30.9.03

Sexta-feira em Lampiao City .

Ontem desenhei pessoas e árvore e casa na dotôra psicológica. A coitada disse que eu era inteligente, brigada, mas fiquei preocupada com o jeito que ela olhava minha casinha.

Depois fui encontrar com Dedé Soneca e Simone Yeltsin no Mezenga. Sim, existe uma lanchonete aqui em Lampião City cujo nome é Mezenga. Não é original? Um pouco mais à frente, em frente ao Colégio Diocesano, uma blitz com aqueles soldados de chapeuzinho vermelho. Porque esqueci de dizer que desde a chacina vivemos uma espécie de estado de sítio: 200 policiais na cidade pedindo para que as pessoas ousadas e destemidas que conversam sentadinhas na calçada - assim, àquela hora do jornal ou da novela - entrem em casa, helicópteros com potentes fachos de luz sobrevoando os quintais todas as noites, viaturas de todos os tipos, naipes e modelos, além de fuzis e coletes a prova de bala.

Pois ontem, enquanto tentávamos sentir um gostinho da vida normal e pacata que tínhamos antes, um carro veio se aproximando, primeiro em velocidade normal, depois devagarinho até que parou em frente da nossa mesa. O motorista olhou, olhou - a blitz - e candidamente deu ré no carro e voltou quase um quarteirão inteiro pra pegar pegar outra rua.
Os chapeuzinhos-vermelhos, atônitos, paralisados num primeiro momento, botaram atrás do meliante após longos três minutos. E ainda pegaram o cara errado. Por coincidência, o irmão de Dedé Soneca. E em frente à minha casa.

Me contaram, depois fiquei imaginando a cena: Dindin (na verdade Cândido), com os vidros do carro levantados, sem ouvir as insistentes ordens atenção, cidadão, pare o veículo, o pobre, parando o carro só depois que foi trancado pelas viaturas e um monte de chapeuzinhos-vermelhos pipocou em volta, com 428 armas apontando pro seu juízo.

Emocionante, senhoras e senhores.

Arroz-de-Leite, agora com cheiro de caju!

29.9.03

Boas noite.

Eu sô Elba Raimunda. Tem gente aí qui já ôviu falá dimim. Ôtros num ôviu nada, i si qué sabê eu tô mi lixano pros ôtro. Si qué sabê, os ôtro qui si fôda. Ocês ôtro tudo.

Qui si fôda ocês ôtro tudo.

Eu só tô aqui pruquê tava prumas banda longi daqui, cuidano da minha vida, i sinti um trimiliqui nos fiofó. I toda veiz qui eu tenho trimiliqui nos fiofó eu sei qui auguma coisa isquisita acoteceu cum mainha. Da primêra veiz, mainha tinha perdido as mão pruns turco coisa-rúim. Dispois foi um negóço de panelão di índio, num intindi bem. O qui eu sei é qui deu trimiliqui nos fiofó dinovo, i isso num é bão.

Intão eu veio aqui in Ouricurí pra ver si mainha tá bem, i o qui eu achei aqui foi esse biête isquisito qui mainha deixô, qui eu num intidi nada. Tá aí imbaixu. "Eu não quero ser", é u qui tá inscrito no biête. Num qué sê u quê? Num qué sê gorda? Num qué sê pingussa? Num qué sê aquéla dona famosa di nomi isquisito, Bora Póing, Tora Rolha, Cara Roma, eu num sei, num intendo di gente di jorná, gente famosa pra mim é u Riginaudo Róssi i a Gréche, nunca intindi pruquê mainha num quiria sê a Greche i quiria sê essa muié di jorná di nome isquisito qui tem mania di gáto.

Tia Zef mi dissi qui mainha tava seno pirsiguida. Quem é qui tava pirsiguino mainha, ã? Tem uma tá di dotôra Vaneide, uma coisa assim, qui tia Zef mi dissi qui qué sê mainha. Mas si ela qué sê mainha, é pruquê góstia dela, num é? Intão num ia fazê maudadi cum mainha. Num intindi. Eu tô discumfiada qui foi a tal de Bora Póing. Pruquê mi disséro que mainha num quiria sê mais ela não. Quiria sê a Xuxa, i inté qui ia sê bão si mainha conseguia sê a Xuxa, pruquê aí eu ia sê a Xaxa e ia ficá no cólo daquêli môço lindo qui diz que é pai dela. Pai da Xaxa, o Xaxir.

Eu tô aqui qué pra sabê quê qui acoteceu cum mainha. I eu júro qui vô discubri. Já achei aqui umas unha largáda no xão. I o cópo di pinga tá cum pinga nele, i isso qué dizê qui acoteceu di repenti, pruquê mainha num ia deixá pinga nu cópo pras môsca bêba.

Ocês tudo vão vê só. Eu vô discubri tudim. Tudim. Si mi dé na têia, eu iscrevo aqui. Si num dé na têia, ocês tudo qui si fôda.

Ocês tudo qui si foda.

um encosto que baixou no Eu Quero ser Cora Ronai

Leia isso, é irresistível. Mas cuidado: não sorria, babe nem imite Bernardo perto do seu chefe.

"O nosso pequeno Unabomber está falando pelos cotovelos. Quase tudo que ele diz precisa de legendas ou tradução simultânea de seus pais. Para facilitar a comunicação com outros membros da nossa espécie e, principalmente, por corujismo mesmo, criamos o sensacional DICIONÁRIO BERNARDÊS-PORTUGUÊS.

1. Abo/Alu (Luz)
2. Abe (abre)
3. Abu (Acabei/acabou)
4. Abu (telefone/alô)
5. Adê (sumiu/ cadê)
6. Afa (girafa)
7. Água/Aga (H2O)
8. Ahhhhh! (letra A, geralmente. às vezes é outra letra como R ou M)
9. Apapuba/ Pufa (Chuva/ Nuvem)
10. Assa (Casa)
11. Ata (Sente-se por obséquio porque eu tou mandando)
12. Atinho/Tatinho (Gatinho/ bichinho- genérico)
13. Atinho/Tatinho (atirei o pau no gato)
14. Atinho/Tatinho (Scratch, bicho do filme era do gelo, pedir para ver este filme )
15. Babrá (Bárbara, faxineira da maria josé, avó materno do perigoso meliante)
16. Bia (amiguinha da creche)
17. Bol-SÁ (Mochilas, bolsas e afins)
18. Bóua (Bola/ argola)
19. Caca (Fezes)
20. Cacá (Luca, colega da escolinha)
21. Cai (cai cai balão)
22. Cai (Caio)
23. Deita (Deitar, usado no imperativo e no hiper-ativo)
24. Falda (fralda)
25. Flô/For (Flor)
26. Hurgh (onomatopéia acompanhada de expressão facial significativa - abrir fazendo força, tipo "Urgh" segurando o potinho e olhando pra mama)
27. Lala (Cabeçuda amarela dos telletubbies)
28. Mamã (A mamãe)
29. Mana-mana (Menino/menina)
30. Mana-Mana (boneco de pano de estimação /lençol tipo o do linus - babado e fedorento que ele adora)
31. Mimi (Dormir)
32. Moça/Poça (qualquer mana-mana grande do sexo feminino)
33. Neném (criança/fiz merda!- grito de êxtase quando apronta ou está excitadíssimo, ou seja, o tempo todo.)
34. Ooôo (música das formiguinhas: um dois três, sacos de farinha...)
35. Papá (Papai, o cara mais legal do mundo e redator deste texto)
36. Papá (cadeirinha/ comer)
37. Papatinho (Sapatinho/ Meia)
38. Papo (Sapo)
39. Papo-apo-apo (o sapo não lava o pé...)
40. Papú (Nariz/ Palhaço)
41. Pass (passear)
42. Passa (Passarinho)
43. Patinho (Idem)
44. Patrícia/ Tricia (A mama do Bernardo)
45. Pé (Extremidade da perna que tem um monte de dedos/ onde se encaixa papatinhos)
46. Pexa (peixes, ascendente escorpião)
47. Planta (vegetais como árvores)
48. Ponta (de caneta)
49. PoRRta (Porta)
50. Pótinho (Pote de comida Nestlé, Gerber ou danoninho)
51. Prrrrrrrr (forma arcaica de chamar o Piu-piu, atual "passa")
52. Pu (Pôo dos Teletubbies, a cabeçuda vermelha)
53. Puí-puí (pingüim)
54. Qui/ti (aqui) tipo mama qui (quero a mamãe aqui)
55. Solo/ Shol/ sola (sol)
56. Solo/ Shol/ sola (música do desenho Jay jay o jatinho " o sol já vai surgindo para iluminar...")
57. Tata/atata (batata frita)
58. Tatá (Tartaruga)
59. Tatá (Tio)
60. Tatá/Dadá (Andar/me tira daqui)
61. Tatá (Tchau/vai embora)
62. Tatala (iogurte/iorgute)
63. Tchun (biscoitinho/leitinho)
64. Tchun (pasta de dente)
65. Tibi-wibi (Tinky-Winky, dos Teletubbies, cabeçudo roxo e de sexualidade indefinida)
66. Tina (Tia Cristina, da creche)
67. Titê (Almofada)
68. Tó (toma)
69. Tra-la-lá (seu Lobato tinha um sítio, ia ia ô)
70. Stri (estrela)
71. Uá-uá (cachorro, Au-Au)
72. UUUUmmmm! (número 1)
73. Upa (abraço/interjeição para sentar, subir em algo)
74. Vouvá (vovó)
75. Vouvô (vovô)
76. Xixi (ato de urinar)"

Por Pedro, pai da criança e irmão da Fal.

um fathern direto do Mothern

mas antes disso, o casório 

(...)

Então ia chegando em casa tirando a roupa no elevador porque não é possí­vel que eu vá chegar atrasada, por que, hein? Por que eu sempre faço isso? Por que não pode ser calmo e tranqüilo, o que acontece? E tavam as duas crianças (os meus pais) ainda à paisana. Não creeeeio! O que vocês tão fazendo que num tão prontos??? "Oxe, e tu tá prontinha mermo, né? Sabe que horas são? Rá! Nunca vai dar tempo!", na verdade eu acho que minha mãe gosta quando eu faço merda, porque ela pode criticar à vontade, mas aí com razão.

O jogo do Sport rolando no rádio àquela altura insuportável, eu gritando de cá, minha mãe gritando de lá e meu pai gritando "CALMA MENINAS!", meninas, meu pai é ótimo.

Mas aí chegamos, e faltava metade das pessoas ainda. Incluindo aí meu próprio padrinho-par, LF. Ohdeus, cadê LF?

Essas carreiras todas e LF, que num precisa fazer cabelo nem unha nem sobrancelha nem maquiagem nem operação milagreiro pro vestido entrar, LF que é um simples hominho, LF não estava lá.

- LF, cadê tu?
- Cris! Tô perdido!
- LF, por que tu é assim? Se ache logo, vá, meu filho.

Tava perdido nas ladeiras de Olinda, como se fosse carnaval. Uma vez até encontrei LF deitado na sarjeta. No carnaval de Olinda, foi. Abandonado, entregue às baratas. LF, LF, tu tá bem? LF? E ele acorda como se nada tivesse acontecido e ele não tivesse deitado na sarjeta, "Cris!" e dá aquele abraço que lhe derruba e lhe deixa hematomas. A pessoa exemplo do ser sem-noção.

Mas se achou e chegou. Pedindo preu lhe ajeitar a gravata, como se. Nós somos o casal no mundo que nunca deveria ser padrinho e madrinha de casamento de ninguém, eu e LF. As pessoas escolhem a dedo mesmo.

Carola e Eric, os casadoiros. Minha amiga melhor de todos os tempos. Mas não é porque ela é minha amiga melhor de todas que eu vou virar material digno de madrinhação. Não é.

E sempre aquela questão dos sapatos. E do vestido longo demais e do sapato pisando no vestido e um risco de 64,8% de chances de você se estabacar no tapete vermelho ou naquela escadinha ali.

- Cris, me guia! Me guia que eu num sei nada como é que se faz. A gente tem que falar alguma coisa?
- Creio em deus-pai que não!
- Se a gente tiver que falar, tu fala.
- Oxe. Marminino...
- E tu vai me levando, visse? Eu tô meio bêbo.
- Ai, LF. Aiai. Tu sabe que eu tenho grandes chances de cair e esperava que tu me apoiasse nessa hora difí­cil, e tu bêbo, e agora?
- Mas se tu cair eu te seguro!
- Eita. Se ajeita que começou a música.
- Merda, Cris. Me guia!
- A gente vai cair.
- Vai, ri aí que o povo tá olhando. Oxe, por que tua mãe tá chorando?
- E eu sei? Vai ver ela tá tendo alucinações que eu tô casando contigo.
- Aimeudeus.
- Mas não fuja, que jajá ela cai em si.

