26.11.04

POR QUE VOCÊ NÃO MORRE?

Acordou com a sensação vaga de que tinha sonhado novamente com ele. Merda. Dessa vez um sonho daqueles que não se consegue lembrar nada, fica só um gosto estranho na boca, uma ressaca amanhecida, um anexo indecifrável de memória ao corpo que pesa como reboque. Foi ao banheiro escovar os dentes e a presença dele parecia vesti-la no lugar do roupão, uma tatuagem em alto relevo que lhe ardia a pele.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Tomou café na frente do computador abrindo os mails. Lá nem tão no fundo, a esperança de que entre os remetentes, na caixa de entrada repleta, estivesse o nome dele. Um convite. Um oi. Uma mensagem qualquer encaminhada. Uma corrente de felicidade - ele não era disso. Mas não.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Terminou de se arrumar, maquiagem, cabelo, um casaco caso esfrie, os papéis pro escritório, o livro que Margareth pediu emprestado e o olhar na estante procura o livro que ele lhe deu. Ganas de abrir e olhar a dedicatória, o formato da letra absolutamente lindo, perfeito, a frase que tinha lhe escrito meses antes e que não era uma declaração de amor, mas era muito mais do que ela imaginaria ver escrito por ele. Resistiu.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Antes de sair, uma passada no banheiro para espirrar perfume. O mesmo que ele lhe dera dois anos antes e cujo frasco, já vazio, morava no fundo da prateleira. Pensou em jogar fora.

Me faz um favor? Por que você não morre?

No escritório, as horas voaram, mas o pager ficou aberto. Vez que outra, ela espiava para ver se por acaso o ícone que o representa não mudava de Off para Online. Mas não. Também não chegou nenhum mail dele. Raios de esperança renitente.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Foi almoçar sozinha. Na dúvida sobre a que restaurante iria, seus passos a levaram refém ao Bistrô da praça. Sentou-se e o prato do dia era filé recheado de tomates secos. O mesmo que dividiram na vez que almoçaram ali. Ele tão elegante no terno verde escuro. A briga pelos pães do couvert. Ele encantador falando de boca cheia. A mão sobre a dela num lugar público.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Na volta ao escritório, passou por alguém com o mesmo perfume dele. O cheiro dele. Entre a tontura e o arremesso de volta ao aconchego do seu peito, a boca se enche de saliva. Nunca havia salivado ao sentir o cheiro de ninguém, a não ser o dele. E agora, ali, no meio da rua, alguém com o mesmo perfume.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Saiu mais cedo e passou no supermercado. Frutas, pão, café, queijo, iogurte. Ele costumava abrir a geladeira da casa dela para ver o que tinha. Sempre fazia um inventário em voz alta, comentava o inusitado de algumas coisas, como sua geladeira era bem fornida. Bem fornida, aliás, era expressão dele. Suas ancas eram bem fornidas. Pegou quase sem pensar a cerveja da sua marca preferida.

Me faz um favor? Por que você não morre?

Foi para casa, jantou, ouviu músicas. Resolveu não resistir mais aos pensamentos insistentes e ouviu todas as músicas que faziam referência direta a ele. Todas. Uma por uma. Chorou alto como um criança. Um choro de machucado, de ferimento, um choro que pede um colo negado. Sentou-se no chão, braços ao redor do corpo buscando um abraço de si mesma e embalou-se para se consolar. Lágrimas grossas escorriam pelo rosto cada vez mais inchado, cada vez mais quente. Dormiu sem forças e com a cabeça latejante.

O telefone toca no fundo do fundo do fundo da madrugada de sono quase uma sirene um alarme uma buzina e outra e outra e outra e outra vez alguém voz conhecida talvez uma ex-colega de faculdade talvez talvez lhe diz que ele está morto morto ele morto morto como acidente de carro um acidente horrível horrível diz a voz metálica hoje velório agora ela ouve um choro de criança ao fundo uma criança chorando quer vê-lo precisa vê-lo morto noite muito escura uma madrugada de breu e ruas que se enlaçam se dividem sobem e descem e o portão da capela do cemitério está encostado nem fechado nem aberto ela entra sem pernas e sem pés e não vê o rosto de ninguém não sabe se é vista ou se sabem que ela está ali quem é porque veio o caixão no meio da sala escura é grande e escuro e nele dentro dele terno verde escuro ele morto de terno verde escuro ela aproxima-se devagar lenta cuidadosa como se obedecesse a um ritual as pessoas de dentro da sala conversam entre si em voz baixa mas não têm olhos nem bocas ela chega perto o suficiente e sente seu perfume o mesmo perfume de sempre o perfume do homem que passou na rua e saliva quer beijá-lo não pode ele ali deitado morto não parece morto não pode beijá-lo em público morreu onde estariam a mulher e o filho a mulher e o filho onde estavam eles agora que ele estava morto ela teme que eles a vejam sobre o corpo dele e desconfiem do que ela era do que foram lhe ocorre uma piada de mau gosto vergonha culpa uma dor lhe mói os ossos.

No outro dia não foi trabalhar. Ligou para a empresa e avisou que não passava bem. Tomou um calmante e dormiu, e assim a sexta-feira emendou com um final de semana onde a chave da porta do apartamento não foi girada nenhuma vez. Comeu pouco, tomou muitos analgésicos para dor de cabeça. Chorou litro e litros. Não atendeu telefone. Não tomou banho. Era um animal lambendo feridas. Teve vontade de morrer, de sumir, de dormir para sempre.

Na manhã da segunda-feira, levantou-se e decidiu viver. Os colegas comentaram seu aspecto bem ruim. Não viram nada.

Viveria um dia de cada vez a partir de hoje, e assim passaram-se muitas segundas e terças, muitas quartas e quintas, muitas sextas, sábados e domingos até que ela o encontrasse na rua com a mulher e o filho, já bem crescido e parecido com ele. Cumprimentaram-se. Ele perguntou como ela ia. Ela respondeu que muito bem. Parabenizou pelo filho, lindo. A mulher afastou-se por um instante para pegar o menino que ia mexer em qualquer coisa suja. Ele disse que tentara ligar, mas o número tinha mudado. Ela olhou para ele um instante e disse: - Me faz um favor? Porque você não morre?

Megeras Magérrimas

Vi lá numa ficha de cadastro, depois de Nome, Aniversário, etc:

Profissão:
seguiu abaixo uma lista de profissões, até desempregado, mas a última me chamou a atenção: "Outra"

Pensei: "Deve ser amante."
Não resisti e marquei.

Meu Umbigo não tem piercing

25.11.04

Vai-se a pança, voltam os anéis

Com nove quilos a menos, a vida fica mais divertida. Meu armário tá voltando pra mim, e acho que sou a única pessoa num raio de 35 km que gosta de vestir roupas velhas. Na terça feira, voltei a entrar num tailleur azul, lindo, e ouvi dois "gostosa" na rua. Tem coisas que só um pedreiro faz por você.
E meus anéis tão voltando. Iesssss. Acho que com menos dois quilinhos, terei todos de volta, bem confortáveis. Acho que somente três (de um total de 22 - sou perua, lembram?) ainda estão meio justinhos.
O projeto noiva 2004 tá indo de vento em popa. Oooooou iés.

perolada

São Paulo

Quando uma caipira vai pra São Paulo, acontece coisas que até Deus duvida. Desço na estação de metrô e sei lá porque resolvo ir para um lado onde ninguém está indo, vejo a escada rolante desligada e subo a escada normal.- Deve estar quebrada!Passo a catraca do metrô e nem desconfio que não tem ninguém por ali, subo mais um lance de escada enorme e penso comigo:- Outra escada quebrada?Chego ao topo e é óbvio que a saída está fechada.Retorno só que o detalhe é a catraca do metrô fechada, como é que eu vou passar de volta?Tento passar por cima e é óbvio que não consigo, o jeito foi ficar de joelhos mesmo e passar de quatro por baixo da catraca. Desço a escada e o guarda lá embaixo já tinha fechado a passagem da escada convencional e tive que pular a corrente. Fiquei imaginando os caras que ficam observando o movimento pelos monitores morrendo de rir da minha cara, passei com a sensação de estar com duas orelhas de burro e com a sensação de que vou aparecer naquelas vídeos cassetadas de domingo.

Fata

24.11.04

Em meu banheiro o sol nunca se põe

Disse Teophilus Mozart, cão, romeno e guarda-costas.

