade tiver uma média de 3 tatuagens e 2 piercings, dançar de punho cerrado e só se tornar simpático (quando se tornam) depois das 3 da manhã, você está ouvindo techno.

Se todos, embora parecidos com o pessoal de house que fica de camisa, estiverem com uma taça de espumante nas mãos, conversando em panelinhas mas ninguém estiver se beijando, você está numa festa de electro.

Se todo mundo parecer que não toma banho há uns 2 dias, existir um gramado imenso, você se sentir na escola nacional do circo, algumas das roupas precisarem de 2 pilhas pequenas e a cada virada de música você enxergar um pôr-do-sol no horizonte, embora ainda sejam 2 da manhã, você está ouvindo trance (e colocaram um ácido na sua cerveja).

versão 9.0 metrópole - Sexo, Doce e Techno

17.5.03

Por que ela precisava me arrastar junto por todos os bares, tarde da noite, só para ver o que ele estaria fazendo? Com quem estaria conversando, o que estaria bebendo, e quanto, o que estaria dizendo ou gritando quando, bêbado até a alma, agitava os braços e respondia às próprias perguntas que fazia. Eu estava sempre com sono, pois minha hora de dormir já ia longe. E aquela programação era sempre a mesma quase todos os dias. Antes ela tivesse o hábito de me levar pela praia e me contar histórias de sua própria cabeça para que eu as confundisse com meus sonhos e adormecesse. Mas não. Tínhamos de fazer aquele périplo por calçadas, esquinas, becos, escadas de igrejas, atrás de árvores e automóveis para não sermos vistas, bancas de jornal, vitrines apagadas, farmácias de plantão, sinais de trânsito, saídas de cinemas, portarias de edifícios, carrocinhas de pipoca, pontos de ônibus, lá íamos nós, sempre a pé, eu sendo levada por seus passos apressados, mãos suadas, como se fôssemos pegar o último trem que nos levaria para longe do mais longe. Eu não sabia então o que era pressa. Certamente foi com ela que aprendi que os dias são como ônibus desembestados que não abrem suas portas se estamos no ponto errado. De que adiantava seguir aquele homem? De que serviria acompanhar seus passos se estávamos no meio da rua, e as ruas não dão em lugar algum, exceto em outras ruas e mais ruas, ao infinito. Eu teria tempo no futuro para conhecer todas, talvez seguindo eu mesma outras pessoas numa progressão sem fim. Mas naquela hora eu queria ir para casa. Eu chorava que queria ir para casa. Ela me comprava um sorvete. Eu calava a boca. “Olhe ele lá. Vamos.” Meu sorvete derretia porque eu não tinha tempo para lambê-lo, preocupada em não ficar para trás. Lá íamos nós outra vez. E sempre. Até que ela se cansava e desistia, porque ele havia desaparecido boate adentro e lá nós não poderíamos segui-lo mais. Então voltávamos para casa e eu ia dormir satisfeita porque tinha ganho um palitinho premiado. Amanhã seria outro dia e o sol brilharia novamente para que eu pudesse ir à praia pegar umas ondas e ficar boiando, pensando em como seria bom se meus pais fossem levados pela correnteza e eu não soubesse nadar.

Prosa Caotica

Histórias reais - I

Zé Gangó, se dependesse de sua mãe, teria se tornado padre. Como filhos tendem a contrariar o desejo dos pais, Zé Gangó (apelido de José Cupertino) não fugiu à regra. Depois de abandonar a escola, foi parar em uma profissão que considerava "enrascada", mas que aprendeu a gostar. Tornou-se o coveiro-chefe de Porto Seguro, na Bahia. Após anos e anos enterrando os outros, precaveu-se: construiu sua própria "catacumba" há cerca de cinco anos. Afirma: "Quando eu morrer não quero enfeite, nem luto e muito menos choro. Só vela e o povo bebendo cachaça a noite toda. Ela fala que eu sou doido. E eu digo que se der, pra botar um pouquinho na minha boca que eu bebo e agradeço".

Será que a labuta diária convivendo com a morte inspirou Zé Gangó a ter nada menos que vinte e cinco filhos (18 com a primeira mulher, três com a segunda e mais quatro com a "particular")? Sabe-se lá. Zé bebia o dia todo, e ainda dizia que se parasse de tomar suas cachaças, morria. E ainda era obrigado a lidar com a polícia, que costumava matar e trazer os corpos para o cemitério dois, três dias depois, já podres. Depois que reclamou com o juiz da cidade, a polícia parou de abusar do coveiro e passou a trazer os próprios presos para fazer os enterros.