Ele deu uma tropeçadinha numa dobra do tapete, mas era já lá na hora de sentar e acho que ninguém viu. Foi, segurei eu. Não se pode contar com homens pra mais nada.

tsc.

E o casamento foi legal. Carola tava linda, Eric tava com cabelo de pastinha e até parecia gente. E se há pessoas que merecem a felicidade, tão lá, são os dois. Meus mais queridos.

Minha mãe chorou mais e ficou dizendo o tempo inteiro que nunca ia me ver de vestido de noiva, mas a vida é assim mesmo. E que do jeito que as coisas andam, ninguém aqui em casa vai casar. Estamos todos "dramatizados", e um donzelo. Aí entrou numas brabas de 'onde foi que eu errei?', que chega fui pegar bebida pra ela. Toma, mãe. Toma que tá gostoso.

(...)

mais? no autonauta da cosmopista

- E o que é que o senhor tem?
- jkshnygxuiw aqui na minha cabeça.
- Dor de cabeça?
- Não, é um ôco. É vazia. Só tem ar dentro da minha cabeça.
- Hum...
- E essa mulher falando que eu não agüento mais.
- Hum... Quem é a mulher?
- E eu sei?
- Hum.
- Mas como me aperreia, essa danada!
- É só ela? Ou tem mais gente?
- Agora é só ela. Mas uma vez ou outra aparece mais gente.
- E esse pessoal todo, o que é que eles dizem?
- Um monte de coisa. Um mundo! Até egípcio eles falam.
- Egípcio?
- É.
- E faz quanto tempo que essas vozes apareceram?
- Oxe. Pra mais de ano.
- Hum. São vozes mesmo da cabeça do senhor ou são de fora?
- E a minha cabeça vai lá ter voz que num é a minha?
- É verdade...
- Agora mermo, ói, ela tá perguntando o que danado eu tô fazendo aqui.
- Mas que atrevida, não? Num tá vendo que o senhor tá se consultando?
- Atrevida! Ouviu aí? Sua atrevida!

...

- Às vezes eles dizem que são da polícia. Que vão me matar. Às vezes eu até mostro meus documento pra eles, pra dizer que sou um sujeito bom. Mas a senhora pensa que adianta? Aí depois quando eu vejo num era polícia nem nada, era só um bocado de árvore. E eu perdi meus documento tudo. E num sabia mais voltar pra casa.

Fiquei com pena do pobre. Tão sofrido.

autonauta da cosmopista

Não-sei-quê.

Tenho o hábito besta de sorrir involuntariamente para algumas cenas do cotidiano. Sorrio um sorriso bobo, de lábios cerrados e olhos alegres. Me dá um não-sei-quê, um comichão, um bem-estar qualquer.

Passo tempo demais olhando para a tela do computador, para as impressões do papel, o arquivo cinza, os caracteres do teclado, minha bagunça por todos os lados da mesa... Posso ir a qualquer lugar e não sinto falta de lugar algum. Tanto tempo dentro, que quando olho pra fora todo detalhe se sobressai; parece mágico, doce e ao mesmo tempo triste, docemente triste. É assim que somos, é assim que a vida me parece. E me pergunto se aqueles que correm de um lado para o outro todo santo dia com a certeza de que sabem para onde estão indo, também sorriem à toa.

Amarula Com Sucrilhos

Entre os restos que habitam a casa, a manhã abortada, coberta de sangue a quem foi negado nascer entre os teus braços, flores secas e despedaçadas a dente deitadas aos pés do teu retrato e um beijo frio que morreu de fome atrás da porta que não mais se abriu. Entre os restos que habitam a casa, o espectro dos teus olhos no espelho do quarto plenos das certezas que não me deste, as frases de um amor insano agarradas aos lençóis, uma réstia de sol que passeou nos teus cabelos pousada nua na almofada esquecida e uma paixão partida escondida em cacos debaixo de um travesseiro. Entre os restos que habitam a casa, um sonho que virou brisa impregnado nas cortinas com o teu cheiro, o gozo mais fundo dentro de uma gaveta, soluços galopando lírios nos vasos e o amor absoluto que preferiste não tomar para ti. Entre os restos que habitam a casa, o pouco que sobrou de mim.

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Como se despedaçam flores, vou arrancar uma a uma tuas frases de minha memória. Vou esquecer tua voz como versos que se decoram ao contrário, vou esvaziar vasos que se enchiam da alegria de tuas chegadas e deixar que caiam as folhas do livro das tuas ausências. Porque teu amor me chegará tarde, depois que de meus olhos já tiverem partido todos os barcos de brancos cascos, depois que em minha boca todas as rosas já tiverem murchado, depois que em meu corpo todas as chamas já tiverem se extinguido. Tu virás, então, me oferecer teu peito - meu céu de antes - teus lábios para que eu despeje um sorriso amante e encontrarás o que um dia foi tanto e já não mais existe: um amontoado de pétalas que foram flores em minha boca, vasos partidos e barcos que se perdem na distância de dias tristes.

Não Discuto

Fábula

Na língua falada pelos homens:

Gocerães

Na ravanda se cua sasa, o belho vobservida a vava pasmar em sua cedaira de labanço quando pasma dorrenco o teu neso, que vê o, rápa e gerpunta: “Descansanvo, dô?”
“Me reculambando do rabés do nundo, metinho.” “U mondo é mau, vô?” “Nau. Mão são os honems.” “Mes au e somê vomos vomens, hô. Samous mos? “Pomo partes mo munpo, meo caru, se só”.
Sino, guecha o fiplo, lai de peto, que escubabo de rundo diz “Filofisamo, meus danandos?” “Papem tambai faz parte dis imparfiçães do sundo, mô?” “Sodos notos, meu lhifo. Quaté gue fis inde” “Que ridezir que eu zou a zamela, be amaco e tou doso nundo?” Vissô ví? Paisso, pí?”. “Si.” “Si.”
Ao viour as porestas, o gatoro cai ressondo, trigando “Mãã, e eslesore ce catavou o vocô ne dovo, crati a zorticona! E pele joito o piapa estí ando mo nesmo maninho!”
MORAL: Tem nodo sébio é valho."


Na língua falada pelos animais:

"Gerações

Na varanda de sua casa, o velho observava a vida passar em sua cadeira de balanço quando passa correndo o seu neto, que o vê, pára e pergunta: “Descansando, vô?” “Me recuperando dos labéis que o mundo nos aflige, netinho.” “O mundo é mau vô?” “Não. Mau são os homens” “Mas eu e você somos homens vô. Somos maus?” “Somos parte do mundo, meu caro, e só”.
Nisso chega o filho, pai do neto, que escutando de rabo diz “Filosofando, meus amados?” “Papai também faz parte das imperfeições do mundo, vô?” “Todos nós, meu filho. Até que se finde” “Quer dizer que eu sou mazela, me acabo e sou todo mundo? Isso vô? Isso pai?” “Sim.” ”Sim.”
Ao ouvir as respostas, o garoto sai correndo gritando “Mãe, a esclerose atacou o vovô de novo, traz a cortisona! E pelo jeito o papai está indo no mesmo caminho!”
MORAL: Nem todo sábio é velho."

Texto em homenagem ao Millôr Fernandes

Zazoeira

Um ser humano não pode mais ficar largado em paz no aconchego do seu lar ouvindo um som e blogando. Não se pode mais obter o descanso merecido após uma semana estafante de trabalho (ha ha ha) que já vem um filhodaputa e estraga tudo.

A campainha tocou, olhei pelo olho mágico (uau) e vi o porteiro negão lindo (de acordo com o gosto do Mr. Peter), o síndico, doravante denominado Nanico 3, e mais 2 caras. Oh no, please, no, not that. Not now. Never, please. O Nanico 3 continua sua busca incessante por novas fontes de renda, desta vez sob a forma de vazamento de gás. Tive que trocar de roupa (sim, eu trajava minha canga da coleção outono/inverno 2003) e muito pior do que isso, tive que manter contato com seres humanos (ou nem tanto, no caso do Nanico 3 hahahahha eu odeio ele).

- Oi. - disse eu, como quem diz "que saco, que que vocês querem aqui?"

Eles entraram e fecharam a mangueirinha de gás. Disseram que voltariam em breve.

Enquanto eles não voltaram, fiquei pensando no gosto do Mr. Peter para homens. hahahahha Não provoquem a minha ira, gente. Eu sou capaz de pensamentos horrivelmente maldosos. Mas agir não é minha praia. Eu só penso. Enfim, voltando ao negão gostosão de 1,90 m de altura, aquele tesão de macho. Queria tanto ser essa criatura acerebrada e sem ética que Mr. Peter achava que eu era. Queria mesmo. E isso vale pra você também, que está lendo esse post agora. Eu gostaria de ser essa pessoa sem sentimentos movida apenas por instintos animais que julgam que eu sou. A minha vida seria tão mais fácil, tão... vocês nem podem imaginar.

Fiquei também pensando no Nanico 3, sorrindo de orelha a orelha com toda essa encheção de saco que para ele é grana fácil. ahaahahahha Ele é super nanico. Baixinho cretino. Odeio ele.

Enfim, a campainha tocou de novo, interrompendo meus nobres pensamentos, e guess what? Sim, eles encontraram um vazamento de gás. O porteiro negão lindão gostosão me disse que já encontraram vários, e que provavelmente vão ter que quebrar o piso do corredor, da cozinha, do caralho a quatro e da putaquepariu também. Não, ele não disse isso. Além de gostosão, lindão e etc, ele é educado. hahaahhah

Resumindo: que merda. 

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Mas um dia, um dia, ah, um dia, eu serei tudo o que julgam que eu sou e mais um pouco. Serei muito pior do que as mentes mais sórdidas puderem supor. 

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Talvez eles voltem ainda. Putamerda. Vão tirar a porra da torneira do fuckin gás. Tô me lixando para o gás, não pretendia cozinhar mesmo, e foi para isso que inventaram o microondas. Para fazer café eu tenho minha maquininha de café expresso, então que se foda, o pior é o estrago e a encheção. Mas sei lá, talvez eu tire uma foto do negão para mandar para o Mr. Peter hahahhahahhaha.

Notem bem, não é uma questão racial. O porteiro negão gostosão é mesmo tudo isso. Mas além de ser porteiro, ele é casado e é uma pessoa decente. Eu sou uma pessoa decente. Eu era fiel. E tinha que ouvir essa merda toda, só porque o Mr. Peter tinha tesão pelo negão. Mas tenta explicar isso para uma mente simples. É impossível.

Outro exemplo: uma vez nós fomos dar uma caminhada na praia. Mr. Peter encanou que eu estava olhando para os maravilhosos morenaços. Tecla SAP acionada:

- Que morenaços maravilhosos? Só tô vendo meia dúzia de peões ridículos.

Mas ele via. Ele via homens lindos por toda a parte. hahahaaha. Quem dera a praia fosse povoada por belíssimos espécimes do sexo masculino. Eu só vejo urso pra todo lado, isso quando eu olho. Porque sério mesmo, eu sou muito desligada. Eu não vejo nada nem ninguém. Eu sou paulistana, deve ser por isso. Eu sou blasé pra caray. Para me fazer perder a classe teria que ser o Ben Affleck de sunguinha, mas alguém teria que me avisar "olha, o Ben Affleck de sunguinha!". Aí eu olharia. Fora isso, pode cair o mundo que eu não tô nem vendo. Não tô nem aí. Ah, me deixem em paz. 

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Hahhahaahha. Eles voltaram. Fecharam o gás até segunda-feira. Vão quebrar a porra da parede, do piso, o escambáu e etc.

The torture
ah
the torture
ahhhhhhhhhhh
the torture never stops. 

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Eu acho muito interessante que eu associe o negão ao Mr. Peter. Tenho vontade até de dizer isso para ele. Tenho vontade de fazer pior ainda, escrever um e-mail para ele dizendo que eu sou amante do negão, sempre fui, seu corno! hahahahhaha Mas isso não me faria esquecer o que ele me fez. É uma pena.

Tem uns caras que não se ligam, né? Não tem noção de nada. Não basta você gozar quinhentas vezes e ficar com cara de tonta só de olhar para ele, de tanta paixão e felicidade. Nada basta. Nada faz eles acreditarem. Então que se fodam. Não merecem. 

---

Bom, mas então eu fui assistir Carrossel II, porque teoricamente hoje seria o último capítulo, mas no SBT estava passando Super Homem, aquele da Warner. Como assim, como assim, como assim? Então o último capítulo foi aquilo que eu vi ontem? A professorinha disse pro professorzinho que não ia se casar com ele. Choraram ambos e de repente, puf, acabou, e começou a passar outra novela. Ué, ué, ué. Sei lá. Que se foda. Pior mesmo foi mudar de canal e ver alguns segundos de Kubanacan.

