Hoje li uma crónica de Manuel Vincent, publicada no “El Pais”, que me emocionou.
Ei-la aqui (com mil perdões pela tosca tradução...), como um presente para todos os Carneiros meus Irmãos:
“No centro de uma praça pública havia um saco cheio de pedras de bom tamanho. Eram peças sagradas. À sombra dos pórticos, uma centena de homens justiceiros esperava.
Em seguida chegaram uns soldados, arrastando a mulher adúltera, que foi recebida em silêncio por todos os olhares enquanto era depositada em terra com os pés atados. Um honorável magistrado leu a sentença e a sua voz uniu-se ao balido de umas cabras que, desde longe, participavam na cerimónia. A morte por lapidação para a mulher adúltera estava ordenada pelo Livro Sagrado, o qual não admitia o perdão e nem sequer a lástima. Uma vez lida a acusação, os justiceiros deveriam aproximar-se da vítima e armar o braço com uma ou várias das pedras contidas no saco. Todos o fizeram de forma séria e decidida, formando depois um círculo em volta da mulher, agora ajoelhada e imóvel.
A condenada dobrou o tronco até que os seus lábios tocaram o chão de terra batida e protegeu a cabeça com as mãos, esperando apenas a derradeira graça de ser atingida mortalmente com a primeira pedrada. A um sinal do juiz que comandava a liturgia, todos os verdugos levantaram a mão, mas nesse preciso momento, e sem que se saiba de onde vinha, ecoou a voz poderosa de um profeta: “Quem de entre vós estiver livre do pecado, que atire a primeira pedra”.
Esta ordem, que soou acompanhada por um tremendo relâmpago, paralisou os executores. Com as pedras ainda nas mãos, começaram a explorar as suas consciências. Enquanto a mulher adúltera soluçava e empapava a terra com as suas lágrimas, os justiciadores iam achando, dentro da sua própria alma, os desejos libidinosos e os actos inconfessáveis que tinham cometido e que continuavam impunes. Todos largaram a pedra no chão e se afastaram, todos menos um deles. Era um homem puro, livre do pecado, isento de qualquer culpa, o único legitimado para cumprir a sentença.
Quando a mulher adúltera levantou a cabeça, os pecadores haviam desaparecido. No meio da praça só permanecia aquele homem casto com o braço ainda armado. Enquanto ao longe as cabras lhe pediam clemência com os seus balidos, o homem lapidou a adúltera com gestos serenos e precisos, movido pela crueldade que nasce da pureza absoluta.”
tosquiado do Carneiro Preto
1.12.02
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