"O meu banheiro é o mundo", repetia sua namorada, desfiando um rosário enquanto coreanos a perseguiam pela avenida Rebouças, plenos de sonhos tão mesquinhos.

Desde que o mundo é mundo, a grande mensagem que temos para passar ao próximos, ou às novas gerações, é "Dedé esteve aqui".

Primeiro usamos urina, depois fizemos com sangue. Não fosse o uso disseminado de sprays pela juventude pós-45, o mundo teria sido marcado a plasma, quadros cubistas e um tanto de radiação.

Mundo, mundo, vasto e imundo
Mais imundo é o Zé do Caixão...

dies iræ

palavras demais, palavras demais, palavras demais.

*

gosto dos gatos:
ração e reação

*

você que me ouve não me lê
que me lê não me vê
que melée

Uma Xícara de Chá?

23.11.04

CENSURADO

Escrevi um texto enorme aqui. Enorme mesmo.

Aí estava no oitavo ou nono parágrafo, e resolvi que tudo aquilo não fazia o menor sentido. Apaguei.

Essas poucas linhas dizem muito mais do que as centenas de palavras que eu batuquei antes.

Hoje em dia, delete é a única tecla que consegue realmente expressar minhas idéias.


Utopia Dilucular

22.11.04

Dever cumprido

Livro bom é livro manuseado, marcado, assinalado, páginas dobradas, capa ensebada e descolando remendada com durex. Sinais do dever cumprido.

catarro verde


As cartas que não selamos

Parece falta de criatividade, mas é só tristeza. Eu sei que tá demorando. Hora dessas ela deve ir embora. Tomara que seja antes do fim. Foi só eu meter o pau nos suicidas e passei a compreendê-los. Não, não vai rolar. Não pense isso sobre mim. Seria atribuir coragem a alguém que tem medo até do escuro. Além do mais, compreender não muda nada. Os terapeutas mentiram pra nós. Pra mim, pra você e pra todo idiota que acha que no divã a dor vai passar. A dor não passa e eu continuo a mesma covarde existencial. Com a diferença de que antes haviam flores que salvavam os meus dias. Hoje meu jardim não floresce mais e eu mal dou conta de aparar a grama. Mas não se preocupe comigo. Ver o mato invadir a casa vazia pode não ser o cenário dos sonhos, mas a cadeira da varanda ainda balança.

Alê Félix, Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

21.11.04

SHORT CUTS

O mais triste de tudo foi não poder olhá-lo nos olhos, não ter um olhar sobre sua dor. Depois que desligou o telefone, o mundo todo tinha voltado a ser preto-e-branco.

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Apesar de tudo, o pai quis lhe abraçar e ela aquiesceu à imposição daquele corpo contra o seu. Entendeu ali que nunca tinham estado tão longe um do outro.

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Junto com o irmão, gargalhava em desenho animado. Naquele buraco fundo e triste, era enterrada também sua chance de voltar a ser criança de vez em quando.

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Tem certeza, ela perguntou, e rezou secretamente por um milagre que não aconteceu.

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Ele a abraçou e a terra girou ao contrário.

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Com ele, todos os dias ela aprendia a morrer um pouquinho. Até que não sobrou nada.


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Vai ser feliz, ele disse. Ela sorriu numa enorme tristeza pensando em responder “então abre os braços”.

Megeras Magérrimas

Mentira!

Qual é essa obsessão que as pessoas têm com a verdade? Filósofos, desocupados em geral e estudantes do ensino médio, parece que não fazem outra coisa, senão buscar a verdade. Por que, meu Deus, por quê? Por que as pessoas sempre ficam tão bravas com as mentiras - e digo as mentiras pequenas, as inofensivas, que não matam ninguém, não estou falando de política, veja bem - as mentirinhas, e sempre desconfiam das histórias muito mirabolantes "Ah, isso aí é a maior invenção"?

Por quê?

Repito. Não estou falando de política, não estou falando dessas coisas jurídicas. Estou falando de pequenas mentiras. Estórias, estorinhas.

Eu adoro inventar amigos no meio das conversas, só para poder entrar no papo "Ah, eu tenho um amigo que..." Ou falar de pessoas que não existem, para criar uma conversa que eu estou com vontade de conversar. É isso que eu faço, eu crio coisas. Muitas vezes são coisas que não querem aparecer no blog, e não querem aparecer em lugar nenhum, então eu só deixo lá na minha cabeça, para usar quando der vontade.

Sobre o nada e o inevitável, e sobre a vida imaginária de pessoas que não existem.

E se eu dissesse que na verdade elas existem? E se eu dissesse que alguém que você acha que existe na verdade não existe?

Mentiras inofensivas. Mentiras bem contadas, mentiras que poderiam ser verdade, e se não são, que diferença vai fazer? Não quero saber dessas mentiras que as pessoas contam para o bem da sociedade e o escambau. Essas mentiras são chatas demais. Não me venham com histórias de que é necessário mentir para que o mundo seja um lugar melhor. Ah, não.

Legais são as mentiras aleatórias. Só porque a verdade não tem graça nenhuma.

A verdade é isso aí que você está vendo. Vai, olha em volta. Olha quanta verdade. Você já não cansou da verdade?

(…)

Forsit

20.11.04

manual prático de canibalismo

decida-se pelo carneiro. cace o carneiro. encontre o carneiro. mate o carneiro. limpe o carneiro. tempere o carneiro. asse o carneiro. coma o carneiro. digira o carneiro. defeque o carneiro.

decida-se pelo tatu. cace o tatu. encontre o tatu. mate o tatu. limpe o tatu. tempere o tatu. asse o tatu. coma o tatu. digira o tatu. defeque o tatu.

decida-se pelo seu vizinho.

.Canis sapiens

19.11.04

Roleta Russa (replay)

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Alguém precisa morrer, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Alguém sempre precisa morrer, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Sempre. Desejos antagônicos só devem ser resolvidos pela anulação total do outro, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Ou pela anulação de si mesmo, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Sempre na esperança que a não-existência traga o não-desejo, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Ou que a aleatoriedade do gesto de puxar o gatilho seja o modo definitivo de saciar todos os desejos. Assim como em uma má novela em que o autor perde o rumo da história, alguém termina morto. Alguém sempre precisa morrer, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Mas tem certeza que você colocou uma bala no tambor deste revólver, Ivan?

– Você está louco, Bóris? Alguém poderia acabar se machucando!

Na manhã seguinte o corpo de Ivan foi encontrado ao lado da arma. Morto a coronhadas.

Sinistro, ora bolas!

ÁGUA DOS PRENDEDORES

Da série MINHA INFÂNCIA NÃO ATRAVESSA A RUA SOZINHA

Eu admirava a chuva. Não admiro o sol, gosto do sol. Admiração só pela chuva. Toda janela chuvosa é uma rodoviária. Como se fosse necessário acenar para os pássaros. Como se soubesse os pássaros pelo nome. A chuva torna minha rua uma cama de palha, chapéu sentado na mesa, fruteira encolhida. Com reverência, observava a obsessão das calhas abrindo as pedras, furando as pedras com a lâmina da queda. O lápis do relâmpago escrevia nas telhas mensagens psicografadas do musgo, do orvalho, dos liquens. Tremia o som. Um dia depois da torrente, recolhia no pátio os prendedores de madeira do varal. Sugava a água da madeira de cada prendedor, a água da chuva na madeira. Água com barro, como rio que se engole na hora de mergulhar. Água de poço mais do que balde. Água avoada, cicatrizada. Água de horta, de folha escorrendo como luz. Água de respirar. Não carecia de pudor de provar o escuro, invocar o inferno, adoecer com um paninho molhado na testa. E minha mãe ficava assustada pelo meu modo de pegar o pátio pela boca, de mexer na terra a toda hora, de tomar um prendedor com os cuidados de um cacto. Assustada de água. Se comia de menos no almoço, ela dizia que eram vermes. Se eu comia demais no almoço, ela dizia que eram vermes. Até hoje, já adulto, me recomenda tomar um remédio para vermes. Escrevo demais e deve ser resultado de vermes. Amo demais e deve ser resultado de vermes. Esqueço demais e deve ser obra dos vermes. Pouco, muito, bastante, raso, não importava a quantidade da ração, sempre alimentava estranhos em mim. Não dormia na sesta com medo de alguma erupção definitiva da pele. Não tive jardim, mas terreno baldio. O terreno baldio, na verdade, é um jardim. Um jardim alegre, com árvores nascidas aos socos da semente, a partir de caroços jogados como lixo e que cresceram como livro da saliva. O abandono também jardina. Passava horas circulando no desleixo trincado de capim e aves, com um canivete herdado do avô. Fiz arco e flecha e não entendia como a gravidade não me ajudava a voar acima do telhado. Se a boca tem joelhos, andavam esfolados. Amaciava o rude, o crispado, fazia oca de mata, fogueira de gravetos. Uma lata de Nescau terminava enegrecida como pneu de tanto requentar a sopa de folhas. Fui meu convidado e meu hóspede na infância. Não deixei de abrir a porta aos vermes. Esses vermes, coração emprestado, coração que não enxergo para morrer.