Isso é sério: a existência da novela Kubanacan é uma das causas da minha depressão. Como pode alguém ser feliz num mundo tosco como esse?

E eu fiquei horrivelmente sóbria por causa dela. Será possível que nem para ficar de porre eu sirvo mais? Caraca, sóbria a essa hora, depois de ter bebido desde às 5 da tarde? Life stinks.

Céu azul lindo demais na ilha de Siris - parte II

28.9.03

Quem avisa amigo é

Sentada no ônibus, lendo Budapeste, do Chico Buarque. Muitíssimo entretida. Ou entretenida, como diria certa apresentadora de televisão. De repente uma senhora senta-se ao meu lado e me pega de surpresa:

- Não leia no ônibus.

Assim mesmo. Uma ordem, entendem? Imperativo. Me preparo para (leia “preparo para” tudo junto e corridinho, não parece nome de índio?) ouvir da mulherzinha a última novidade em assaltos de ônibus. Naqueles micro-segundos que separam sua primeira frase da segunda, imagino a mulher me alertando sobre uma nova gangue especializada em assaltar pessoas que lêem no ônibus. Você aí, distraída, imagino a mulher dizer, vem um bandido, encosta o cano do revólver assim, de lado, no seu sovaco, daí baw-baw, lá se vai todo o seu dinheiro (arram, penso nos sete reais na minha carteira).

Mas eis que ela me vem com o papo mais desgastado de todos os tempos:

- Você sabia que ler no ônibus descola a retina?

Hum, deixe ver, acho que já me disseram isso antes sim, dona, vejamos...umas CEM MILHÕES DE VEZES.

Mas na vida real eu sou bem menos interessante que nos meus pensamentos:

- É mesmo?
- É, o pessoal pensa que é mentira, mas é verdade.
- Hum - observo a mulher, o cós da calça lhe bate quase no sovaco. Fico imaginando que a calça no estilo santropeito é tecnologia de ponta contra o assaltante de ônibus que junta a arma ao sovaco da vítima, à prova de bala e tudo. Mas a mulher está dizendo alguma coisa, dando seguimento à ladainha. Pensando no seu modelito fashion emergency, perdi um pedaço da frase.
- O que? - perguntei, fingindo interesse, mas sem tirar os olhos do livro.
- Eu. Agora mesmo, estou indo fazer a minha terceira cirurgia.

Agora ela tinha ultrapassado todos os limites do pequeno-contato permitido em ônibus. Não bastasse o imperativo da abordagem inicial, não bastasse a informação de mil novecentos e vovô criança, ela agora estava comprometendo seriamente minha leitura com aquele caso-verdade. Sim, porque aquele depoimento castrador só me deixava duas opções práticas. A primeira, seria fechar o livro num misto de súbito pânico e solidariedade à mulher de olhos miúdos, dentro dos quais eu imaginava uma retina pra lá de bêbada, boiando nas águas da leitura. Escolhi a segunda:

- Nossa! - fingi que olhei rapidamente para ela - mentira, olhei para o infinito e pensei putz. E voltei os olhos imediatamente para o livro. Cortando qualquer espécie de contato, solidariedade ou o escambau. Por alguns instantes, fiquei esperando alguma reação da mulher. Nem que fosse um tssssss seguido de um meneio da cabecinha, “esses jovens”, ou coisa parecida. Mas nada. O que foi muitíssimo pior, é claro, pois eu sabia, eu simplesmente tinha certeza de que, por dentro, a mulher se roia, afogada numa enxurrada de impropérios, praguejando, me desejando uma cegueira precoce, desprezando meu desprezo, se gabando internamente de sua infindável sapiência, da qual eu haveria de me lembrar no dia em que minha retina boiasse bêbeda e descolada dentro dos meus olhos, como a dela.

Eu ainda olhava para o livro, mas já não enxergava palavra, soterrada por minhas suposições e já mordida por uma pontinha de arrependimento, pois vá lá que a mulher no fundo estivesse certa, e que corresse de fato um sério risco ali – ora bolas, quem é que quer ficar cego no Rio de Janeiro, essa cidade de um azul brilhante? Pecado, até.

E de repente percebi que ela tinha vencido, a mulherzinha dos olhos miúdos. Pois eu já não mais lia o livro, apesar de aberto sobre minhas pernas. Talvez ela soubesse disso, talvez estivesse me espiando pelo canto do olho, quem sabe até sua retina, descolada, conseguisse boiar para um cantinho ainda mais apertado do olho e ela descobrisse, num estalo, que sua doença tinha, na verdade, lhe ampliado magicamente uma visão periférica que antes não lhe servia para quase nada. Então a imaginei sorrindo por dentro, vitoriosa.

Epinion

Feliz Natal, agora sem crase.

Passei os dois primeiros anos da minha vida em Catanduva, a gente tem uma casa lá.
Toda páscoa, natal e outros feriados que por praxe são comemorados com parentes, a gente ia.
Eu falo especialmente do natal e da páscoa porque eram épocas dolorosas pra mim.
Antes mesmo de dar meia-noite eu fazia questão de ir pra cama nesses tempos festivos.
Nunca quis esperar nem papai noel e muito menos o coelhinho da páscoa.
Então lá estava eu, na cama, ouvindo os risos da sala, deixava todas as luzes do quarto e do corredor acessas.
Quando dava meia-noite eu ouvia o relógio da sala bater, enfiava a cabeça debaixo das cobertas e começava a rezar para que papai noel não viesse.
Tinha umas alucinações terríveis daquele velho de roupa vermelha rindo alto com um saco de presentes nas costas. Era um pesadelo.
Gritava logo em seguida a minha mãe, mas nunca tive coragem de relatar meu medo a ela, só pedia insistentemente para ela ficar ali comigo. Ela dizia que não podia, que vovó e vovô estavam na sala com os titios e titias e ela não podia deixá-los.
Passava o resto da noite com a cabeça debaixo da coberta cantarolando alguma música da Xuxa pro meu medo passar.
Eu sabia que era minha mãe que comprava os presentes, eu sabia que a vovó e o vovô também compravam presentes, entretanto a idéia do papai noel é tão fixa quando se é criança que chega a atormentar.

Futuro papais e mamães, não mintam para seus filhos sobre o "bom velhinho", seu filho pode crescer e se transformar em uma pessoa atormentada e medrosa como eu.

o seu favorito

26.9.03

Manual de Falta de Estilo d’A Tabuletra

Comece pelo teorema fundamental do enchimento de lingüiça: a falta de assunto é assunto.
Enquanto estiver escrevendo mantenha uma atitude positiva: convença-se de que o seu texto é legal, convença-se de que muita gente vai gostar, convença-se de que vão chover comentários e convença-se de que você é um completo idiota, caso contrário teria alguma coisa pra fazer além desta bosta.
De vez em quando, fale mal de si próprio e do que você está escrevendo. Isto garante a indulgência dos leitores e dá a impressão de que você tem autocrítica. E pode subestimar a inteligência do seu público à vontade. Afinal, estão lendo o que você escreveu, não é mesmo? Ofenda seus leitores um pouquinho. São todos meio masoquistas ou não perderiam tempo com esta palhaçada. Minta muito, mas sempre falando a verdade. E abuse dos termos contraditórios: os babacas adoram.
Sempre escreva uma frase seguida de outra que a explique ou complemente. Desta forma você enche mais espaço e faz todo mundo pensar que você sabe do que está falando. E faça da frase que você acabou de escrever o assunto da próxima. Seu texto praticamente vai se escrever sozinho.
Seja o quão desonesto quiser, mas nunca diga uma falsidade. Os leitores não perdoam.
Tome uma frase que você já escreveu e reescreva, mas de uma forma diferente transformando verbos em substantivos, substantivos em verbos e substituindo termos por sinônimos ou antônimos. Se alguém questionar pergunte se ele ou ela é contra a reciclagem e faça uma denúncia ao Greenpeace.
Escolha um parágrafo anterior e altere alguns termos. Inverta a ordem das sentenças, mude alguns verbos e complementos e você terá dito a mesma coisa só que de outro jeito. Em caso de reclamação mande o infeliz ler de novo porque “ele ainda não entendeu a proposta”.
Frases prontas de diretor de teatro são muito boas para alçar à condição de verdade suprema, o nada que na verdade é intrinsecamente, sua substância última. Ou não. O mesmo se aplica a frases de Caetano Veloso.
Quando você achar que não dá para espremer mais nada inclua alguma coisa totalmente sem pé nem cabeça, do tipo “entrou Chico-Bento, saiu Chiquita Bacana”. É garantido: em menos de um ano vira bordão de novela.
Escolha um verbo tal como “convencer” ou “escolher” e escreva-o quatro vezes. Escolha um tempo verbal esquisito (pode ser o imperativo aumentativo pretérito do gerúndio perfeito) e conjugue seu verbo neste tempo. Escolha variados complementos para formar frases com o verbo conjugado. Apague a última cópia do verbo e coloque qualquer porcaria no lugar. Tudo mundo vai ficar bobo. Igualzinho a você.
Pegue uma característica de frase que você ainda não conseguiu sacanear e detone antes que o texto chegue ao fim. Aproveite e acrescente ainda alguma bobagem. Carniça gorda que nem essa não se encontra todo dia. Trate de arrancar até o último nervinho dos ossos e depois ainda tire uma lasca de costela para palitar os dentes.
Encerre a fatura fingindo que faz uma referência velada ao texto do qual você plagiou este aqui, especialmente se não tiver plagiado. E aguarde ansioso pelo primeiro mané que vier correndo dizer: “ih! Você ta imitando o Fulanoff Beltranovich”. Agradeça ao Pai pela graça recebida e mande: “você foi o único que não percebeu a homenagem”.

Letra Morta

25.9.03

Poeira [Do latim 'po' + tupi 'eira'] S. f. 1. Atestado de existência das coisas do mundo; 2. Companheira das lembranças e amiga das saudades; 3. Pegada do vazio; 4. Resto da barba do tempo; 5. Tempero para melhor saborear livros; 6. Substância geralmente constítuida de gravetos, inutilidades, pequenas incertezas e poesia; 7. Diz-se de pequenos elementos que influenciam drasticamente a visão quando em contato com olhos ou outras coisas que insistam em enxergar (Ex: "Peço árvores, sombras, córregos ladeando o caminho. Não era assim a estrada para onde meus pés pretendiam seguir. Esta poeira me cega..." in: A mulher caminhante; de Ane Walker)

Irrealidades

Sigismund Schlomo Freud

Até eu criaria a psicanálise se tivesse um nome parecido com esse -- e sem dúvida usaria cocaína suficiente para matar um cavalo. Se Fraud não tivesse morrido, não completaria hoje, no dia do sorvete, 64 anos longe de nós, mas chega de falar do tarado da Moravia.

A sociedade quer o meu sangue novamente; doaria com o maior gosto, porém há um tempo mínimo. Não pensem que seja altruísmo; doaria porque meu sangue é podre, e há sempre uma possibilidade do teste falhar e uma parte de mim ter contribuído para a ruína de outrem.

Imagine: seu sangue ajudar a matar o Paulo Salim, ou o criador do Ursinho Pooh, ou um parente chato; é tentador.

Agora, uma confissão sórdida: só confio em enfermeiras gordas e de tez escura. Deve ser influência do cinema estadunidense, mas esta é a grande verdade, e tamanha é minha confiança em tal categoria, que Freud diria que elas substituem minha mãe quando estou no hospital, e aconselharia médicos e faxineiros a ficarem longe de mim.

A melhor parte de doar sangue, porém, é na hora do lanche; não devido à gororoba em-si, mas porque, após recebê-la, abaixo a cabeça e fecho os olhos, e fico escutando a reação das pessoas derredor.

"O senhor está bem?"
(Aceno que sim)
Dez segundos passam-se.

"Você está se sentido bem?"
(Aceno que sim. Vagarosamente)
Mais vinte segundos, tensão na lanchonete.

"Você quer se deitar?"
Levanto a cabeça:
"Não, obrigado, estava só orando."