Foi candidato a vereador. Em um comício, irritado com as gozações à sua profissão, não pestanejou e disse: "agora que sou candidato, vocês ficam desfazendo de mim. Mas não há de ser nada. Todos aqui quando morrerem vão ter de passar pela minha mão". A entrevista de Zé Gangó, publicada em maio de 1993 no Jornal do Sol de Porto Seguro, me fez recordar a placa incrustada no cemitério de Inúbia Paulista, cidade onde meus avós maternos descansam:
"FUI O QUE TU ÉS, TU SERÁS O QUE EU SOU"


Histórias reais - II

Roger, 20, lateral recém-promovido dos júniores, sabe que aquele jogo é a chance da sua vida. Porém, foi incumbido de uma tarefa das mais indigestas: marcar D'Alessandro, craque talentoso e marrento do River Plate. Seu time, o Corinthians, empata por um a um. O resultado elimina a equipe brasileira da Taça Libertadores da América.

45 minutos do primeiro tempo. D'Alessandro acaba de fazer uma firula desconcertante com a bola bem na frente de Roger. Geninho, técnico do Corinthians, está tão (ou mais) nervoso quanto o seu time. A um metro do campo, ordena ao seu jogador:

- Pega, pega, pega!

Qual um cachorrinho, Roger obedece cegamente às palavras de seu treinador. Acerta um pontapé desajeitado em D'Alessandro: cartão vermelho. Em entrevista coletiva dada após a eliminação corinthiana, Roger declara, cabisbaixamente:

- Não quis dar pontapé. Não estava nervoso. É difícil explicar. Estava ansioso para ajudar o time. E acabei atrapalhando...

Roger, 20, sabe que ficará marcado por esse lance pelo resto de sua carreira.

Futebol é uma caixinha de Pandora.


Histórias reais - III

José Vieira de Melo Neto não suporta mais a espera. Tarsila Gusmão, sua filha, e Maria Eduarda Dourado, colega de escola, ambas com 16 anos, estão desaparecidas desde o dia 3. Depois de terem saído com amigos para passear de lancha até o Pontal de Maracaípe, em Pernambuco, elas se desencontraram do grupo e não foram mais vistas desde então. Apesar de uma campanha espalhada por todo o Nordeste, com divulgação em TVs, rádios e internet, ninguém sabe do paradeiro delas. Muito pelo contrário, diversas ligações com trotes foram recebidas pelo Disque-Denúncia. Cansado de acompanhar impotente as buscas da Polícia pelas praias do Litoral Sul, José Vieira conversa com Aníbal Moura, delegado e chefe da Polícia Civil:

- Doutor Aníbal, eu preciso fazer alguma coisa.
- Se isso vai lhe fazer bem, faça.

José Vieira, cujo hobby é fazer trilhas de rali, pega a sua moto e, ao lado do amigo Roberto, começa a percorrer estradas vicinais e entradas de cana em toda a área desde Porto de Galinhas até Serrambi. É movido por uma única certeza na cabeça: a necessidade aflitiva de descobrir se Tarsila ainda estava viva.

Na tarde do dia 13, a verdade. Os corpos das duas adolescentes já estão em avançado estado de decomposição. José reconhece o corpo de Tarsila através de uma pulseira prateada, presente que ele mesmo havia dado à filha. Dois dias depois, declara em entrevista a uma rádio:

- Gente ruim tem em todo canto, todo dia se mata. A esperança... Minha esperança agora é de achar quem fez isso. Porque minha filha, ninguém mais acha não.

Pensar Enlouquece. Pense Nisto.


aviso
Se você hoje:

- estiver em Marília -SP
- for a uma festa à noite.
- encontrar um dj esquisito com uma faixa de mina na cabeça...

É ele mesmo, o NESSUNO.
Passem a mão na bunda dele enquanto ele estiver tocando.

surra

16.5.03

Estava no banho quando o telefone tocou. Atender molhada, ensaboada em um dia de inverno e mesmo assim atender com risos. E depois voltar ao banho. Não tocará novamente. Isso foi há muito tempo. Mas sempre que entro no banho canto música de telefone e penso no frio. Não no frio de inverno. Penso no frio da espinha.