Fabricio Carpinejar

18.11.04

We’ve tried to run the city. But the city ran away.

(…)

Ela era dois anos mais velha, e discretamente diliça. Namorava um sujeito ainda mais velho, infinitamente chato, que fumava maconha e falava mal do Reagan o dia inteiro. Ele nunca soube por que ela o tomara por amigo. Mas se tornaram inseparáveis: redigiam ensaios em dupla, conversavam o dia inteiro, ela intermediava encontros com amigas gostosas, ele a ensinou a tocar I Shot the Sheriff na guitarra. O endosso de uma das vixens da classe o tornava instantaneamente menos bundão. A banda que ela ajudou a montar, se não ideal, pelo menos atraía 50 ou 100 gatos pingados ao bar de beira-campus em que tocava uma vez por semana, e ela sempre lá, aplaudindo, assobiando, “go, baby”. O namorado chato aparecia às vezes: gostava de Boomtown Rats, um perfeito exemplo prático para a expressão “abaixo da crítica”. Para desgosto dele, que vinha desenvolvendo alarmante crush de proporções catastróficas pela amiga, o namoro era sólido: três anos. E, como sempre, pânico: melhor não falar nada. Sabia bem seu lugar na escala geral das coisas.

Depois de muito lobby dela e de muita arenga do tio-avô e da tia-avó que o hospedavam e respondiam por seu bem-estar diante da família no país de origem, decidiu alugar um apartamento. No prédio dela, claro, uma arapuca decrépita ocupada metade por universitários perpetuamente falidos e metade por aposentados negros de Newark, que se iludiam com a idéia de estar “morando na praia”. Era uma kitchenette, como se diz em bom português, e sambada que dava dó. Mudou-se no meio da semana, arrumou seus poucos pertences, meio desanimado com a mobília cambaia, as paredes encardidas (filhinho da mamãe e nem sabia, o nosso herói), mas ainda assim orgulhoso: sua primeira casa. Na sexta, atravessou o rio pro primeiro show de sua vida na Cidade –no clube sopa de letrinhas onde tantas das bandas que o inspiraram haviam começado. Pra sua tristeza, ela não apareceu, e ele terminou dormindo com uma ou duas finlandesas chamadas Minna, contrabandeado para o albergue que as hospedava no bairro do alfabeto. No sábado, foi direto da Cidade pro trabalho –oito horas na biblioteca e depois um banho rápido na universidade e mais 10 horas tirando draft beer no balcão do bar. Chegou ao apê às cinco da manhã, 46 horas sem dormir e, quando abriu a porta, encontrou um novo sofá (usado), paredes recém-pintadas, uma estante de caixas d’água coloridas, uma cara de lar. E na parede oposta ao sofá-(cama), pichada com a letra inconfundível da amiga, a gigantesca inscrição “Teenage Wasteland”. Caiu dormindo com um sorriso nos lábios.

Levantou só ao raiar da segunda-feira, e a primeira providência do dia foi estacionar o Cutlass na frente da única floricultura da cidade, esperando impaciente que a proprietária nonagenária chegasse. Gastou metade das gorjetas do sábado (e dispensou metade das refeições da semana) no primeiro e exagerado buquê de sua vida, voltou ao prédio, onde escreveu o mais curto e honesto bilhete de todos os tempos (“Thanks. Love, F.”), usou a chave que ela lhe confiara e deixou as flores no apê da amiga, em cima da mesa. Aí, pânico: passou a manhã de aula tentando evitar um encontro com ela, a tarde de trabalho na biblioteca do centro de jazz preocupado com a possibilidade de que o namorado mala encontrasse as flores e entendesse mal (ou bem demais), a noitinha de ensaio agoniado com a possibilidade de que as flores fossem over, fossem corny, fossem brega como ele. Chegando em casa às nove, encontrou um bilhete na porta: “Join me for dinner, no matter how late”. Relembrou o trecho fatídico do diário de Hölderlin (“o mais triste, diante da mais bela das flores, é ter de dizer ao coração, por vezes bastante orgulhoso: cala. Não te é destinada”), mas tomou banho e bateu de leve à porta da amiga. Ela usava o vestido que ele mais gostava, orange como na canção de Mingus, velas iluminavam a sala, uma garrafa de vinho esperava aberta na mesa. Beijaram-se nos lábios, de leve, mas isso se tornara costume, uma marca de “how special you are, sweet boy".

Pode ter sido o vinho. Pode ter sido Steve Winwood cantando "Can’t Find My Way Home". Pode ter sido um triunfo da insana combinação genética que uma vez a cada 10 anos o arrastaria por esse mesmo caminho, mas por uma vez ele ignorou o pânico, abandonou a bravata, e deixou o coração falar, enquanto o macarrão horrível que ela cozinhara esfriava nos pratos. E, tendo dito o que precisava dizer, e agradecido tudo que tinha por agradecer, levantou, beijou a mão da amiga, assustado com a lágrima solitária que descia pelo rosto dela, e fugiu pra casa. “Cagão, cagão, cagão, palmeirense, cagão”, repetia ele, roído de remorso, arrastando os pés corredor abaixo. Mas, às duas e meia da manhã, ela tamborilou com as unhas na porta. “Dispensei o J.”, comunicou. E a natureza seguiu seu curso. (Meu, 20 anos esperando pra usar essa frase!)

(…)


reencontros no Filthy McNasty

gotícula de sabedoria:

Seria cômico, se não fosse comigo.
(porque id é de prata, e o superego é de ouro)

zhion

17.11.04

chororô gotas

Não sei se me entrego à gaiatice ou me mantenho fiel à tristeza. As duas me consolam na mesma exata medida.

nervocalm gotas

A Caverna da Ogra

Talvez eu devesse começar a publicar os meus sonhos eróticos. Certamente atrairia muito mais leitores do que as bobagens que eu penso que penso. Esses dias sonhei que o céu era um grande motel e que os anjos estava todos lá para me levarem para a cama. Exceto que não eram anjos desses de camisola e asinhas. Pareciam todos com homens normais, mas, ah, eu sabia que eram anjos. E descobri que cada vez que a gente sente uma súbita e inexplicável felicidade aqui na terra, é porque um anjo, ãhn, como direi, praticou o intercurso com a nossa alma lá no céu. (Sim, a idéia é que estamos aqui e ao mesmo tempo lá). Aí, bom, ãhn, como direi, eu, euzinha mesmo, pratiquei o intercurso com um anjo dentro de um elevador lotado. E logo depois fomos tomar banho num grande vestiário, também cheio. Em cada uma das portinhas dos chuveiros havia uma plaquinha com uma qualidade, e a gente deveria entrar num chuveiro que tivesse uma plaquinha que correspondesse a uma qualidade nossa. Me lembro de ter visto gente entrando em "inteligente", "engraçado". Eu entrei num chuveiro cuja plaquinha dizia "flacidez com dignidade". O meu inconsciente não é um lugar fascinante para se viver?

A Caverna da Ogra

16.11.04

a cirurgia

O antes

Uma semana antes da cirurgia, me mudei para um apartamento no Leblon. Sim, eu deixei a Urca e isso é uma outra história. O importante é vocês imaginarem o clima de mudança, encaixotamentos e desencaixotamentos, o desgaste de reforma no apartamento novo, contatos inevitáveis com os péssimos serviços das concessionárias (ceg, light, etc.). Resumindo: muito stress. Tanto, mas tanto, que eu nem conseguia lembrar da cirurgia. Tinha imaginado que ia passar os últimos dias fazendo contagens regressivas como faço com o aniversário todo ano, afofando meu velho nariz diante do espelho, ficando nervosa, etc., mas nada. Na-da.