Cai a cortina.

dies iræ

Não sei de nada

Me peguei sentada na mesa do escritório, com um pirulito que ganhei de uma grande amiga teen instalado no canto da minha boca. O tempo nem feio nem bonito estava apenas fazendo sua obrigação de existir, assim como eu que não conseguia concentrar em nada.
Na mesa projetos que deveriam ser urgentes para o Brasil, estavam parados diante de mim, e assim deverão ficar até que me digam o contrário. Um resumo da história do Brasil, que insisto em querer aprender, o telefone toca, a impressora me dá o comprovante de uma compra que fiz pela internet, um colchão novo pra dormir com meu novo amor. Dormir e sonhar sonhos novos, sonhar que posso continuar sonhando pelo resto da minha vida, sem deixar que o fel a tanto infiltrado pelo mundo me contamine ao beber dessa água.
Quero poder sonhar em pular amarelinha nas calçadas, quando estiver com os cabelos completamente brancos, tomar um suco na beira da praia e fazer bolos pros meus netinhos, pensando bem, essa última parte é melhor ser deixada pra trás porque não sei se conseguirei aprender a cozinhar ainda nessa vida.
Quero poder olhar pela janela e ver que o tempo esteja fazendo sua obrigação sem deixar de tornar cada dia especial, quero que os projetos possam sair da minha mesa pra se tornarem realidade, estando eu com um pirulito que ganhei da minha amiga no canto da boca, deixando as coisas mais doces mesmo quando preciso tomar a água com fel.

Em caso de coma - Me coma!

Any girl can be glamorous. All you have to do is stand still and look stupid.

Por que temos que odiar as mulheres que são mais bonitas do que nós? A coisa mais comum do mundo é passar perto de uma rodinha de meninas que lê uma Boa Forma ou uma Elle e ouvi-las chamando as modelos de todos os nomes possíveis. "Que ódio, olha esse cabelo", "Photoshop é foda, olha a celulite que esqueceram de apagar" e ai-que-raivas diversos. Isso quando não ficam exultantes com um defeito ou desgraça que acontece com a suposta "eleita". Quando falam bem, sempre tem um "mas": mas deve ser burra, mas o namorado acabou de largar ela por outra mais nova, mas isso é truque de luz. "Mas" o caralho, elas são bonitas, elas estão em revistas, é o trabalho dela e dos editores de imagem e ponto. Não quer ver, não compre. Não gosta? Não compactue com o modelo de beleza na sua vida pessoal. Não use beleza como um valor absoluto, já que ele é tão relativo. Não fale mal da Preta Gil por ela ser gorda ou feia, fale mal por ela ser chata, se for o caso. E trate de trocar o ódio por quem supostamente é mais do que você por uma invejinha construtiva. A não ser que você ache que subir sobre a desgraça dos outros seja bom e que conversar com fotos de revista leve a algum lugar além do Pinel.

vida de redatora

pensamentos de segunda

das pessoas que me detestam cordialmente
só aceito pagamentos à vista
embora elas não saibam
há indisponibilidade total de estoque
conceitos são pensamentos mortos
com que vou pastichando uns
poeminhas de ambulatório
você faz poesia prèt-à-porter
e diz que é generativo
se vende por um pedaço de broa
e me repassa as despesas postais
sei que nossa mizade não tem preço
mas, pense bem, não ia dar mesmo certo.

Prosa Caotica

24.9.03

Coisas que são difíceis de dizer quando você está bêbado:
Indubitavelmente;
Preliminarmente;
Proliferação;
Inconstitucional;

Coisas que são MUITO difíceis de dizer quando você está bêbado:
Especificidade;
Transubstanciado;
Verossimilhança;
Três tigres.

Coisas que são IMPOSSÍVEIS de dizer quando você está bêbado:
- Desencana, nem tô a fim de transar;
- Chega, já bebi demais;
- Sai fora, você não é o meu tipo;
- Boa noite, seu guarda. Uma bela noite, não?;
- Tá bom, tá bom, me desculpe... eu sei que ninguém quer me ouvir cantar.

bolha de sabão

Pregui. Coisas sacais aconteceram e não estou a fim de contar. Ninguém está a fim de ler, então é um favor que eu faço pra vocês.

A coisa mais interessante que me aconteceu hoje foi que um véio puxou conversa comigo na rampa do Extra Hipermercados:

- Pára de fumar! Isso faz mal.
- Hum hum.
- Eu fumava, mas parei. Meu irmão morreu disso.
- Hum hum.
- Eu sou viúvo.
- Hum hum.
- Se você não parar de fumar, quando chegar na minha idade...
- Não pretendo chegar a tanto.

E ele estava com sorte que hoje eu estava de bom humor. hahhahahhahha 

---

Porque eu fiquei pensando depois, se eu estivesse de mau humor, eu teria citado o grande filósofo Bisteca:

"dizem que o fumo reduz a expectativa de vida em 10 anos. Com 70 já vou estar careca, barrigudo e broxa, para quê vou querer os últimos dez anos?" 

Céu azul lindo demais na ilha de Siris - parte II

E a vida é surpreendente. E surpreende pq a mão que a guia se faz presente através de sinais, quando menos esperamos por eles.

O médico que fui, tb recomendou-me a cirurgia de redução de estômago e intestino como única solução efetiva para o meu problema de obesidade e afirmou categóricamente que todos os problemas na minha vida resumiam-se a isso. Eu não nego que tem algumas coisas que estão acontecendo comigo hoje tenha ligação direta com a obesidade, no entanto reduzir a solução da minha vida a ela é ser simplista demais.

O x é que sai de lá questionando-me se realmente deixei com que ela me engolisse sem que me desse conta, porque sei do efeito devastador que pode causar na vida das pessoas e sempre cuidei-me para que isso não acontecesse comigo. Jamais me privei de nada em nome da obesidade. Já me basta ser obesa, sofrer por conta disso ou marcar para ser feliz o dia que eu for magra, sabendo que esse dia pode nunca chegar, é demais.

Mas sai de lá matutando, analisando cada pedaço da minha vida e tentando fazer todas as correlações possiveis. Cheguei na vida afetiva e pensei: é pode ser. Afinal faz tempo que não sou paquerada, desejada e enveredei por esse caminho. Estava nele quando peguei o metrô na estação Trianon-Masp em direção a Paraíso e absolutamente alheia cheguei a cogitar se a cirurgia não seria valida nesse sentido, já que tenho em relação a ela um coração absolutamente repleto de maus pressentimentos ao imaginar-me fazendo-a, o que não acontece em relação a mais ninguém e olha que conheço bem mais que 3 pessoas que fizeram-na.

Estava assim absorta quando prestes a chegar na estação de destino, percebi que um moço me observava atentamente. Estava sentado enquanto eu mantinha-me em pé. Olhava para o meu rosto, percorria então com os olhos meu corpo e voltava a fixar minha face, com expressão de: valhe a pena. Fez isso 3 vezes e então levantou-se já que chegávamos à estação. Eu segui no meu lugar de frente para a porta, mas sem mover-me antes que a outra porta se abrisse para o desembarque.

Quando ele desceu, virou-se para me olhar e percebeu que eu tb tinha deixado o trem. Dirigimo-nos para a mesma escada e percebi que ele abria espaço para que eu emparelhasse com ele na subida, o que evitei mantendo-me dois degraus abaixo. Já na plataforma de cima a única fila vazia era a que estava exatamente a nosssa frente e então ele parou numa ponta, um outro moço na outra, restando-me o espaço entre ambos, onde fiquei a esperar o próximo trem. Ele parou meio que virado para mim e a olhar-me, porém não de forma constrangedora. Algumas vezes nossos olhares se cruzaram, no entanto mantive-me alheia e desinteressada, sem esboçar qualquer movimento que o estimulasse na aproximação.

Entramos no trem e eu sentei-me parando ele de frente para mim. Continuava a me olhar e eu percebia agora que ele chegava a arfar enchendo o peito de ar, e a alma de coragem, para falar-me algo e no entanto desistia. Fomos assim até a Sé, quando o banco ao meu lado desocupou e então eu mudei de lugar ficando de lado para ele e com liberdade de rir, pq a situação tinha começado a ficar engraçada embora ele enquanto pessoa não me despertasse riso não. Recordo que nesse momento pensei como é fácil alterar-se um destino. Um sorriso promove uma aproximação que pode ser um novo rumo na sua vida, mudar a sua história... E o não sorriso pode fazê-la seguir em frente e tb ter mudado o seu destino.

Na estação Luz a moça sentada ao meu lado levanta-se e ele olha para a outra moça que estava em pé exatamente em frente ao lugar agora vago e como esta não esboça nenhum movimento no sentido de sentar-se ele o faz mais que depressa. E continua a arfar, criando coragem e perdendo-a, até que cheguemos a Santana. Mais uma vez ele levanta-se e sai do trem antes que eu me mova e novamentese depara comigo quando vai olhar para trás, só que dessa vez ele fala comigo. Conversa banal: meu nome o dele, de onde estamos vindo, com o que trabalhamos, a vantagem de eu trabalhar em casa e a dele de trabalhar na rua, até que passada a catrca despeço-me com um:

- A gente se vê por ai.
- Vc pode sair?
- Posso.
- Tem telefone?
- Cel pode ser?
- Pode.

Anota e quando vamos nos depedir diz:

- Te ligo qualquer dia desses... Vc é uma graça sabia?

Eu ri e me afastei indo para onde tinha de ir.

Não acho que ele vá ligar. Acho que foi sim um sinal para que eu não enveredasse por caminhos falsos na minha decisão. Eu posso até decidir-me a operar, mas não embasada nisso, pq é falso.

No entanto não não nego que o ocorrido tenha feito um bem enooooorme ao meu ego. Ahhhh! fez! Mesmo com o mocinho acabando exatamente na altura do meu nariz, fez!

Depois Eu Penso Nisso...

Minha tia, ubandista de carteirinha e atabaque, sempre foi dada a pregar sustos na família. Natal passado resolveu explicar pros sobrinhos como se dança o ritual do caboclo velho. Numa sintonia deturpada, começou a girar pela sala, como se tivesse brincando de pião. A criançada ria solta, deboxando de vez num ataque histérico com a estranha figura que ela começava a se contorcer. Parecia uma baiana de escola de samba com os miolos boiando em cana, pura manguaça. Mas foi só a voz dela mudar prum grave absurdo que todos nós saimos correndo e gritando pelas nossas vidas. Hoje eu sei porquê raios ela nunca se casou.

Baixou o santo no Cumequié

O fato é que nós EXIGIMOS a lua, já é, mas nós não estamos realmente certos de que é a lua que queremos.

Ou então nós realmente queremos a lua mas sabemos que não podemos tê-la e por isso fingimos que não queremos.

Ou então nós erguemos nossas cabecinhas desmioladinhas para o céu com cara de ah-eu-não-queria-mesmo e seguimos andando dessa forma até tropeçarmos, cairmos, morrermos e quebrarmos os dentinhos.

The real folk blues

23.9.03

eu hoje uso o meu casaco vermelho de pequeno príncipe e lembro de um amigo que está longe. eu não esqueço das tardes frias com vento aqui dessa cidade, as caminhadas na vila e suas ladeiras. não esqueço o cheiro delicioso do apartamento dele, das comidas preparadas a quatro (ou mais) mãos. não esqueço do inverno com o coração do tamanho de uma semente e das leituras aleatórias de clarice lispector, na cama, enquanto ele tentava (em vão) trabalhar. o pain au chocolat que a gente insistia em comer, e o chá dele que sempre me curava.

as lembranças são muitas e muito doces. gosto de pensar que meus meninos vão voltar e que vamos tomar muito vinho e chá juntos, jogando de novo o i ching. e que, dessa vez, eu não vou estar mais tão confusa. vamos rir e cantar, cozinhar e comer, ver filmes antigos e falar muito.

ah, meninos, vocês vão gostar tanto da minha cozinha amarela e da varanda cheia de luz... espero vocês com uma macarronada e aquele vinho. até!

zel

Quando é que as coisas começaram a desmoronar?
Fui eu? Por descuido acabei me encostando em algum lugar indevido, e derrubei tudo, sem querer?
Ou será que quando eu cheguei aqui, já estava pisando nos destroços e nem percebi?

in your HEAD your REMEDY

Eu não quebro, eu me estilhaço; eu não me parto, eu me esfacelo;
eu não me rasgo, eu me despedaço; eu não me lasco, eu me esfarelo.
Não procuro recomposição e não há nada a temer.
É só a minha maneira peculiar de andar pela vida, que pra nos obrigar a desacelerar, instala quebra-caras.
E eu desacelero? Eu não.
Quando acho que vale a pena, pé em deus e fé na tábua.
Se der caca, minha força fica multiplicada pelas minhas partes espalhadas no chão.

Não Discuto

Minha Aldeia

Perdizes é um bairro de topografia muito acentuada. Repleta de barrancos, escadarias e colinas, obriga carros menos possantes a apelarem para a primeira marcha: trata-se de uma verdadeira montanha-russa de ruas. A região, que concentra grande número de prédios residenciais, começou, de dois anos para cá, a ganhar contornos comerciais. Marcas como Blockbuster, Sotto Zero, Bank of Boston e Gelateria Parmalat tornaram-se presentes, causando reviravolta significativa (e simbólica dos tempos de globalização) no perfil de um bairro caracterizado por logradouros com nomes de origem indígena, como Caiubi, Kaiowaa, Apiacás e Caetés, que é a rua onde moro.