Walkwoman

Estou trocando e-mails com uma japonesa e está bem legal. Ela me manda e-mails em japonês, eu não entendo nada, respondo para ela em português e ela me manda outro e-mail em japonês. Já trocamos uns dez e-mails.

Capricho Girl

Botar medo em crianças é um esporte que a humanidade pratica há milhares de anos. Na minha família, o artifício paternal também era usar o pavor para nos manter longe de encrenca. O problema é que até hoje tenho taquicardia quando penso nos dois maiores vilões da minha infância: Homem do Saco e Reverendo Moon.

Não sei se eles eram conhecidos (e tão temidos) em outras partes da cidade, do estado ou do país. Mas, segundo constava a lenda urbana no meu bairro, a coisa corria assim: o Homem do Saco era um especialista em capturar meninos e meninas e perambular pela cidade com eles enfiados num sacão levado nas costas. Gozado como eu nunca desconfiei que seria meio idiota o cidadão rebocar tanto peso a troco de nada...

De qualquer modo, eu parei de acreditar nessa primeira papagaiada envolvendo sacos e homens errantes por volta dos sete anos. Mas foi aí que tudo piorou, porque enquanto o Homem do Saco perdeu espaço, o Reverendo ganhou destaque na mídia infantil.

Supostamente, o Senhor Moon rodava pela cidade com uma Kombi azul com cortininhas na janela apanhando pirralhos a caminho da escola (assim sendo, qualquer feirante que passasse na porta do colégio me fazia correr para trás do bebedor).

Mais tarde, Moon fazia os reféns passarem por sessões de – segure-se na cadeira, que agora a cena vai ficar terrivelmente forte – lavagem cerebral!!! Ah, que medo me dava pensar nisso!!!

Como o leitor já deve ter imaginado, minha mentezinha destorcida figurava que “lavagem cerebral” era um procedimento cirúrgico que envolvia médicos trabalhando em porões, serras, bisturis, mangueiras e jatos de sangue e água para todo lado. O Reverendo Moon, para mim, era um apavorante violador de cérebros, portanto.

Hoje eu sei que o Homem do Saco foi criado pelo imaginário adulto para manter a garotada do lado de dentro do portão e o Reverendo Moon não passa de um dono de seita que tem problemas com o Fisco norte-americano.

Mas vai explicar isso para o meu cérebro que teme ser lavado em uma imunda sala de operações...

Garotas que dizem NI

happiness is a warm gun

- ah tá, já saquei... você tem medo de compromisso
- vá a merda
- qual é? diz que eu tô errado
- sei lá, não é você, não sou eu, não é ninguém, não é o compromisso só que eu acho que ainda sou jovem demais para tamanha responsabilidade como esse relacionamento
- hahahahaha, isso não é nenhum casamento não viu
- eu sei que não é nenhum casamento, andar de mãozinha dada, ir ao cinema junto e ficar dando satisfações pra mim já é bodas de prata! você sabe que eu odeio essas cobranças, odeio tudo isso
- você é a coisa mais estranha com a qual eu me relacionei em todos esses meus anos de vida
- estranha é a senhora sua personalidade. Por que as pessoas namoram? Pra ter alguém pra sair, pra ter alguém pra chamar de meu amor, pra ter alguém pra ocupar A PORRA DE UM ESPAÇO VAZIO!!!

...
quando eu argumento não tem mais papo.

Abscesso... diga oi para a senhora esquizofrenia

15.5.03

Cantadas toscas que eu aprendi hoje

- Vamos lá em casa transar, depois a gente come pizza?
- Não!!
- Tá, a gente pede outra coisa...
_________


- Posso te fazer três perguntas?
- Pode
- Qual o seu nome? Quer ficar comigo? Por que não?

Sensacional!

KSW 5.0 | Voltamos a programação normal.