Até que, dois dias antes da cirurgia e a pedido meu, a Claudia fez minha revolução solar. Urano na casa um. Casa um = corpo. Urano = o imprevisível. Somado a alguns outros aspectos esquisitos do mapa, ficamos todos apreensivos, especialmente a Claudia, que tem cara de valente mas é medrosa medrosa. “Se fosse eu, eu desmarcava”, ela disse, e isso mexeu comigo. E se fosse mesmo acontecer alguma coisa? Mas sei lá, eu sou adepta daquele velho ditado, ninguém morre antes da hora. No mais, se fosse mesmo a minha hora naquela sexta-feira, então de nada adiantaria eu desmarcar a operação, porque eu provavelmente seria atropelada, ou meu elevador cairía no poço, ou eu levaria uma bala perdida, etc. Ninguém morre antes da hora, mas também ninguém engana a morte. É o que eu penso. Por isso não desmarquei a cirurgia e deixei as coisas como estavam.

(…)

Eram 70% de obstrução e eu não podia mais viver assim, independente de Urano, Netuno, Saturno e companhia. Então, com a cara e a coragem, fui para o abate.


O durante

Como eu disse, eram aproximadamente 70% de obstrução. De uns tempos pra cá eu não andava dormindo bem. Imaginem o efeito disso numa pessoa que, nas condições naturais de temperatura e pressão, já é mal humorada e antipática. Dureza. Então cheguei tranquila e esperançosa no Hospital Samaritano, em Botafogo. Seis e meia da manhã era o meu horário de entrada, e a cirurgia estava marcada para as oito.

Já dentro do quarto, eu olhava a necessaire que tinham me dado na entrada, achando o máximo ter cotonetes ali, porque eu sou uma pessoa vidrada em cotonetes. Cada louco com a sua mania. Aí entra uma enfermeira para fazer uma pequena “entrevista”, antes que uma segunda viesse testar meus sinais vitais.

“Você sabe, assim, mais ou menos, o seu peso e a sua altura?”

“Sei sim, 1,60m e 51 quilos”, eu sabia o peso certinho por causa da recente consulta no cardiologista.

“E você sabe mais ou menos o seu tipo sanguíneo?”

Como assim mais ou menos? Tipo: sei sim, é mais ou menos A, mais ou menos B e mais ou menos + ou -.

“O negativo”, eu resisti à piada, porque a coitada da enfermeira já devia estar virada ali há dias. Vai saber. Mas foi difícil segurar o riso.

Depois disso, me deram um comprimidinho azul muito muito amargo que me fez capotar. Nem vi quando me levaram para o centro cirúrgico. Só senti a mão do dr. Ronaldo, o anestesista, me dando um tapinha no ombro direito e dizendo:

“Paula, a cirurgia já acabou. Você está sentindo alguma coisa?”

Eu abri os olhos lentamente, vi aquela aparelhagem gigante de iluminação bem em cima da minha cabeça e um curativo enorme no lugar do meu antigo nariz, um monte de médicos em volta e disse:

“Eu quero fazer xixi.”

O cara riu, claro. E claro, eu tinha que pagar um mico. Fui pro quarto e o xixi virou a primeira novela da cirurgia. A enfermeira Helena me trouxe uma cumadre, que é uma coisa que jamais deveria ter sido inventada porque é absolutamente impossível de ser usada e, por isso mesmo, não consegui fazer nada nela. Muita, muita força e nada saía. E todo mundo em volta me olhando, o que era ainda mais animador. De repente, algum movimento positivo.

“Duas gotinhas, PUTAQUIUPARIU!”, eu gritei, e todo mundo riu de novo. Já dava pra ver que eu estava bem e que, principalmente, a mudança do nariz não tinha afetado em nada a minha personalidade: eu continuava mal humorada.

Eu estava sofrendo, minha gente. A bexiga doía como se eu estivesse num Uno Mille, numa estradinha de terra fictícia que liga o Brasil ao Japão, sem arbustinhos. Até pra São Judas Tadeu eu pedi ajuda, e olha que nem católica eu sou. Enchi tanto, mas tanto o saco das enfermeiras que, apesar de ter acabado de sair de uma anestesia geral, aceitaram me levar até a privada. Aí sim, consegui fazer litros de xixi, e amigos, aquele foi o momento mais feliz da minha vida. Resultado: ano que vem lá estarei eu na missa dos desesperados pra agradecer a São Judas a mijada mais maravilhosa de todos os tempos.

O depois

Durante o primeiro dia, meu único sufoco foi esperar até às 17:30 para poder tomar água (que eu já não tomava desde as 21:00 do dia anterior). Senti na pele o que é morrer de sede no deserto e acreditem: não bom. Ao todo, das 17:30 até as 9 da manhã do dia seguinte, quando tive alta, calculo que tomei, pelo menos, uns 30 copos d’água. Fora de brincadeira. Conseqüentemente, como vocês podem imaginar, fui ao banheiro umas 50 vezes, carregando aquele tripezinho com soros e remédios pingando na minha veia. Pobre do Paulo, que passou a noite inteira sendo acordado pelo meu tléc tléc tléc pra lá e pra cá.

A noite. Ah, a noite. A noite foi um dos piores momentos. Eu tinha acordado às 5 da manhã pra ir pro hospital e, obviamente, estava exausta lá pelas 10 da noite. Mas e conseguir dormir, com um tampão no nariz, o ar seco do hospital, bebendo um golinho de água a cada dois minutos pra não ressecar a garganta completamente e indo ao banheiro de 20 em 20 minutos pra não explodir? Quando deu duas da manhã eu entrei em desespero. Caralho, eu ia passar três dias sem conseguir dormir! Tive uma crise de choro, chamei a enfermeira e perguntei se ela podia me dar alguma coisa pra dormir. Passei mais uns 20 minutos chorando, o que foi um espetáculo à parte, porque vocês não sabem como é chorar sem poder mexer o nariz e com um tampão impedindo as melecas de choro de caírem. Cá entre nós, eu não gostaria de estar na pele do dr. Torinko hoje, quando ele puxar este tampão...

Vinte minutos depois, a enfermeira me trouxe um Lexotan de 3mg – o que já é super forte pra alguém que nunca toma nada, como eu - e, mesmo assim, ainda demorei uma meia hora pra pegar no sono. Foi um sono ruim, duas horinhas cheias de pesadelos. Descobri que meu sono de Lexotan é um inferno (estou convivendo com isso desde sexta, porque ganhei de “presente” do hospital o resto da caixa, pra conseguir dormir em casa também.)

Mas o grand finale mesmo mesmo mesmo só foi acontecer no dia seguinte, quase na hora da minha alta. Desde o meio da madrugada, na hora do Lexotan, eu estava sentindo uma dor na mão que estava recebendo o soro. Então, no sábado de manhã, na minha milionésima visita ao banheiro, a mão voltou a doer, dessa vez de um jeito forte. Gritei pelo Paulo e, quando olhamos o curativo, o esparadrapo que prendia a agulha estava se soltando. Sentada na privada, fiquei dois segundos na dúvida entre soltar o papel higiênico e apertar a campainha para chamar a enfermeira. Dois segundos que foram o bastante para a agulha simplesmente se soltar da minha mão. Os olhos do Paulo se arregalaram e eu olhei para a mão, que jorrava sangue em jatos que mais pareciam saídos de um filme vagabundo de terror, de tão fortes e ritmados: shlopt, shlopt, shlopt... Paulo apertou a campainha, abriu a porta do quarto e começou a gritar pelas enfermeiras. Enquanto isso, eu olhei para a minha mão toda ensangüentada, a minha camisola toda vermelha e, no exato momento em que me senti a própria Carrie, a Estranha, a enfermeira apareceu na porta do banheiro e eu disse:

“Estou ficando tonta”.

Devagarinho, encostei a cabeça no azulejo gelado e apaguei. Nunca tinha desmaiado antes na vida e foi bem esquisito. Porque, quando acordei, não me lembrava de quem eu era e, menos ainda, quem eram aquelas duas mulheres que tentavam me arrancar da privada e me carregar. Eu me debati um bocado mas elas acabaram conseguindo me arrastar, toda suada e ensangüentada, até o sofá do quarto, onde ficaram me reanimando com um ventinho na cara, pernas pro ar, etc. Patético, mas eu não podia sair do hospital sem dar um showzinho, né?


O diagnóstico completo está na enfermaria do Epinion - mau humor, mentiras e fé patológica

14.11.04

Extra, Extra: Acabaram as Virgens!!!

Ontem, no enterro de Yasser Arafat, ALAH, o Misericordioso, apareceu em pessoa diante da turba mal vestida, a fim de prestar suas últimas homenagens ao mártir, líder, guerrilheiro, estadista e vendedor de toalhas e tapetes palestino.