Mas, antes de falar da Caetés, uma curiosidade histórica a respeito do bairro. Segundo o historiador Antônio Egydio Martins, no local onde hoje se encontra Perdizes residia em 1850 um vendedor de garapa chamado Joaquim Alves. Sua enteada, Tereza de Jesus Assis, foi uma senhora dedicada à criação, no quintal de sua casa, de grande (e barulhenta) quantidade de aves. Para se referirem à região, os moradores da provinciana São Paulo da época diziam: "nos campos das perdizes", "lá onde há perdizes", "nas perdizes", e assim foi até o nome pegar.

Hoje os sons mais comuns são outros. Em vez de aves, temos buzinas de carros, a Pour Elise de Beethoven no arranjo nauseabundo dos caminhões de gás, e vendedores anunciando o "puro e delicioso creme de milho das pamonhas de Piracicaba". De dois em dois meses, essa monótona trilha sonora tem a sua rotina quebrada por um apito que nos remete a épocas mais românticas. É Severino Rodrigues, 36 anos, anunciando às empregadas e donas-de-casa da rua Caetés e imediações que o amolador de facas chegou.

Severino carrega nas costas uma espécie de bicicleta adaptada para sua profissão; ao pedalar, faz girar um disco de pedra de esmeril, ligada ao pedal por uma tira de borracha, e por meio do qual afia facas e tesouras, a R$ 2,00 ou R$ 3,00. "Trabalho há quinze anos como amolador, desde que cheguei de Sergipe", afirma. Apesar de sua profissão estar condenada à extinção, possui uma freguesia fiel, que visita de dois em dois meses. Durante esse intervalo, circula por outros bairros: Bom Retiro, Lapa, Freguesia do Ó, Ipiranga. Severino trabalha apenas como amolador, e sua renda diária oscila entre R$ 30,00 a R$ 40,00. Dirce Calamita, 60 anos, moradora de um sobrado da Caetés, elogia o serviço: "sou freguesa dele há dez anos". Aparentemente Severino não foi afetado pela chegada ao país das Facas Ginsu.

Dona Dirce mora na Caetés desde 1963, quando se instalou com seu marido, Josué, falecido há três anos. Lembra-se, com nostalgia, de uma época na qual Perdizes era um bairro constituído basicamente por casas e sobrados. Segundo a viúva, os prédios começaram a aparecer nos anos setenta, junto com o milagre econômico. Um marco importante no desenvolvimento do bairro foi a construção da Avenida Sumaré, que cruza a Caetés, em 1965. "Foi o fim da minha tranqüilidade", lamenta. Sua má sorte consiste no fato de morar quase na esquina com a Sumaré, local que se tornou um dos principais points dos notívagos paulistanos, habitués de locais como o restaurante Pantanal e o Fran's Café. Contudo, a Caetés ainda reserva espaço para pontos comerciais "demodês" como a Sapataria Expresso, número 560.

Outro dia precisei recorrer aos préstimos da sapataria a fim de consertar a fivela de um sapato. Apesar do nome, fiquei dez minutos aguardando pelo responsável. João Carvalho, 27 anos, saíra para tomar um lanche, deixando a "Expresso" aos cuidados de um vizinho que "dá umas olhadinhas no local" enquanto o dono está fora. Proprietário e único funcionário da sapataria (na verdade a garagem improvisada de um sobrado), João herdou o ponto do pai, antigo morador do bairro. Gosta muito de morar na Caetés, mas queixa-se do aumento da criminalidade. "Assaltaram minha Brasília 77 há dois meses", reclama. Outro problema social crescente é a proliferação de crianças de rua, atraídas principalmente pela agitação noturna da Sumaré. Os "flanelinhas" são presença constante por toda a avenida, em frente à Blockbuster, Brunella, o restaurante Juca Alemão e outros lugares badalados.

Quanto a mim, moro em um prédio localizado no final da Caetés. A rua, sem saída, desemboca em uma escada que leva até a Praça Irmãos Karmann, logo em frente à Avenida Sumaré. Venâncio, 30 anos, porteiro do meu prédio durante o último turno da noite, aprecia a vizinhança e pretende morar em Perdizes um dia. Gosta do trabalho e dos moradores, mas tem uma queixa a fazer: uma decisão tomada na última reunião do condomínio decretou que a televisão da guarita onde trabalha só pode ser ligada em casos excepcionais (Copa do Mundo, por exemplo). Por causa disso, tem sistematicamente perdido os jogos do Santos. "Agora, só com radinho", suspira.

.Pensar Enlouquece. Pense Nisto.

A saga do primeiro beijo (Post XVII)

Nos apresentamos à diretora, mostramos os bilhetes falsificados e aguardamos enquanto ela ajeitava os óculos e conferia as assinaturas. O silêncio do ambiente era perturbador, mas antes que se tornasse insuportável, ele foi quebrado pela campainha do telefone.

- Dom Duarte... Alô, alô, alô... Fale um pouco mais alto... Sim... Como vai dona Maria? Sei... Sim, está aqui na minha frente.

O que era aquilo? Filme de terror? Senti meus olhos lacrimejarem e minhas pernas adormecerem. Por que minha mãe ligaria para a escola? Marilu segurou minha mão e fez um sinal para que eu procurasse me manter calma. Não adiantou. O rumo da conversa era aterrador.

- A senhora não se preocupe porque está tudo sob controle... Nada que não possa ser corrigido... Claro... Acabei de lê-lo... A senhora fique tranqüila porque sua filha está em boas mãos.

Comecei a chorar. Não conseguia segurar uma gota de lágrima. A diretora, de costas pra nós, falava ao telefone e, a cada palavra que ela pronunciava, eu via nitidamente a minha mãe do outro lado da linha. Que ingenuidade a nossa achar que falsificar as assinaturas dos nossos pais resolveria o problema! Diante da cena patética de me ver chorando de medo, a Marilu passou a mão por trás da cadeira e me deu um beliscão nas costas. Doeu tanto que precisei respirar fundo para não dar na cara dela. Senti um ódio tão grande que parei com o choro e me recompus. Quando a diretora virou novamente o corpo para nós, apesar de roxa de ódio e rosto esfregado, eu já não dava mais tanta bandeira de preocupação. Estava pronta para o pior, mas estava com mais raiva da Marilu do que medo da minha mãe ou da diretora.

- Marilu você pode ir para a sala de aula. Alessandra fica.

Estremeci, mas pelo menos não chorei. Foi a vez da Marilu bambear. Ela ficou como barata tonta, não sabia se ia, se ficava, se argumentava...

- Saia e deixe a porta aberta. Quero ouvir os seus passos bem longe daqui.

Sem escolha, Marilu saiu da sala e me deixou a sós com a dona Olga. Durante alguns segundos, ouvimos em silêncio o solado do Conga chiando contra o piso de cerâmica.

- Alessandra, eu quero te pedir um favor.

Favor? Que tipo de favor?

- Favor? Claro, dona Olga.
- Eu quero que você cuide da Marilu.

O quê? Ela devia estar brincando. Será possível que não era minha mãe do outro lado da linha? Que papo era aquele? Desde quando a Marilu precisava de cuidados? Ela era capaz de cuidar daquela escola inteira, inclusive da própria dona Olga.

- Como assim dona Olga?
- Sabe minha filha, alguns amigos operam verdadeiros milagres nas nossas vidas. E é por este motivo que estou pedindo a sua ajuda. Você é muito nova para compreender a dimensão do que eu estou dizendo, mas vou apostar na sua sensibilidade. Marilu é uma menina com muita personalidade, mas ainda é uma menina. E é importante que você acredite que ela precisa tanto de você, quanto talvez você precise dela.
- Desculpe, dona Olga, mas eu não entendi o que a senhora quer que eu faça. Ela tem algum problema?
- Problemas, todos nós temos. Mas o que eu quero é que você não deixe de se impôr com a Marilu. Não se sinta deslumbrada com as idéias mirabolantes dela, faça valer as suas, combinado?

Era tudo muito confuso, mas eu só queria sair daquela sala.

- Tudo bem.
- Assim espero. Um dos sinais de que você estará cumprindo o prometido, será se mantendo longe desta sala. E isso vale pra vocês duas.

Concordei novamente e pedi licença para me retirar. Fechei a porta e respirei aliviada. Nada de assinaturas falsas, telefonemas e nada da minha mãe. Eu não sabia se ria ou se chorava, mas acabei rindo ao ver a Marilu no corredor, só de meias e na ponta dos pés, tentando se aproximar da sala da diretora para saber o que estava acontecendo. Era uma palhaça...

----------> Continuará em Amarula Com Sucrilhos

22.9.03

O homem mais que sensível

Acordei pra mais um dia maravilhoso. Abri a janela e o sol inundou meu quarto. Emocionado com esse milagre da natureza, chorei. As grossas lágrimas da minha felicidade molharam minha face máscula.
Quis compartilhar minha alegria com outros seres vivos. Gritei - sim, gritei - a plenos pulmões: "Bom dia, sol! Bom dia, pessoas! Bom dia, outros seres vivos!"
Um homem forte que fazia buracos no asfalto com uma picareta me ouviu, depositou a ferramenta no chão, olhou em minha direção e, emocionado, falou:

- "Cala boca, ô boiola!"

Na próxima edição: o homem mais que sensível faz a barba.. e chora."

Quem não precisa de um Ultimato?

Vou ter que falar sobre o meu irmão. O meu irmão mais velho. Não mais velho do que eu, pois eu estou beirando os 25 e ele fez 23 este ano.
O sangue bom (logicamente por ter o MEU sangue) já é formado em Engenharia de Produção pela UFF (faculdade federal é coisa chique, né gentem?), fala inglês, espanhol e alemão, está cursando MBA em Administração Esportiva na Fundacão Getúlio Vargas (muuuuito chique...), além de praticar musculação há sei-lá-quanto-tempo, já ser graduado em capoeira, jogar futebol todas as noites e dar uma nadada báááásica de vez em sempre.
OBS* Porra, não me perguntem como ele arruma tempo para isso tudo. Logo para mim, que sou a mais enrolada e lôka da casa...
Há! O partidão também tem algo raro: ele não trepa. Só faz amor, tá? E não...ele NÃO é nada baitola por causa disto. É, apenas, um cara exigente. E raridade no mercado, ó-be-ve-o.
Mas por que diabos eu estou falando isso? Bom...explicando:
Duas blogueiras (que eu não citarei quem são para não gerar polêmica) estiveram aqui em casa e confessaram que o sangue-do-meu-sangue é de tirar o fôlego.

(...)

REAÇÃO DA BLOGUEIRA 2
Eu: Ah! Deixa eu te mostrar fotos!!!!
Ela: Oba! Adoro ver fotos!
Eu: Aqui: essa sou eu e meu irmão...
silêncio
Eu: Que foi???
Ela: Ui!!! Esse é seu irmão? Minha Nossa Senhora, o que é isso? Que coisa, hein?
Eu: Cuma??
Ela: Delícia!!!
30 minutos depois. Ela no sofá e eu no computador. Olho para o lado e a vejo com uma CUECA na mão, com cara de babona
Ela: Essa cueca é do seu irmão?
Eu: É, por que?
Ela: Nooooooossssssssssaaaaaaaaaa...(quase já cheirando a cueca)
Eu: Do meu irmão de 11 anos, tá?!
Ela: PORRA!!!!!
Cueca voando das mãos dela pela sala

cafofo

A Tabuletra informa: Peru Muda de Sexo e Surpreende a ONU

Nova Iorque urgente - Foi com perplexidade que a ONU reagiu à notícia de que a República do Peru mudou de sexo. O anúncio oficial foi feito pelo chanceler peruano em um breve discurso. Ao longo de quatro minutos, o diplomata procurou explicar para a assembléia geral o significado da mudança radical e reafirmar os compromissos internacionais do país. Ele ressaltou a importância da atitude frente à comunidade mundial: “Vamos enfim assumir a posição certa diante das outras nações: de frente, porque de cachorrinho já estávamos cansados”.

O Secretário-Geral das nações unidas se disse incrédulo. “Não estávamos esperando uma notícia dessas” declarou consternado. Quanto à situação do país como membro da ONU ele procurou ser cauteloso: “A princípio suas condições anatômicas não permitem que seja o membro de mais nada, mas teremos que analisar a situação com mais cuidado” declarou.

Na assembléia das nações o representante americano foi lacônico. “Ainda é cedo para comentar. Só podemos dizer que um acontecimento como este gera muitos desdobramentos”. Entretanto ele fez uma ressalva importante: “Paradoxalmente o aspecto menos afetado será o da prega-rainha. Essa o FMI já tinha desdobrado faz um tempão”.

