Da vida tudo se leva
Chega. Chega de folhear revistas de celebridades para ver que fulano passou por um ataque cardíaco quase fatal e, ao convalescer, se deu conta do "valor das pequenas coisas", da "importância de fazer tudo sem pressa" e, oh, ignomínia, de que "da vida nada se leva". Quero abrir agora uma revista de anônimos e saber que seu Altair, aposentado, 67, que todos os dias pega o jornal no portão, ainda de pijama, teve um belo piripaque no peito (os cadernos do jornal se espalharam pela rua, ele machucou a careca na queda; dona Isaurinha quase morre junto) e, durante a recuperação, na enfermaria do hospital São Francisco das Chagas, acordou para a vida: viu o valor das grandes coisas (aquela viajona para Búzios no verão custou o mesmo que o fim de semana em Poços de Caldas, é, bebé?), se tocou que sem pressa tudo desanda (deixa para registrar o palpite da Mega Sena lá na lotérica do Djalma na quarta depois das seis, deixa) e que da vida tudo se leva (o lance é carregar no caixão a grana do pé-de-meia: deixar dinheiro para a Suely e o picareta do Batista? Aqui, ó). Hoje seu Altair continua pegando o jornal (mas dá prioridade ao caderno de economia, onde tem devaneios faraônicos e longas ereções quando lê o Mercado Futuro de Ações), usando o mesmo pijama e com um risinho encruado. Da vida tudo se leva, não vê quem não quer. Dona Isaurinha viu e – há quanto tempo! – gostou.
ao mirante, nelson