Num pronunciamento que promete dar novos rumos ao conflito árabe-israelense, declarou, ligeiramente consternado, que o estoque de virgens do paraíso muçulmano acabou.

"É com pesar que tenho de informar que a escalada da violência nos últimos anos esgotou meu estoque de virgens. Sou grande mas não sou dois, oras! Vocês têm idéia de como seja difícil arranjar uma virgem hoje em dia?"

Terroristas, que disparavam suas armas para o alto e tiravam fotos ao lado de criancinhas, imediatamente pararam seus festejos beligerantes, estupefactos.

"Sim, vocês fizeram grandes coisas no passado, como as derrotas sucessivas do século XX atestam, mas está na hora de parar com essa história de Jihad e retomar as negociações pacíficas."

"A verdade é que depois do desastre em Fallujah, vou precisar de pelo menos duas ou três gerações para repor as virgens. O grande satã branco venceu."

Berros e uivos indecifráveis irromperam na multidão, e logo dezenas de fuzis zuniam contra o suposto Alah, que recebeu com desdém a saraivada, dizendo:

"Olha, se vocês fazem tanta questão de morrer e matar em meu nome, eu ainda tenho algumas gordinhas pra distribuir, mas é só."

E após tais palavras, desapareceu numa nuvem de areia etérea.

A cúpula do Likud espera obter um tratado de paz definitivo em cerca de quarenta dias, próximo ao Hanukkah -- espécie de natal cheio de velas e sem nenhum presente.

---

Coleta Seletiva de Lixo

É o que faço quando vou ao supermercado.

Procurar algo na TV às noites de sexta também não é muito convidativo.

dies iræ

11.11.04

Deveres cumpridos

A casa suspira, confusa porque cega, surda e amputada. Ela pensa que a meia-noite é o meio-dia, enquanto três torneiras secas assoviam e a aranha papa-mosca, aprisionada num armário vazio, desce lentamente pelo espelho do avesso da porta.
Foi-se embora a última molécula de perfume. Agora, nem mesmo a morte caminha pelos quartos; já cumpriu seus deveres e partiu com duas traças penduradas no canto da boca.

Dennis D.

Monólogos de Otis 1

- Oi. Posso sentar aqui?

- Não, eu estou esperando alguém.

- Obrigado. Meu nome é Otis.

- Hã? Desculpe, mas é que esse lugar já está...

- É, é, Otis. Estranho, né? Deve ser por isso que todo mundo me chama de Costa.

- Senhor, eu não quero saber o seu...

- Miranda? Nome bonito. Já li algum livro que tinha uma personagem com esse nome.

- Olha, o meu namorado está chegando...

- Bem, eu me formei em biblioteconomia, mas trabalho como cirurgião plástico.

- Olha só, acho que está havendo um mal-entendido.

- Administração? Legal. E se forma quando?

- Meu senhor, você não está ouvindo nada do que eu falo, né?

- Calma, Miranda. Acho que a gente precisa se conhecer melhor antes.


vida mais ou menos

10.11.04

Máquina & Cheiro

Máquina.

Hoje minha avó resolveu mexer nas coisas guardadas dela.
Pra quem sabe o que são coisas guardadas de avó sabe que isso não é uma notícia muito boa, porque sempre resulta em choro de saudade, poeira, teia de aranha, história de como você era boazinha quando pequena e agora é uma peste e outras mais.
Resolveu pegar o livro de quando ela era Filha de Maria lá na Comunidade São Judas em São Paulo e foi folheando e vendo todos os santinhos, todas as lembrancinhas de primeira comunhão da família toda, a mais nova acho que era de 1960.
O primeiro cachinho de cabelo do primeiro filho, amarrado numa fitinha, o umbigo dos 5 , todos guardados numa caixinha de metal e o primeiro dente deles.
A primeira cartinha da filhinha: " Mamaezinha querida, perdoe meus pecados porque passei o mes todo rezando". Sei, no mínimo ia levar uma surra!
E as lembranças vieram com cada papelzinho, fotografia, bonequinha, até chegar numa nota fiscal.
- Olha vó, a nota fiscal da sua máquina de lavar, que meu vô te comprou em 1983! Comprou a vista hein? Que chique!!
- Como assim máquina de lavar? Teu avô nunca comprou máquina de lavar pra mim aqui em Pinda, a minha eu trouxe de São Paulo.
- Ah vó claro que comprou, olha aqui a notinha!
- Não comprou, eu não sou louca!!
- Ah, deve ser entao o presente de casamento do Alexandre!
- Foi geladeira, não foi máquina!
Tentamos resgatar todas as possibilidades e realmente não lembramos de nada, até fiz um teste com ela e ela lembrou de cada geladeira e cada fogão, não haveria de esquecer da máquina. Abafei o caso, mudei de assunto, mas a notinha era de máquina de lavar brastemp, comprada pelo meu avô.
Fechamos tudo e fomos pra sala, eu achando que ela tinha esquecido, quando meu pai apareceu na frente dela ela já começou gritar:
- Pra quem o filho da puta do seu pai comprou uma maquina de lavar, e a vista ainda por cima, pra mim era tudo a prazo, bando de sem vergonha!
- Que máquina??? Ué, deve ser pra senhora!!
E voou um copo pra cima do meu pai:
- Filha da puta voce acobertava as semvergonhisse do seu pai, no minimo foi pra alguma puta, ta vendo como a gente descobre as coisas?
- Ah Vó, se fosse escondido nao estaria a notinha no meio das coisas!
- Mas homem é tudo burro, não sabe nem fazer as coisas escondidos!
E foi o prato pro chão.
- Ou você me diz pra quem foi essa máquina ou eu não como nunca mais!
- Mãe, eu nem morava aqui!!!! Fazem 21 anos!!!!!
- Sem vergonha, pilantra, pensa que eu me esqueço das coisas é?
E assim passou o dia, xingando meu avô, tentando lembrar pra que puta ele teria dado a máquina Brastemp antes de morrer. E lá se foi todas as boas lembranças anteriores do livrinho de batizado.
- Mas eu acerto as contas com ele, deixa eu morrer que ele vai ver só, porque dessa eu não vou me esquecer.

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Cheiro

Hoje vieram dois técnicos da telefônica arrumar meu speedy, tava um calor insuportável e meu quarto ficou com um cheiro danado de homem trabalhador. Quando eles foram embora, tratei de fechar a porta e a janela, que é pra ver se o cheiro permanece por mais uns 4 dias.

Fata em Casos & Acasos

AMOROSO CONTÍCULO DE TERROR

Eis portanto o ainda tão belo rosto de Marcela com as lisas feições coaguladas e emolduradas pelas vivíssimas flores na borda do caixão. Como eu adoraria despejar tudo agora, agora, e que daqueles traços embaçados renascessem aqui e ali filetinhos de sombra, ensaios de espasmos ou mesmo tonalidades de cor, angústia e desejo de vingança; como me deliciaria ser o primeiro a perceber alguma forma de vida se espreguiçando para acordar encolerizada nesta fisionomia irritantemente sossegada, a partir de minha revelação: óbvio que te traí, meu amor. Te traí com todas as letras e todas as tuas amigas, te enganei tantas vezes quantas me permiti deixar a consciência guardada na gaveta do criado-mudo e sair à noite para meus, abre aspas, plantões. Não deu tempo de eu te ver me vendo tirar acintosamente a máscara de cirurgião tão apegado ao juramento de Hipócrates e pronto a correr aos leitos de hospital, a qualquer hora da madrugada, para acordar nas camas de Lenora, Helena, quem fosse. Meu sonho era ver teus sossegados olhos se abrindo de supetão e ah, finalmente dando acolhida ao maravilhoso brilho do rancor, presos ao meu olhar tão despudoradamente confessional, ao meu rosto sóbrio não mais te mentindo – mas pronunciando devagar e sereno as pontiagudas sílabas feito inesperada admissão no tribunal de júri, de deixar juiz e advogado tontos: te traí, meu amor, tantas vezes e não, jamais eu perderia a conta. Foram cento e noventa e duas, sem contar as três que – o que vejo? O que vejo, por deus, senão um filete de sombra, um pequeno espasmo no canto da boca de Marcela? Um projeto de sorriso que já estaria lá e eu não havia ainda me dado conta? Assim como os olhos, que me guardavam desde sempre por baixo das pálpebras tão fingidamente assentadas? Quem finge o quê, aqui? Tento avaliar melhor o traço giocondo no canto daqueles lábios mas não consigo; a última coisa que vejo é Marcela esticando as sossegadas mãos para fechar a tampa do meu caixão. Tudo escuro.