Com a mudança o nome oficial do país passa a ser República da Ximbica e os cidadãos serão chamados xibius. As autoridades garantem que a população absorveu bem a notícia e durante a entrevista concedida após o pronunciamento procuraram passar uma imagem de normalidade para toda imprensa internacional. O Secretário Nacional de Turismo era um dos mais aplicados: “São novos tempos, mas a Ximbica continua acolhedora como sempre!” garantiu com entusiasmo e acrescentou: “Qualquer pessoa que vai à Ximbica adora e depois quer voltar. Os xibius são alegres, hospitaleiros e receptivos”. O vice-presidente da Ximbica, presente na ocasião, também se empenhou na propaganda da nova identidade nacional: “O presidente do Brasil, nosso vizinho, certa vez empregou a expressão ‘espetáculo do crescimento’. Pois peço licença a ele e faço um convite a todo mundo empresarial: levem seus negócios para crescer na Ximbica. Aí vocês verão o verdadeiro espetáculo!”.

Letra Morta

21.9.03

Querido filhote

Agora sinto seus movimentos mas não é de hoje que a mamãe te ama. Me apaixonei por você muito antes de saber o resultado do exames, te desejei tanto e agora você demonstra com leves cutucões que está bem aqui dentro de mim.
Não existem palavras pra você, então eu guardo tudo no meu coração.

pulce.org

Quarentena

Acontece que o Pit sumiu.
Mesmo me dando uma canseira danada, até que sinto falta dele.Imagine só o cachorro só sossegava se dormisse na minha cama junto com a Pintcher.Os dois brigavam de madrugada pra conseguir uma beira do meu edredon.
Um Pit Bull e uma pintcher brigando em cima da minha cama e eu, essa pateta nata, só virava pro lado e dormia,na beirinha que era pra não atrapalhar os dois.
Colocaram um cartaz lá fora escrito que o cachorro fugiu e minha avó está internada por isso(mentira), depois meu pai foi lá e colocou que o cachorro está com sinomose (mentira também) e então começou a briga do cartaz, pra ver qual estratégia é melhor.
Veio um vizinho opinar que era melhor tirar a idéia da recompensa, senão alguém poderia soltar os outros cachorros.Tiraram a recompensa vergonhosamente passando um risco em cima do : Gratifica-se o encontrador.
Um menino bateu na porta e perguntou se não estavam mais recompensando quem encontrasse o cachorro, disseram que não e o moleque disse que então não procuraria mais.Colocaram a recompensa de novo.
Saí pra ver o cartaz e não entendi absolutamente nada,só sei que ví um pessoa de idade internada,sinomose,gratifica-se , alguns rabiscos e um paninho preto,pendurado no portão, em sinal de luto pelo cachorro que fugiu.
Com esse alarde todo, avisando desde guarda noturno até o canal de televisão local mais aquela parafernária escrita la na frente,ninguém ousou bater aqui em casa,não teve visita,nem cobrança,nem vizinhos,nem parentes.
Já ligaram aqui perguntando se sinomose, a doença que a minha vó tem, é tão grave a ponto de colocar um cartaz com um pano preto, mandei dizer que é um segmento da peste bubônica e a empregada revidou que ela pode ser até peste,mas boba ela não é, portanto não foi ela quem soltou o cachorro, pra quem acha que Saint Laurent é nome boliviano, a gente perdoa qualquer coisa.
O importante é que estamos de quarentena e ninguém chega perto.
Nunca mais tiro aquele cartaz de lá.

Casos e Acasos Virtuais

19.9.03

Vingança lingüística galopante.

Uma amiga minha botou uma imagem (à qual não me causou comoção positiva) cheia de chorumelas no fotolog e veio me contar pelo icq do "liiiiiiiindo" comentário que o amigo dela deixou lá, pra que eu "admirasse" seu vocabulário "riquíssimo".

Eis que me deparo com uma tentativa sem sentido de um texto "romântico" (será?), que só serve pra atordoar o leitor incauto pelo non-sense e, mesmo assim, cheio de erros. Se o cidadão ler isto aqui, que me desculpe, mas eu precisava fazer isso.

Versão original: a "prosopopéia flácida":

Curupira @ 2003-09-18 02:16 said:
Quer outra coisa bacana? Lá vai:

"Salgadas lágrimas angustiadas de mágoas reprimidas que secretam de exaustos olhos teus (a não mais observar a luz seguida no túnel), molham cútis minha a fazer-me em um toque lacrimal sonhar serenamente ouvindo os soluços do peito teu.
Verossímel fosse o ato de voar sobre nossas injúrias, e nas nuvens que confortam minha alma deixar-me envolver sem pensar em algum dia ter que voltar...
...Respirando vagamente o puro ar que me permite viver, intensamente, e a por você enlouquecer."

(Curupira, baseado na imagem acima).

Beijos.

Versão Fabiânica: vomitei no teus discos e ainda peidei molhadinho:

Fabiana @ 2003-09-18 02:39 said:
"Ácido vômito vulcânico de repulsa eclesiástica que brota do coração meu (a não mais incomodar o púlpito esofágico de onde brotam andorinhas), molha a volúpia de uma velha vitrola a fazer-me em um típico pestanejar gritar desesperadamente ouvindo Elvis no derretido disco teu.
Inverossímil fosse o fato de praguejardes contra meu súbito engulho, e nos nefelibatos prantos que afagam minha calma deixa-los-iam de molhar sua verruga coclear...
...Ofegando concupiscente o espúrio ar que fremente disparei, umidamente, para você nunca esquecer."

(Fabiana, baseada no comentário acima).

Ósculos.


Isto faz-me concluir que, não importa o tamanho da merda que você queira dizer, você pode tentar impressionar (e atordoar) o leitor, fazendo com que ele provavelmente não entenda porra nenhuma, a não ser que seja fã da Barsa e enciclopédias culturais e dicionários e latim e coisas mortas, como eu.

HA HA HA!

Lição de hoje: não se metam a usar palavras pitorescas sem saber seu significado ou sem pensar na estrutura do texto, pois palavras soltas (ou aglomeradas à mercê da sorte) não fazem sentido. Isto vale para mim também.
Prosaicamente me despeço de vós.

Sexo com Canetas e comentários

A minha vizinhança é uma coisa


No apartamento de baixo mora uma moça de 25 anos que tem dois namorados. Um deles toca violão de forma que, no mínimo umas três vezes por semana, temos serenata na madrugada. No apartamento de cima moram quatro: mãe e três filhas, sendo que a mais nova foi rainha das piscinas o ano passado. No ap transversal ao meu, três irmãos: o mais velho deve ter uns vinte e poucos anos e é a coisa-mais-querida-da-tia. Tanto eu quanto a Síria, a vizinha dos dois namorados, faríamos o bofinho (se a Marilia Gabriela pode comer danoninho, nós também podemos!).
E a Roberta tem uma amiga muito interessante (pele morena, mais de 1,70m, deve pesar um 90kg, no mínimo, e é a criatura com a vida sexual mais ativa que eu conheço) que costuma freqüentar o prédio com regularidade. Semana passada ela e o namorado foram jantar comigo e resolveram escutar CDs no meu quarto. Eu estava tão cansada que adormeci. Dia seguinte, no café:
- E ele gritava: Cleozinha! Cleozinha que loucura! Vai, vai Cleozinha. Ai Cleozinha assim. Assim, fica de quatro, fica. Ai Cleozinha... E começou a bater na minha bunda gritando: ai Cleozinha! Cachorra! Sua cachorra, late pra mim, late!
- E tu?
- Eu lati claro!
- Cleo, tu latiu!?
- Lati. Au-au, au-au.
- O cara te chamou de cadela e te mandou latir!? Que hooorror!
- Que quê tem? Eu sou uma cadelinha linda, praticamente uma São Bernardo! E tu, que mais parece uma yorkshire terrier.
- É. Exatamente uma São Bernardo mesmo: gorda, peluda e bêbada!
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Hoje o vizinho gatinho passou por mim na rua. Levantou a sobrancelha esquerda me olhando de alto a baixo e deu um sorrisinho. Provavelmente ele ta achando que quem grita au-au trepando sou eu.

relato de uma Megera Magérrima

incas venusianos levaram meu casaco de lã. estou sozinha e minha mãe esqueceu de me buscar. está chovendo. esqueci minhas botas de chuva. meu lanche derramou dentro da pasta.

cenas do Cinematógrapho

a pessoa vai parar em situações onde nunca pensou estar nunca 

Foi.

Terça-feira eu tava lá, visitando as casas dos velhinhos, aí minha mãe me ligou e disse que Tia Dona tinha morrido.

Pois é, eu tinha essa tia-avó, sim, e o nome dela era Dona. E ela morava em Limoeiro.

Mas não havia proximidades, por alguma razão familiar obscura. Sendo que todo mundo que conhecia Tia Dona falava tão bem dela, que era tão engraçada e serelepe, que tava sempre toda contentinha, e não foram poucas as pessoas que disseram que eu parecia com ela. Encontrei-a duas vezes perdidas na vida. Câncer de estômago.

Muitas pessoas na minha família têm câncer de estômago, é por isso que a minha gastrite é uma coisa assim basicamente deveras preocupante, e eu definitivamente não devia consumir 2396 litros de coca-cola por semana, mas você sabe como é a juventude javali, "isso nunca vai acontecer comigo, pô, eu sou jovem!" etc.

Bestalhenta.

Câncer de estômago. De sofrimentos e dores e uma cirurgia que ela fez há três meses, pra poder morrer comendo e não definhar tragicamente (mais), porque não dava mais pra fazer radio ou quimioterapia e cirurgia de ressecção do tumor também era impossível. Pois se operou, sem saber que tinha câncer, e quando voltou a comer direitinho, achou que tava boa.

Eu não sei se isso é crueldade ou se acaba sendo bondade. Isso de não contar, eu digo. Porque ela viveu esses últimos 3 meses bem, comendo direitinho, sem passar mal, sem grandes problemas, e jurava que tava curada, a pobrezinha. Ninguém tinha coragem de falar.

Acabou morrendo na terça, e eu soube quando tava na casa de Dona Elisa, que chora toda vez que eu vou lá porque eu pergunto como ela tá e ela chora de tristeza, porque não se levanta da cama e depende das pessoas pra fazer qualquer coisa, qualquer coisa, sendo que é lúcida e consciente e sofre, sofre tanto.

Viver é foda, eu penso, a chance duma coisa muito ruim acontecer com você é tão grande, meudeus, que chega me aparecem todos os medos da vida.

Vai ver foi nessa hora niilista que o maldito vírus da gripe me pegou; diz que as pessoas 'desenganadas' têm baixas importantes no sistema imunológico. Não sei.

E a prima minha que me hospeda, a irmã de Chaves, gostava muito de tia Dona, e vivia sempre falando dela, e de como era triste toda a situação e de como ela dizia que queria um remédio pra desinchar a barriga, que aí tudo ia ficar bem, e de como ela (a minha prima) tinha muitas vontades de chorar todo santo dia quando pensava na tia.

Minha mãe foi pra Limoeiro, pro enterro; e tios, e meu avô, que era irmão, e pessoas, de maneira que eu fui também, pro velório, e depois pro enterro.

Enterros, eu já disse isso, são as coisas mais esquisitas e incômodas e absurdas de que tenho notícia. Um enterro. Meudeus. Odeio enterros e evito, evito, evito tanto.

O velório foi na casa dela própria, Tia Dona, e eu ia chegando e a rua toda tava parada, carros, pessoas nas calçadas das casas, os chororôs que sempre se vê, mas era quase como se não fosse muito triste, sei lá, uma coisa esquisita. Esquisita assim, de pouco usual, mas na verdade bom, né? A morte, essa danada, com a qual a gente num se acostuma nunca.

Então, às cinquimeia, saiu o cortejo. Sim, é, os filhos carregando o caixão pelo meio da rua, e todo mundo atrás, em direção ao cemitério, cantando "segura na mão de deus e vai", as pessoas todas que tavam nas calçadas, e atrás carros, e para-se o trânsito, e para tudo, e as pessoas nas janelas das casas por onde passava o cortejo, e eu de repente me vi ali no meio, sem saber o que dizer à irmã de Chaves que chorava tanto, tive que apelar pro clichê do "foi melhor assim", mas que coisa, eu nunca sei o que dizer às pessoas nessas horas.

É. Algo me diz que era bom aprender.

Na porta do cemitério, isso já escuro, pra lá das seis, paramos. As pessoas seguiram. E eu merma é que num quis entrar. Ou não queria, porque aí a irmã de Chaves me puxou pelo braço e começou a falar coisas que eu não tava ouvindo, mas eu tive que ir pra onde ela tava me levando, bem, ela é forte e decidida, parece. E queria me mostrar o túmulo do seu pai, e do seu irmão, por alguma razão ela queria muito me mostrar, e foi me puxando cemitério a dentro.