Mano... o barato foi doido hoje...
Estava eu, a bordo do meu Barata (meu outro carro que não o Caspento), indo tranquilamente comprar insumos para produzir minhas belíssimas fontes feng-shui...
Passava na Av. Interlagos, bem ao lado do autódromo, ouvindo Jovem Pan AM (620Khz). O programa era um noticiário e falava da entrega da declaração de imposto de renda, cujo prazo para entrega via internet expira em 30/04, as 20:00Hs.
Eu tava a pampa e ao passar ao lado do Cingapura, notei a presença quase imperceptível de dois caras em suas respectivas motos Kawasaki verde limão, sendo que um, mais coerente, trajava uniforme de corrida em couro, também verde limão e capacete verde limão com manchas vermelhas. O outro, muito brega, usava macacão em couro laranja fosforecente e capacete verde limão, com manchas amarelas... Pois bem, ambos estavam com suas motos estacionadas na saliência da avenida, feita para que os ônibus possam parar e recolher os passageiros, sem atrapalhar o fluxo dos caros...
Então...
Eu já filmei os maluquinhos de longe e continuei a observá-los, pensando o que todo mundo deveria estar pensando também... "Humpf!!! Esses caras acham que só porque estão do lado do autódromo, fantasiados de pilotos de motovelocidade, neguinho vai achar que eles são pilotos de verdade... Hahaha... Babacas...".
Conforme fui me aproximando do Rayne e do Mamola, eles começaram a sair do ponto. Eu pensei : "Agora os caras saem rasgando e aí ó, nem me viu...". Que nada, os caras saíram numa boa, até devagar demais... Ultrapassei os maluco e segui tranquilo, ouvindo o noticiário na Jovem Pan...
Dei uma olhadela no retrovisor e saquei que um moto boy lá atrás havia notado a presença dos farsantes logo adiante... O mano acelerou a CGzinha podrera prateada dele e pasou ventando do lado dos "pilotos"... Tirou uma fininha e vazou a milhão...
Rachei o bico sem saber que o mal estava por vir...
O moto boy entrou na minha frente e logo atrás de uma lotação, em um espaço que eu procurei manter por questões de segurança no trânsito...
Dei um trago no cigarro e, através da cortina de fumaça que exalava de minha boca, fui deleitado com uma cena cinematográfica...
Sem qualquer motivo aparente a moto do cara deu uma guinada violenta e se espatifou no chão. Eu calculo que o cara devia estar a uns 75Km/h, porque eu tava a uns 70Km/h... O maluquinho ficou preso entre a moto e o chão e foi sendo arrastado violentamente, em alta velocidade... Faíscas eram cuspidas pela ferragem da moto roçando no asfalto... Nesse momento eu diminuí a velocidade do Barata, de modo a não passar por cima do cidadão que estava brincando de tobogã no asfalto, diante dos meus perplexos olhos...
A moto começou a girar em círculos e tomava o rumo da lotação... O cara ainda preso... Achei que a desgraça seria grande...
Não sei se foi sorte ou se o moto boy possuía sangre frio e muita perícia, porque ele conseguiu, de algum jeito, se desvencilhar da moto milésimos de sengundo antes dela entrar debaixo da carroceria da lotação e terminar de ser dixavada pelo transporte popular. Graças a inércia, o maldito continuou rolando e ralando no asfalto por mais uns 100 metros... Nem dublê de Hollywood faria melhor... O cara rolou de lado, depois mergulhou de peixinho no asfalto, depois deu uma série fantástica de cambalhotas de frente e de costas... Cheguei a achar que o mano ia virar uma estrela e depois ia terminar numa parada de mão digna de Nádia Comanecci... Mas que nada... O cara rolou muito, mas muito mesmo, até subir a calçada numa cambalhota meio de lado e parar no muro... O mais interessante em toda a apresentação do moto boy foi que ele tava com uma mochila nas costas, do tipo daqueles caixotões de isopor que os entregadores de comida usam... Então, foi mais ou menos como ver um carro andando com uma roda quadrada... A cada volta completa de sua cambalhota, ele sofria um tranco do caixote acoplado em suas costas e dava um pulinho a mais, tirando toda sua estabilidade no deslize...
Isso tudo rolou num pedaço da Av. Interlagos onde só existem 2 faixas na rua, então, nessa altura, eu já tinha colocado minha caranga no meio das duas faixas, evitando que alguém viesse a esmagar o desinfeliz...
Apresentação de gala terminada, só restava retirar o que sobrou do corpo... Bem, era assim que eu pensava... Como Fênix, que resurgiu das cinzas, o malaco levanta e bate a mão pelo corpo, para tirar a poeira... Ele estava numa situação constrangedora, pois sua roupa havia se transformado em meros farrapos e o seu popô estava de fora... Pelo diagnóstico preliminar que pude fazer, haviam apenas algumas escoriações pelo corpo, principalmente nos braços, onde saía sangue dos ralados... Imaginei nesse momento que o que devia mais doer não eram os ralados em si, mas o suor que escorria e penetrava diretamente sobre a carne exposta...
Mas se eu imaginava que a humilhação maior era o fato do cidadão estar com as nadegas a mostra, o tempo se encarregaria de mostrar que meu julgamento era improcedente...
Adivinha quem foram os primeiros samaritanos a socorrer o pobre desgraçado ???? Hein ???? Pois é... Foram eles... Rayne e Mamola... Hahahahahahahahaha... Nessa hora eu deixei minha parte cristã de lado e comecei a gargalhar sem parar da desgraça alheia...
Quando o mano viu que eram ELES os socorristas, saiu correndo e começou a chutar muito o bagaço que sobrou de sua moto, ainda presa debaixo da lotação.
Os caras tentavam acalma-lo em vão...
Depois de algum tempo, conseguiram tirar os restos mortais da CGzinha prateada debaixo da lotação e a removeram para a calçada, tomando todos os cuidados necessários, já que nunca se mexe em um corpo sem antes imobiliza-lo...
O acidentado, então, tirou o capacete para poder averiguar melhor o estrago na moto e aí pude ver a cara do manguaceiro deslavado.
A essa altura os populares se aglomeravam em torno do local e eu, como tenho carteirinha de "popular preferencial", só poderia estar na pole position, assistindo tudo do conforto dos meus bancos de couro com o ar condicionado bombando...
Depois de certificarem que estava tudo OK com o carne moída, Rayne e Mamola se evadem do local do acidente, sem ao menos terem tirado seus capacetes verde limão... Foram embora com suas identidades mantidas no anonimato...
Que raiva me deu, ter ficado lá esse tempo todo e nem ao menos ter visto a cara dos féladaputa dos motoqueiros que brilham no escuro !!!