Ao Mirante, Nelson!

9.11.04

Americanos dominam Fallujah prédio por prédio

Os dois soldados estavam retidos em um telhado, agachados contra um muro baixo que estava desmoronando, enquanto rebeldes disparavam granadas propelidas por foguetes contra eles de um prédio próximo, no meio da cidade.

Horas depois, eles subiram com dificuldade sobre um aterro ferroviário --que os protegia, segundo soldado engenheiro-- e começaram seu avanço nesta cidade dominada pelos rebeldes. Os comandantes requisitaram fogo de artilharia contra o prédio de onde vinham as granadas, com suas caudas cuspindo e brilhando como fogos de artifício contra o céu escuro. Mas a artilharia apenas demoliu o prédio vizinho ao ocupado pelos rebeldes.

"Isto é loucura", disse um dos soldados.

"É", respondeu seu colega, "e só tomamos uma casa".

Isto é uma guerra urbana, na qual as vantagens tecnológicas das forças armadas americanas podem ser anuladas, pelo menos por algumas horas assustadoras, por poucos combatentes determinados em um depósito ou casa abandonada. Nesta noite, os rebeldes dispararam sinalizadores brilhantes vermelhos e azuis, cegando o sensível equipamento de visão noturna dos americanos, e se deslocando rapidamente de uma casa para outra na esperança de confundir a artilharia.

Por horas, eles tiveram sucesso, retendo cerca de 150 marines liderados pelo capitão Read Omohundro, um robusto diplomado pela Texas A&M que tem o hábito de caminhar ereto em meio a rajadas de fogo de morteiros e granadas enquanto todos os demais estão abraçados a um afloramento de concreto.

Mesmo Omohundro reconhece que isto é muito diferente de uma luta no deserto aberto, onde os americanos sempre estiveram fadados a vencer --e rapidamente.

"O desafio é que o campo de batalha é tridimensional", disse Omohundro. "Você não apenas tem que olhar para frente e para trás, mas também para cima e para baixo --até mesmo para o subterrâneo", disse ele.

Esta noite se tornará uma ilustração de manual destas complexidades. A unidade de Omohundro começou a avançar na direção da berma em veículos blindados de transporte, que deixaram um acampamento a cerca de 1,5 quilômetro ao norte por volta das 19 horas. Ele deveria se encontrar lá com outra unidade -mas ela se perdeu.

Finalmente ele a encontrou, e seus homens iniciaram sua parte da invasão disparando uma longa corda de 200 metros, contendo mais de 800 quilos de explosivos, na direção sul da berma, para o centro de Fallujah. Os soldados temiam que o caminho para a cidade estivesse minado. Mas quando a carga explodiu, ela também disparou qualquer mina que estivesse no caminho estreito ao seu redor.

Tal tática funcionou, mas quando os soldados escalaram a berma na escuridão total e foram além, eles descobriram um terreno rochoso irregular, com sucata enferrujada enchendo o caminho -uma típica área ferroviária nos limites da cidade. Eles abriram caminho rumo ao seu primeiro objetivo, uma pequena rotatória, e além dele, os primeiros prédios da cidade.

Mas os soldados começaram a receber fogo antes mesmo de passarem pela berma. Esporadicamente, a área explodia com tiros, granadas propelidas por foguete e morteiros. O avanço emperrava enquanto avistadores tentavam localizar as posições dos rebeldes e eliminá-los com armas pesadas.

E por um momento, este assustador campo de batalha urbano se tornou uma cacofonia pulsante de sons estranhos e mortais. As mesquitas da cidade transmitiam convocações de jihad por meio de seus alto-falantes. Os F-18 realizavam 3 mil disparos por minuto em rajadas que soavam estranhamente como arrotos. Aviões AC-130 zuniam no alto, com seus canhões disparando à medida que encontravam alvos.

E talvez o mais estranho de tudo eram as tropas americanas, que trouxeram seus próprios caminhões de "operações psicológicas", tocando em alto volume antigas canções do AC-DC, algo que soava como um barulho de sonar e o sinal de ataque da cavalaria, criando com isto um dueto de pesadelo com as mesquitas.

Omohundro não gostava de ficar sentado parado neste teatro apocalíptico, e por um bom motivo. "Meu maior temor é permanecer no mesmo local tempo demais", disse ele. "Eles nos localizarão e começarão a atirar."

Eventualmente a artilharia encontrou a casa de onde partiam as granadas e a demoliu também. Um AC-130 passou no alto, mas decidiu que aquela ameaça tinha sido aniquilada juntamente com o prédio.

Então os disparos recomeçaram, de outra janela entre as ruas rachadas e becos retorcidos de Fallujah.

Dexter Filkins, Em Fallujah, Iraque,
Tradução: George El Khouri Andolfato
UOL Mídia Global

8.11.04

Menos Ilusões

Houve um tempo em que o que eu queria de uma mulher, de verdade, era que, quando eu falasse de Morricone como o maior criador de trilhas sonoras do cinema, ela não esperasse eu acabar, e me assobiasse a cena final do O Clã dos Sicilianos. Na sequência, faria uma ou duas frases citando Jean Gabin e Alain Delon. Não precisava nem mencionar que Lino Ventura também trabalhava no filme. Hoje, anos de expectativa depois, só espero de uma namorada que ela me dê uma TV plasma no meu aniversário. Já não tenho tantas ilusões.

(…)

AMARAR - De Volta à Capitar

A História é escrita pelos vencedores

Que bobagem! A História é escrita pelos historiadores. E historiadores são losers.

Yabbai

7.11.04

É necessário que eu acredite nisto.
É como crer no além.
É como crer no amor. E eu tenho que me agarrar a isto, é preciso.
Porque se eu não fizer nada disto, é como estar morto.
Mesmo que você cuide de mim quando tiver tempo, é como estar morto.
Mesmo que o tempo me prometa dias alegres, é como estar.

Meu Paredro

Em Cacos

Estou em cacos,
mas cintilo ao sol.
Partir-se em mil
foi a parte difícil,
estar em pedaços
é do que me orgulho.
Não procuro
recomposição.
Recomponham-se
os fracos.
Minha força está multiplicada
por minhas partes espalhadas
no chão.

por Ticcia Megeras Margérrimas

Para Morar Sozinho

Definitivamente, não tenho vontade de morar sozinho. Nenhuma. Simplesmente não vale a pena. Acredito que o ser humano não foi feito para morar sozinho. Afinal, de que vale uma existência se não tem ninguém pra incomodar, reclamar ou limpar a sua sujeira? De nada! O ser humano gosta de incomodar os outros. Isso lhe traz respostas emocionais.

Não deve ser nada legal ser um ermitão, por exemplo. Não toma banho, ninguém reclama do cheiro. Se quiser incomodar alguém, pode até jogar uma pedra num passarinho, mas o resultado será sempre o mesmo. E toda a individualidade desaparece. O ermitão só faz sucesso se tem alguma vila ou cidadela perto. E mesmo assim, é cada vez menos popular.
Estatisticamente, todos que moram sozinhos desistem cedo ou tarde. Por exemplo:

Não moro mais sozinho porque:
13% - conta de luz é muito cara.
12% - perdi as chaves de casa.
18% - vejo vultos e ouço vozes e falo comigo mesmo.
20% - uma cigana me parou na rua e falou que era o melhor a fazer.
21% - morri.

Esta pesquisa não tem caráter científico, mas, qual tem hoje em dia? Preciso escrever um diálogo, esses pensamentos estão me matando.

Chicken Dog

papelzinho

Num livro que eu nem sabia que tinha, tou estudando mais um bocadim dos sumérios pra aula 1 do polvo e achei, num papelzinho dentro desse livro, com a letra fininha do meu pai, a lista das principais cidades da Suméria.
Chorei um pouco, claro.

Umma
Erech
Lagash
Ur
Kish
Adab
Eridu
Nippur

no ¡Drops da Fal!