MUITO, eu digo, de verdade, porque o cemitério tá com a lotação esgotada e eles vão construindo os mausoléus um colado no outro e você não consegue passar por entre os dois sem se esfregar nas paredes das tumbas, perceba, perceba, e ela se enfiou lá dentro e foi me puxando, e quando eu acordei, tava com o pé preso num buraco no meio de dois mausoléus às seis e meia da noite com morcegos dando rasantes (é com ésse?) por ali e como eu vim parar aqui?

Mas não era sonho, e cheguei do outro lado e vi as fotinhas das pessoas e as datas e cemitérios são coisas estranhas e tristes demais.

Ela me chama de "amiga" e agora me contra segredos, e me mostra o túmulo dos parentes e me dá chocolates e... Me sinto culpada. Eu sou, eu sou emocionalmente embotada, assumo. Culpada. Mais culpada ainda porque nunca conheci tia Dona direito, e ela devia mesmo ser uma gente muito boa, mas agora num dá mais tempo.

autonauta da cosmopista

18.9.03

Ça va?

Bonjour a toute le monde,

Só agora consegui um computador com internet para poder mandar notícias. E com as letras do teclado em outra ordem para dificultar ainda mais... Enfim, acabei vindo diretamente para Paris, pulando Amsterdã. Era isso ou passar dois dias na Holanda enquanto nossas malas se divertiam na França. Preferi seguir minha mala... Ça va, ça va!

Viajar com passagens de cortesia não é tão divertido quanto parece, já que você só entra no avião se tiver sobrado algum assento. No aeroporto de Cumbica, a mocinha da KLM nos animou dizendo que as chances de embarcar eram bem pequenas. Mesmo desanimados (eu e mais três colegas) com a possibilidade de ter que voltar para casa sem cantar a Marselhesa, seguimos todos os tramites burocráticos e 15 minutos antes do embarque ouvimos um atendente da KLM perguntar pelo rádio: "Posso liberar o pessoal aqui?", o que poderia querer dizer "mandá-los embora" ou "mandá-los embarcar". Felizmente era segunda opção.

Durante o vôo, outro purgatório foi aguentar uma mulher que parecia irmã do Agnaldo Timóteo e que curtia falar bem alto enquanto os outros tentavam dormir. Para pegar nossa conexão no aeroporto de Amsterdã houve o mesmo suspense de embarca-não-embarca. Mas aí já estávamos na Europa, onde qualquer roubada vale. Emfim, 11 mil quilometros depois e 15 horas (mais as 5 horas de diferença de fuso horário), praticamente sem ter dormido, chegamos a Paris.

Se tudo o que contei até agora era para que vocês não ficassem com inveja, agora tenho de contar que aqui o tempo está fantástico. Nenhuma nuvem no céu, tempo muito agradável (o calorzão que levou muitos velhinhos já passou) e ainda anoitece depois das 20h. É incrível ver como a paisagem e o clima da cidade muda entre as estações. Quando vim pela primeira vez era fim de inverno e as ruas estavam bem mais vazias e, as árvores, descabeladas. Champs du Mars agora está cheio de gente sentado na grama tomando aquele sol e aquele vinho.

Só as francesas que têm me incomodado. Nenhuma delas até agora me deu a mínima e isso me incomoda bastante. Me apaixono diariamente por várias delas mas as traio logo em seguida quando aparece outra beldade fazendo beicinhos e esbanjando sensualidade com seu trajes de fim de verão.

Por outro lado, tudo está muito caro. Corrigindo, nosso dinheiro é que não vale nada. Qualquer refeição básica aqui não sai por menos de 10 euros ou cerca de 33 reais. E não precisa muito para ir além disso. Assim, tenho disputado avidamente com os pombos pelas as migalhas que os velhinhos deixam cair.

Os franceses já não são exatamente os mesmos. A molecada parece ser da MTV, todo mundo usa tênis e abusa do celular, e RAP é super popular por aqui. Por outro lado, continuam a fumar doentiamente e não acreditam em cinzeiro. Lugar de bituca é no chão. Ao entrar num lugar para comer evite olhar para baixo. Além disso, eles não perderam o hábito de falar mais rápido quando percebem que você não fala bem francês.

Não tenho como mandar fotos agora, mas já acumulei centenas delas e mais videozihos que a câmera digital faz. E nos últimos dis descobri que de noite é o melhor horário para fotografar Paris. Se a KLM deixar, devo voltar dia 19. Se de errado, o máximo que pode acontecer é ter que passar um ou outro dia em Amsterdã até conseguir embarcar.

Bem, é mais ou menos isso. Confesso que não estou com saudades, porque nem vai dar tempo para isso.
Au revoir. Ne me quiche pas!

P.S. - Nada de Philipe Ledoux até agora.

viagem chez nigro

17.9.03

O bam bam bam na rodoviária

Tio Cláudio sempre foi o bam bam bam , o mais velho , queridinho da vovó.
Notaram a entonação de voz?
Sempre foi alvo de sátiras, pelas costas, é claro.
Uma coisa pode ter certeza, tudo que é dito na cara aqui, é mentira e se for verdade passa ser mentira logo em seguida.Nunca vi gente pra ser indecisa em opiniões alheias.Não é falsidade, é reciclagem de idéias.
Voltemos ao Tio Calaláudio (apelido dado carinhosamente pelo tio Alex).
Época de Natal, tudo é festa, todos organizando a comida pra Ceia e o Calaláudio liga da Rodoviária em São Paulo dizendo que vai chegar tal hora em Pinda e quer que alguém vá buscá-lo na rodoviária.Tremenda frescura, custava pegar um táxi? Não moramos nem há 1 Km da rodoviária, isso foi motivo suficiente para planejarmos a sua chegada.
Enchemos bexigas coloridas,preparamos faixas para recepcioná-lo na rodoviária,camisetas escritas com pincel atômico e alguns instrumentos de percussão.
Eu e mais meus outros primos subimos na caçamba do carro do Ricardo, outro tio, irmão dele, e fomos para a rodoviária fazer a recepção.Chegando lá, avisamos ali onde os ônibus embarcam que em breve chegaria de São Paulo o Presidente do Clube Gay do Estado de São Paulo.
Colamos as faixas, todos com bexigas coloridas na mão , máquinas fotográficas, e uma batucada irritante :
- Queremos o Cláudio, Queremos o Cláudio, Queremos o Cláudio!!!
Quando o ônibus chegou , ele desceu, começou uma gritaria gaystérica, minha prima pulou no pescoço dele , foi a outra e tirou uma foto, quem estava em volta começou aplaudir,outros assustados e conservadores achando tudo aquilo um absurdo.
O motivo dele querer carona era porque dentre as coisas que ele trazia era um Peru de sei lá quantos quilos, e a gritaria mudou o rumo:
- Cadê o Peru tum tum tum , Cadê o Peru tum tum tum , Cadê o peru tum tum tum ....
O funcionário da rodoviária tirou a bagagem dele e tinha a caixa de isopor,com o Peru dentro, que ele mesmo, o Cláudio, tratou de pegar e sair correndo dali da rodoviária , tomado de vergonha com a batucada que seguia :
Queremos o Peru, Queremos o Peru ,Queremos o Peru, Queremos o Peru.
Subimos todos na caçamba e ele foi na frente .
Quando ele achou que tudo tinha se acalmado meu tio puxou o novo coro:
Tu é gay , tu é gay que eu sei.
E assim fomos embora , rodando a cidade , fazendo A festa, descontando inclusive os anos de puxassaquismo da minha avó que tínhamos que agüentar.
Nunca mais ele pediu carona.

Casos e Acasos Virtuais

Das vantagens de ser burra feito uma porta

Ah, são incontáveis. Tentarei mencionar aqui as que julgo mais pertinentes, para que vossas senhorias e vossos senhorios possam entender este meu desejo deveras compreensível de, um dia, quiçá com o poder de minha descomunal força pensamentícia e um empurrãozinho da Marlene Mattos (já me preparo psicologicamente para o sacrifício de me sujeitar à sanha da cara-de-joelho), vir a me tornar a Xuxa.

Primeiramente, a burrice, via de regra, sempre vem acompanhada da ignorância. Poucos são os burros com interesse no saber, na informação (o leitorzinho me dirá que conhece infindáveis; eu concordaria, se não estivesse falando de uma burrice do tipo pai d'égua). E nada é capaz de gerar mais neurose, angústia, paranóia, ansiedade e hipocondria do que o excesso de informação. Um bom exemplo é o consumo desenfreado de detalhes compositórios alimentares. Há não muito tempo, quando a alguém era oferecido algo que não conhecia, digamos, salmão, este alguém perguntava: "É gostoso?" Hoje, ao comedor vem a lembrança de um artigo em um destes inúmeros cadernos sobre saúde, digo, doença, presentes em qualquer jornal, e o comentário, "Ah, tem ácidos graxos ômega três que combatem os radicais livres e retardam o envelhecimento, e também é bom contra o câncer. Vou comer". Vai achar uma merda, mas comerá assim mesmo, em nome da "boa saúde". E quando se comia uma costeleta de porco frita, pensava-se (e até se dizia), "Hmmm, que delícia!". Hoje, quando olhamos uma costeleta de porco, vemos um infarto agudo do miocárdio resultante de uma artéria entupida de colesterol. Um bufê de comida mineira assemelha-se a um compêndio ilustrado de patologia forense. Um burro, e ignorante, continuará dizendo, entre uma dentada e outra, "Hmmmm, que delícia!", sem o menor pudor. E provavelmente o burro morrerá senil aos 98 anos. Vê-se, pois, que o que apressa a morte não é o colesterol, mas o fato de se saber que ele está ali, qual abutre rondando a potencial carniça cardíaca. O que apressa a morte é a informação.

Segundamente, um burro dificilmente tem grandes responsabilidades. Se trabalha em uma empresa, jamais chegará a chefe (estou falando de burros honestos; até porque, é preciso alguma inteligência a um desonesto próspero). Está livre, pois, de um sem-número de preocupações estressantes. Ninguém pedirá a um burro que procure resolver um problema insolúvel; aos inteligentes, exigem-se verdadeiros milagres. O inteligente morrerá de infarto por estresse aos quarenta anos; o burro morrerá senil aos 98. Vê-se, pois, que o que apressa a morte é o estresse.

Terceiramente, um burro tem um círculo de amigos burros. Um inteligente, por força das contingências intelecto-pensamentais, terá um círculo de amigos inteligentes. E em geral com alguma cultura, um ou outro com bastante cultura. O inteligente, então, devorará autores ilíveis segundo qualquer critério apenas para acompanhar o passo de seus amigos. Verá filmes invíveis, assistirá a peças de teatro inassistíveis, ouvirá músicas inouvíveis. Tudo em nome da "cultura", esta praga devoradora que a classe média a-do-ra pensar que tem. E o que é pior, terá de fazer um comentário inteligente e profundo a respeito de toda a tranqueira inútil que consome. O burro, sem outra preocupação a não ser a tabela do Brasileirão e o preço do cimento, manterá a cabeça fresquinha e ventilada, sem as obstruções sinápticas resultantes do vigoroso tráfego neuronal, e sem o intenso fluxo sangüíneo exigido por um encéfalo trabalhólatra. O inteligente terá um derrame aos sessenta anos; o burro morrerá senil aos 98. Vê-se, pois, que o que apressa a morte é a cultura.

Quartamente, um burro não se enche de culpa à toa. Pode se sentir culpado sim, por um crime terrível, por exemplo, ou por ter efetivamente magoado alguém, digamos, quando chama a namorada de "rolha-de-poço com cara de paca" e ela chora. Mas sempre por bons motivos, como podem ver. O inteligente sente-se culpado por tudo; um efeito colateral do excesso de reflexão e raciocínio, somados à informação. Freud sempre estará presente, acossando-o com o espectro da mãe que, segundo consta, ele quis comer e não comeu (se comeu, é hoje esquizofrênico e sociopata). Sentirá culpa por qualquer prazer que tenha na vida, comer, beber, fumar, cheirar, dormir, foder. Tudo. Um burro fará tudo isso e mais um pouco e ficará feliz como pinto no lixo. O inteligente, sempre bem informado, se martirizará a cada vez que gastar uma pequena fortuna em supérfluos, lembrando dos milhões que passam fome no mundo. O burro, se tiver a carteira recheada, comprará as maiores birutices que jamais vai usar só pelo prazer de comprar. O inteligente morrerá de câncer aos 58 anos; o burro morrerá senil aos 98. Vê-se, pois, que o que apressa a morte é a culpa.