Brain Damaged é Nóis...

Me tranquei em um quarto obscuro e não consigo lembrar onde está a chave. Foi há 8 meses. Esperava que meus olhos se acostumassem ao breu, mas não há como distinguir alguma coisa. Não vejo nada, a não ser minhas próprias reticências. Tateei o cômodo incontáveis vezes e cansei de me machucar na escuridão. O sangue escorre de vários lugares do meu corpo, mas não me assusta mais. Sempre achei que tivesse aversão a sangue, mas aprendi que é a cor que me assusta. O que me apavora aqui é a solidão e a incerteza. O fato de não mais poder encará-la. Sou uma pessoa diferente a cada dia. Sem rumo esqueci como eu era. Não consigo mais distinguir meus sentimentos. Tropecei e não caí. Começou a chover e achei que tudo fosse se acalmar. Cantei músicas antigas. Talvez ela gostasse. Menti para que parecesse cinema. Só nós dois sabemos. Cadê o controle remoto para aliviar a ansiedade. Acho que vi pássaros e corri em direção a eles. Bati com a cara na parede. Que horas são? Meu mundo se resume aos sons dos carros lá embaixo na rua. Sinto falta da televisão. Do vento soprando minha cara. O telefone toca, mas não consigo achar. Devo ter dobrado a esquina errada. Procurei, mas era a gaveta errada. Vou fingir que tudo está normal. Começo a chorar. Mordo o lábio inferior, lembrando do que aconteceu mais tarde naquela noite. A última vez. Quero minha vida de volta. Sem o mosaico de verbos que não me fazem falta. Lembro de me perder em suas curvas e não conseguir achar a saída do labirinto da sua língua. Tenho saudade da luz, da cor da sua pele, do meu sorriso refletido no espelho da minha alma. Talvez eu seja só um cara que não usa reticências.

.FAKERFAKIR

14.5.03

A vida tem lá seus momentos de extrema poesia. Até mesmo na miséria. Hoje, vindo para casa, fui abordado por um mendigo. Não um artista, mas um mendigo. Ele me pediu, então:

— Tem uma esperancinha pro almoço?

Esperancinha. Esperança. Parei, ao pedido inusitado. Vasculhei nos meus bolsos e não achei esperança alguma. A maldita me escapara logo cedo.

— Desculpe. Não tenho nada — disse, atentando para o peso da fala.

Eu não tinha esperança alguma às duas da tarde.

O Polzonoff