Librium Valium Rivotril

Numa manhã de abril, o dr. Orlando da C. M. chegou cedo na clínica para aplicar o psicotécnico. Escrevam sobre suas impressões de infância, ele disse. O que lhes vier à cabeça, não precisa elaborar. Têm 20 minutos e depois me entreguem. Mais não disse. Baixei os olhos e fiquei um tempão olhando para a folha em branco. Tudo o que queria era caprichar na caligrafia

--- "eu era pequena e não sabia que tinha de ser brasileira, branca, católica e mulher. gostava do mar e de fronhas limpas. e de ver a água escorrendo pelo ralo. matava formigas e queria saquear supermercados. me impressionava com os cérebros de boi no açougue e ameaçava jogar-me de qualquer janela porque achava que ia voar. não gosto de matemática. só queria roupas desbotadas. amava minha mãe quando apanhava dela e quando ela apanhava do meu pai. tinha fascinação pelo revólver do meu tio e pelo saxofone do vizinho, mas só podia brincar com a cadela da vizinha. minha irmã era a melhor aluna. eu era a mais bonita. toda sexta-feira santa me carregavam para beijar os pés de Cristo. me apaixonei por uma judia mas namorei um gordinho ruivo. odeio gente pão-dura. ou sovina, me ensinou a professora. não gosto de charadas. fugia das marcas que meus pés deixavam na areia. fazia xixi com frequência para sentir o impacto do chuveirinho do bidê. quando crescer vou ser médica, cardiologista. o senhor já teve caxumba? quando passo na frente de espelhos só vejo meus cabelos, minha boca, meus dentes, meus braços, minhas mãos, meus peitos. o resto embaça. acho a vida meio sem graça. tenho medo da morte. por isso já quis ser freira, guerrilheira, um milionário, uma rainha, um pássaro. já quis ter a boca enorme pra poder tocar trompete. sou desafinada. minha coleção de quadrinhos eu escondia no fundo do sofá. depois que aprendi a ler eu cantava qualquer música de trás pra frente. numa aula de redação fiz meu primeiro poema porque me pediram. era mais ou menos assim:

Librium Valium Rivotril
Oceano Atlântico
Dalmane Paxipam Verstran
Oceano Pacífico
Xanax Serax Centrax
Oceano Índico
Quaalude Halcion Doriden
Oceano Ártico

agora acabou, falta um minuto só. o senhor aceita um biscoito de chocolate?"

Coloquei o papel na mesa do dr. Orlando e fiquei ali, esperando. Ele leu porque devia ser muito curioso e depois me encarou. Os olhos arregalados. Eu estava sem dúvida muito bem maquiada naquela manhã.

Maira parula em típica Prosa Caotica

Seus Olhos

Desde que se encontraram naquela noite, na praça, ela jamais tirou os olhos dele. O que o obrigou a uma atitude drástica: matou-a e tomou seus olhos de volta.

Letra Morta nA Praça

Vivemos em tempos estranhos e sem nobreza.

E as pessoas buscam cultura nos locais mais improváveis: filmes, raps, anúncios de cigarro, rótulo de tinta suvinil, sopas de letrinhas.

"Oh, estou lendo um post edificante, estou aprendendo, estou crescendo enquanto pessoa, física e talvez até jurídica."

A mera idéia de que um filme tenha por fim o entretenimento, por exemplo, soa absurda. Ou a de que um rei pode, no fim, trazer lucros ao país -- mas a família me proíbe de falar sobre monarquia, bem ou mal.

Mozart nos comentários de dies iræ: Liberdade e Fraternidade

6.11.04

A tomada do poder

O patrão me concedeu o poder e se mandou outra vez para uma das muitas ilhas onde ele se refugia, com uma de suas esposas e alguns de seus quinze filhos.
Estou responsável por mudar o layout.
O patrão fez sugestões grandiloqüentes a respeito do layout, algo branco, algo moderno, algo clássico com alguns cartoons. Algo que pareça sério e lunático ao mesmo tempo. Ele contratou a pessoa certa para esse trabalho, afinal, os senhores sabem, eu comando um chá maluco com mão de ferro.
Esse verde mausoléu está com os dias contados.

Muito bem.

Alguém tem alguma sugestão?
Cuidado, eu estou no poder, não me irritem.

A Mulher Insuportável Que Faz Chá

Abordagem surpresa

Sentada na sala de espera de um consultório, em pleno domingo, de óculos escuros para esconder a cara de quem não dormiu tudo que devia e com a cabeça pesada sendo segurada pela parede. A senhorinha sai da sala da médica e me dá boa tarde sorrindo. Retribuo o sorriso e o boa tarde.

-- Minha filha, você é crente?
-- Hã?
-- É crente? Você parece uma serva do Senhor.
-- He. Não, sou não.
-- Quando lhe vi chegando antes, vi logo a luz de Jesus em você.
-- (o que se diz nessa hora? Amém?)
-- Amém.
-- (olhaí...) Amém.
-- Já visitou alguma igreja evangélica?
-- Não, nunca. Eu s...
-- Tem uma bem aqui perto, apareça lá. Deixe eu lhe dar uma oração, tome. Espero lhe encontrar de novo.
-- Mas é que eu sou...
-- Uma serva do Senhor. Que bonita. Até logo, minha filha!
-- Er.. até.

clarices

4.11.04

Ontem vi num telejornal: o Dia de Finados foi instituído "para estabelecer um diálogo entre mortos e vivos". Eu, hein... Tô fora. Ficam dando muita confiança, daqui a pouco defunto vai querer discutir a relação.
...
Defunto bom é defunto morto.

catarro verde

Enxulapando a Mocréia

Dei um tapa aqui na bagaça. De um modo bastante amador, na unha mesmo. Mas é o que temos para o momento.

O outro template eu achava meio claustrofóbico.

O que vocês acharam? Deixa esse fundo amarelo hepatite ou muda pra branco?

abraços gerais,

O Administrador da Formidável Bagaça


Update:
Ok, ok, OK!!! Entendi a sutileza da mensagem! :)
Voltou o verdinho básico.
Dei uma olhada nos templates genéricos do blogger e esse é um dos menos piores mesmo.
Me irritam um pouco as colunas fixas. E a coluna da direita é muito larga para a sua inutilidade.
Parece que há uma maldição no código fonte avisando que se você mexer no tamanho das colunas os cantos arredondados irão assombrá-lo a noite. Sei lá.

Esse verdinho-abacate-diarréia também sei lá.

Obrigadíssimo pelos comentários. Continuamos aceitando sugestões de forma & conteúdo.

3.11.04

Nem todos os santos salva

Desde Abel sabemos que churrasco é coisa excelente.

Quando havia espaço em minha casa, pelo menos duas vezes por semana dávamos um churrasco. Sempre achei que se faz pouco churrasco no mundo. Também sempre achei que o rap deveria ser música puramente instrumental, com temas escandinavos e coristas idem, mas isso não vem ao caso.

O único problema do churrasco é aquele pequeno inconveniente técnico de saber se o espeto está ou não sujo; se a desprezível crosta constitui ou não uma ameaça à saúde pública. Sempre há um germófobo pra torrar o saco.

- Fica tranqüilo, isso aqui não é sujeira, não...
- Mas como, homem? Se só falta andar!
- Sujeira não anda.
- Pois então.
- De qualquer modo, basta esquentar um pouco
- Meu, limpa logo esta merda.
- Mas cê é ignorante mesmo, hein? Nunca ouviu falar de Louis Pasteur?
- Ouvi de Lavoisier. Serve?
- Francês é tudo viado...

Daí para se fundar uma sociedade secreta o passo é curto. Discussão semelhante tem o dono da padaria com o encarregado da chapa, porém o desfecho desta preferimos não saber. Também não queremos saber a procedência da carne de certos churratos por aí. Se gênio e loucura se confundem, dane-se a busca pela verdade!


(i) Mas... por que são poucos os churrascos do mundo?

A meu ver, a culpa é desta dicotomia moderna entre sexo e churrasco; acidente histórico que cedo ou tarde findará. Prazeres carnais sempre andaram juntos, e sempre andarão. Prazos e prazeres, não.

(ii) Qual deve ser a proporção de mulheres e homens no churrasco?

A fração áurea, é óbvio. 1,618, Fi.

(iii) Batatas inglesas são erradas?

Não em romances de Nelson Rodrigues, mas eu ficaria longe da churrasqueira neste caso.

dies iræ

O INCÊNDIO VESPERTINO NAS PISCINAS DOS SUBÚRBIOS

Quando lecionava escrita criativa na Iowa University, John Cheever propunha três exercícios a seus alunos:

1] A escritura de um diário por ao menos uma semana, um diário onde aparecesse tudo: sentimentos, sonhos, orgasmos, todo tipo de sensações, desde as mais íntimas até a descrição da cor de garrafas vazias ou prestes a serem entornadas;

2 ] O segundo passo consistia na composição dum conto onde sete personagens ou paisagens que aparentemente não tivessem nada a ver surgissem inevitável e profundamente relacionados entre si;

3 ] O terceiro passo -- e esta era a sua lição favorita -- era redigir uma carta de amor como se estivesse escrevendo num edifício em chamas -- "Um exercício que nunca falha", dizia.