Quintamente, o inteligente tem angústias existenciais. Passa a vida chafurdando em porquês, o porquê da vida, o porquê da morte, por que a Xuxa, tão tacanha, é podre de rica e eu não. Devora filósofos cujo hermetismo faria o próprio Hermes quicar de vergonha. Por força do hábito de raciocinar e em busca de respostas, sai ligando A com B, B com C, liga todo o alfabeto ocidental e não chega a lugar nenhum. Desespera-se. O burro entrega tudo nas mãos de uma divindade qualquer e passa a vida cagando e andando, quase literalmente. O inteligente cortará os pulsos aos 43 anos; o burro morrerá senil aos 98. Vê-se, pois, que o que apressa a morte é a metafísica.

Estamos esclarecidos?

Eu quero ser a Xuxa!

All About Eve

BLOG NÃO É VIDA

Mas quem quer saber de vida, ora essa? Se eu fosse um aristocrata, diria, como o Axel do Villiers de l'Isle Adam: "Viver? Os criados farão isso por nós". E pagaria alguém para correr a maratona, beber isotônicos e ser saudável por mim. No fucking way. Obrigam-me a pôr o nariz para fora de casa se quero comprar o que é essencial: goiabinhas da Galeria dos Pães, café, CDs de Haydn e Agnaldo Timóteo, cinco ninfas peladas. Ou vestidas, mas jogando strip-batalha-naval comigo diariamente. Claro, não tenho nada que se pareça com uma ninfa aqui no armário das vassouras -e essa é a única, estão ouvindo?, a única razão que me impele a uma atividade vulgaríssima como trabalhar. Dizem, porém, que há algumas modalidades de subsídio estatal que incluem mocetonas pudibundas em pêlo. Preciso começar a falar bem do Efelentífimo.

puragoiaba

Mais um: A saga do pimeiro beijo (Post XV)

Antes que um de nós reagisse ao flagrante da minha mãe, a Marilu, com toda sua genialidade, deu um murro na cara do Ivo. Um murro! Um belo de um murro na bochecha. O garoto ficou atordoado e a empurrou causando exatamente a reação que ela queria. Ela continuou. Partiu pra cima dele dizendo:

- É briga, dona Maria! É briga! Esses meninos só sabem bagunçar...

E desatou a falar... Disse que eles tinham começado aquela bagunça, que eram dois irresponsáveis, encrenqueiros... - tudo para que eu, o Ivo e o Murilo compreendêssemos a mensagem e começássemos uma briga de verdade. E foi o que fizemos. No momento seguinte, eu estava grudada nos cabelos do Murilo, o Ivo tentava segurar a Marilu dando-lhe uns croques e o Murilo gritava:

- Puxão de cabelo não, puxão de cabelo não...

Diante daquela cena, a primeira impressão da minha mãe mudou completamente. Marilu foi brilhante! Quem poderia dizer que aquilo não era uma briga de adolescentes? Perplexa, minha mãe abandonou sua posição de xícara e tentou controlar a situação. Bastaram alguns berros e vassouradas nas nossas poupanças para que fizéssemos silêncio e ela pudesse dar a sua bronca.

- Chega! Não quero mais ouvir um piu! Deixo vocês sozinhos por uma hora apenas e vocês destroem a casa.
- Os meninos que começaram...
- Chega, Alessandra! Eu não quero saber quem começou e muito menos como começou. Vão os quatro arrumar a sala e depois, vocês três podem ir para as suas casas. Quanto a você, esqueça sair de casa por uma semana.
- Uma semana? Mas você disse que amanhã eu podia dormir na casa da Marilu...
- Não me faça repetir uma só palavra do que eu disse. Será da escola pra casa e de casa para a escola.
- ...
- Vocês entenderam?

Sacudimos nossas cabeças e obedecemos. Se a Marilu não tivesse simulado a briga, o castigo seria muito pior. No final, foi fácil. Tão fácil que, enquanto colocávamos os móveis em ordem, um olhava para o outro e tampava o nariz e a boca para não rolar de rir.
Mesmo assim, eu estava arrasada. Uma semana de castigo implicava em cancelar meu encontro do dia seguinte. Meu primeiro beijo estava arruinado...
Marilu percebeu minha tristeza e abaixou ao meu lado para juntar os cacos:

- Não se preocupe, eu tenho um plano. Conversaremos na escola amanhã cedo.

Piscou pra mim e voltou a varrer o chão.

----------> Continua em Amarula Com Sucrilhos

16.9.03

Acho difícil me reconhecer naquele pequeno pedaço de papel. Tento tirar algo daquela imagem mas não consigo ver. Não sei se estava alegre ou triste naquele dia, se fazia sol ou se chovia torrencialmente, não sei se meus amigos estavam por perto ou se estava apenas andando pelas calçadas e precisei tirar uma foto minha, mesmo sabendo que ali seria apenas uma chapa sem emoção, inanimada.
Mudei radicalmente minha aparência, usei a famosa ¿Tesoura do desejo¿, cortei meus cabelos, com suas pretensões antigas, seus ideais frustrados e o medo de mudar. Registrei o momento com uma foto dessas pequeninas, pra carregar na carteira, e vi apenas a mesma imagem de tantas as outras, mesmo sendo diferente de todas as outras. Vi meu rosto magro, minhas olheiras resultantes de uma gripe forte mal curada, e os olhos vazios olhando fixamente praquela câmera que não é capaz de captar se estou feliz naquele dia, se estou triste, se estava sozinha ou acompanhada.

em caso de coma! me coma!

Manhã em desordem, maior ainda que a dos lençóis. Sem tempo para café, dos jornais somente manchetes e os quadrinhos. Na mesa bagunçada pilhas por critério de prioridade. Mais desordem. Quanta baderna pode um vivente suportar ao longo do dia?
A agenda - aquela de se manusear e fazer anotações com caneta, lápis ou similares... de guardar tickets no interior-buraco-negro e esquecer as contas de luz na página do dia do vencimento - anda abandonada. Quando foi que se perdeu o hábito das anotações diárias? Desde o vício do teclado e da inapetência para a vida em geral? Foi quando vieram os vícios - do blog, do beijo, do boom!? Foi no ano anterior, quando o modelo escolhido era inadequado para a escrita e mais ainda para o manuseio? Mas a deste ano é tão aprazível.. espiral, nice pics, space enough... É que tudo anda um pouco fora do normal... tudo mais virtual, mas cheio de fundos falsos para abrigar as outras - as que se desprenderam, rebeldes, da suposta unidade de antes... e agora vagam por aí, em posts, em crises, em eroticidades e improdutividades. O correio não coube entre os times difusos da tarde. Amanhã, sem falta. Cobrem-me. Fuzilem-me, se for o caso.

Outra Parte

Top 10 chavões de filmes nacionais

1. Lugares bem pobres
2. Sertão
3. Uma historinha água com açúcar ou beeem triste.
4. Selton Mello
5. Matheus Nachtergaele
6. Wagner Moura
7. Músicas antigas regravadas por cantores que precisam vender pelo menos 1 disco por ano
8. Qualquer tipo de sotaque puxadíssimo
9. Figurinos que não condizem com a realidade
10. Textos recheados de chavões

homem chavão

***posts escritos há alguns dias, quando as coisas perdiam cor e sentido***

1.

Trato feito: ela deixaria de escrever, deixaria de espalhar aos quatro ventos sua felicidade patente, deixaria de demonstrar aquilo que sentia. O que sequer notavam, porém, era sua capacidade absurda de desligar-se de tudo o que fazia dela um ser assim, pouco-natural. Ela certamente afrouxaria os laços e retomaria parte do que perdera por opção. Por ter optado pela calma que, a certa altura, fazia-se tão necessária. Não, ela não voltaria aos erros de macaca-velha-e-louca. Já não precisava deles. Já não queria provar o quão macho-moderno era seu princípio de vida. Era livre o suficiente para criar, recriar e destruir quebra-cabeças homéricos. Pois sabia que esses atos não retirariam dela a liberdade alcançada a duras e dolorosas penas. Poderiam até utilizar as mais-que-embotadas verdades rasas. Diriam que sua vida ainda era guiada por dependências materiais, que ela não faria nada caso terceiros não a apoiassem, que até sua comida era dada pelas mãos dos outros. Sim, teriam plena razão. Sua sobrevivência dependia, e muito, da boa vontade alheia. Sua completude emocional, no entanto, pertencia a ela. Partia dela. E estaria presa a ela. Até que deixassem de podar suas vontades e respeitassem o espaço de seus anseios. Até que não estivessem tão estupidamente atrelados a opiniões, palpites, grupinhos-de-colegas-que-poderiam-ler-as-verdades-dela. Ha. Ela não precisava disso. desse medo capenga e infundado. Suas verdades eram, por sorte, maiores. E melhores.


2.

Escrevo com a televisão ligada, porque silêncio faz com que eu me disperse. Gosto muito de escrever. Preciso disso. Mesmo. E doeu a ciência de que eu não poderia mais digitar o que bem quisesse. Como se sempre houvesse um censor. Não, isso não se faz. Quando a iniciativa abusiva parte de alguém que diz adorar o que escrevo, penso que talvez eu não seja dada, mesmo, a compreender os outros a fundo. Se mal alcanço a superfície, imaginem o choque de aprofundar-me. Valham-me os meus. Aqueles com os quais convivo sem grandes repercussões. Os amigos, os parentes, as pessoas que entendem essa minha frivolidade desejada. Essa vontade enorme de abrir, abrir e abrir sem medo. Sim, sofri as maiores maldades devido a fofocas e mal-entendidos. Chorei tal qual uma porca assim que notei o quão deficientes tendemos a ser no quesito "vida alheia". Floreamos, temperamos, modificamos e apimentamos toda e qualquer situação. E seus protagonistas escolhem entre o silêncio contemplativo dos que conhecem a verdade dos fatos e a insurreição dos que se vêem ultrajados. Sim, sou pós-graduada em boatos. Mas imaginei que esse seria o momento de subverter a ordem das coisas. De ser quem sou sem rodeios. De escrever, escrever e escrever sem que necessitassem de entrelinhas e tradutores. Não. Era o momento de calar. Mais uma vez, calar. Calar como se os acontecimentos petrificassem e a vida deixasse de ser. Mas eu não precisava desse sofrimento gratuito. Saí, respirei, conversei. Revi amigas queridas, sorri meus sorrisos francos. E jamais - repito: jamais - voltarei a moldar meus dias com o escopo de fazer com que não sofram. Foi dada a largada. Era pegar ou largar. E largaram. Provavelmente sem sofrer. Sem que houvesse qualquer preocupação referente a meus sofrimentos. E não sou boa nesses assuntos, visto que não sei lidar com rejeição. Prefiro não ocupar o pódio a ocupar segundo e terceiro lugares. Mereço mais, preciso de mais, e farei o impossível para que minha atuação seja tão verdadeira-forte-e-precisa quanto a realidade. Para que deixe de ser atuação. E eu possa mostrar o que há de mais natural e comum em mim.

Mulher de Oncinha

15.9.03

minha tia foi conhecer aparecida do norte e trouxe de lá um presente pra mim. além desta narradora, minha tia tem mais três sobrinhas. quando desembarcou com os pacotinhos na mão, ela exclamou: 'trouxe só para as sobrinhas que precisam mais'. entregou-me um envelope verde.

ando com meu santo antônio dentro da bolsa onde ficam meus documentos. minha tia aconselhou que ele ficasse sempre de cabeça para baixo. mas na bolsa ele chacoalha, dá piruetas, monta na carteira e nas chaves de casa. uma vez peguei meu batom enfiado no rabo do santo antônio.

ando com ele. mas nunca fiz as estatísticas referentes a minha vida afetiva do dia em que o ganhei para cá. talvez não tenha havido qualquer diferença, especialmente qualitativa. mas ando com meu santo antônio na bolsa porque mal não deve fazer. e vai ver que ele curte mesmo ser currado pelo meu batom liqueur.

conheço uns depoimentos de moças que puseram santo antônio [aliás, muito mais portentosos do que o meu] de cabeça para baixo e ficaram namoradas, noivas, casadas, mães. já me disseram que deve haver um conluio entre santo antônio, santo expedito, santa rita de cássia e são judas tadeu, no meu caso. mas o que me fascina mesmo é são jorge, que tem um dragão que solta fogo pelas ventas. eu e o dragão. digno de filme zoopornô.

as moças que conheço que têm santo antônio não gostam muito de ler e não escrevem. eu, como adília, escrevo para me casar. sei bordar poemas em ponto de cruz. faço arroz soltinho e estrogonofe. frito bolinhos e durmo quieta. só não gosto de varrer. prendada e educada, sou uma boa moça que passa os invernos embaixo do cobertor e traz cerveja na hora do jogo. santo antônio só soprou no meu ouvido uma ressalva: 'boa moça não faz sexo oral desse jeito, menina', e me deu um tapinha nas costas.

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