HOTEL HELL

Vi maravilhas
E mais maravilhas veria

Se o futuro fosse mais rápido que a morte

SMART SHADE OF BLUE

2.11.04

Estou fritando ovos e converso comigo mesma. Amanhã é dia dos mortos e não sei se B. telefonará para irmos ao cemitério. Meu deus, eu não sei conversar com gente morta. Não é coisa que se aprende na escola ou em livros de filosofia. Aprendemos a chorá-los e a levar flores. Mas quem disse que gostam de flores e de gente lamurienta e viva ciscando em volta de seus túmulos? Talvez eu pudesse distraí-los. Botá-los a par das novidades. Das últimas descobertas da ciência. Das últimas guerras. De uma mudança nos hábitos. Do fim das baleias. Se o Messias voltou afinal. Se o mundo acabou. Se os extraterrestres chegaram. Eu poderia conversar muito e ninguém se importaria de ver-me falando sozinha. Nos cemitérios podemos ser loucos sem chamar atenção. Dizer-lhes que ainda não descobriram a vida eterna mas que falta pouco seria sacanagem da minha parte. Penso então numa piada, na história de um filme que eles não viram, numa música. Sim, uma música. O que um morto gostaria de saber? Adoço meu café e o sol tremelica na janela da cozinha. Por que Deus não sai daqui e os deixa tão sozinhos?

Prosa Caotica

Legião

Metrô, passa de meia-noite. O sujeito entrou no vagão empunhando um violão folk e com uma gaita presa ao pescoço. Apresentou-se aos ilustres passageiros e começou a tocar um blues. Ninguém deu muita atenção. Um preto que viajava em pé o chamou para fazer um pedido. "Pronto", pensei eu, o mulato racista, "lá vem pagode". Qual nada! O cara tinha pedido Legião Urbana, que é o que as pessoas pedem quando há um violão por perto. Foi bonito de se ver: o cara começou a tocar Será. Uma moça começou a cantar junto, dois bêbados se juntaram a ela, eu somei minha voz ao coro, e logo o vagão todo estava cantando. Ao final, todos aplaudiram. O músico mambembe, espantado com a reação, esqueceu-se de passar o chapéu e saiu do trem agradecendo.
No mesmo instante, me lembrei de quando Renato Russo morreu. No domingo seguinte, os amigos vieram aqui em casa (foi numa época distante, quando os amigos me visitavam, quando conversávamos sobre o futuro. Agora o futuro chegou, e é uma bela porcaria). Estávamos conversando na sala, falando as bobagens de sempre e assistindo TV. De repente a TV e a luz da sala se apagam: queda de energia. Fomos procurar velas, acendemos algumas e continuamos a conversa. Peguei o violão e comecei a tocar alguma coisa da Legião Urbana. Terminei a música, e um deles pediu outra. E depois outra. Só Legião Urbana. Cantamos até a Eletropaulo resolver o problema, à luz de velas, como num ritual em memória de Renato Russo, cujas letras haviam embalado nossa adolescência recém-terminada.
Hoje há uma tendência a se subestimar as músicas da Legião Urbana, tidas como infantis, bobas, cheias de lugares-comuns. Isso pode até ser verdade, sei lá. Eu sei que o adolescente ingênuo que eu era então ouvia aquelas letras e só conseguia pensar, "Puxa, eu não estou sozinho". O que era ingenuidade demais até para mim: é claro que estou sozinho, todos estamos.

Jesus, me chicoteia!

Memórias de Finados

SEMPRE chove. Não sei se o truísmo se aplica a outras regiões do risonho e franco Bananão mas, no contínuo espaço-temporal Noronha, o feriado que eu “telescopei” na infância sob a definição “dia de todos os mortos” envolve necessariamente chuva. Na infância, envolvia também necessariamente viagem, ou melhor, aquela espécie de migração de horda mongol que nossos pais então entendiam por lazer –babbo, mamma, mana, nonna, tia(s)-avó(s), Fudílson, e mais tias e tios, alcatéias de primos, caixotes de comida, engradados de bebida segunda linha (por exemplo, refrigerante “Cerejinha” e “Laranjinha”), tudo embarcado laboriosamente nos Galaxies, Dodges, Veraneios e outros paquetes low-tech sobre rodas que nos serviam de transporte durante horas de congestionamento a caminho da praia ou do campo, e conduziam a outras tantas horas infernais de confinamento chuvoso para as crianças, aprisionadas em grupo de 14 no apartamento de um quarto em São Vicente.

E se bem a descrição acima seja um resumo razoavelmente realista de uma boa dezena de Finados, era tudo muito divertido. Hoje, como fotos de convescotes comunistas retocadas à força de cisões, execuções, expurgos, dissidências e expatriações que só deixam Fidel e a múmia de Lênin um em cada ponta do quadro, a foto Noronha de Finados teria muito mais lacunas que presenças. O 2 de novembro se tornou mesmo um “dia de todos os mortos”. As viagens, quando ocorrem, são muito mais confortáveis e, suponho, muito menos divertidas. Tudo mais mudou. Mas ainda chove, e não sei se por insônia ou essa nostalgia idiota que me vem tomando nas últimas semanas, eu vejo os mortos da minha vida na chuva –Vó Joanna, tia Hilda, Bea, os tios, as tias, os amigos perdidos. O véio. Não posso afirmar que lamento cada um deles com aquele pesar exquisite dos estetas devotos do láudano, mas alguns ali nunca deixam de fazer falta, e servem como abre-alas para uma segunda multidão de “mortos”, por sorte menos literais mas ausentes da mesma forma. Como se essa garoa ranheta servisse de prece para todos eles.

Talvez a solução ideal seja mesmo a mexicana, transformar o Finados em um segundo carnaval, preparar um altar de muertos em casa e sair bailando pela rua, depois da refeição acompanhada por golletes e pan de muerto, até terminar a baderna com uma imensa bebedeira na terça-feira, vestindo a careta, a máscara de espantar mortos que serve para reconduzir a legião de ceased-to-be de volta às covas, ao final da festa. Porque o Noronha pentelho que observava com olhar tão crítico as mazelas familiares nas viagens de Finados de sua infância aprendeu, enfim, tantos mortos mais tarde, que os rituais existem para fins muito palpáveis, e que a chuva oficial do feriado lava indistintamente as lágrimas e a manguaça. Como escreveu o notável compositor mexicano Don Pedro Townshend,

"Only love
Can bring the rain
That makes you yearn
To the sky
Only love
Can bring the rain
That falls like tears
From on high

Love
Reign o'er me
Rain on me
Rain on me"

E que todos fiquem em paz.

Noronha, o meditabundo R.I.P.

Estava vendo uma matéria sobre a Xuxa e a Sacha. Fiquei imaginando quando a Sacha começou a falar.

"- Fala papai."

"- Ivete."

"- Não filha, essa é a titia. Fala papai. pa - pai.

"- Marlene."

"- Ai, desisto."

Queer Closet

Na Parada Gay

- Olha lá Juce, olha! Vê se não é o Waldir, filho da Marly!
- Aquele vestido de romano?
- O de gladiador!
- Ah sim, desde pequeno que ele é homessexual?
- É sim!
- Waldir, Waldir! Olha aqui, a tia Juce! Como cresceu...Waldir!
(Waldir acena)

*

Uma mulher foi às compras num supermercado e pegou:

- 2 caixas de leite integral,
- 1 dúzia de ovos,
- 1 litro de suco de laranja,
- 1 alface americana,
- 1 kg. de café e
- 1 pacote de bacon fatiado.

Enquanto ela passava as compras do carrinho para a esteira do caixa, um bêbado, atrás dela, a observava.
Enquanto o caixa registrava suas compras, o bêbado calmamente disse:

- Você deve ser solteira.

A mulher ficou um pouco espantada com a declaração, e intrigada com a intuição do bêbado, já que, de fato, era solteira.
Ela olhou os seis ítens sobre a esteira e nada viu de particular, em sua seleção, que pudesse sugerir ao bêbado seu estado civil.
Com a curiosidade aguçada, ela disse:

- O senhor está absolutamente correto.
Mas como, diabos, conseguiu descobrir isso?

E o bêbado:

- É porque você é muito feia!

Vida de Bete