21.1.03

Eu dançando com a minha tia-avó, minha prima tendo os pés pisados pelo meu tio-avô. Nat King Cole nos embala da caixa de som. Minha avó com o olhar perdido, sentada na cadeira de rodas. Cena de um filme q eu não pensava q iria encenar. Nunca pensei q veria aquela mulher forte, teimosa e apaixonante perder sua lucidez. Foi tão de repente... Eu quero acreditar q ainda existe esperança dela voltar a si e começar a brigar pq o travesseiro não está do jeito q ela queria. Mas a sensação é de q ela morreu um pouco nessa quinta-feira, quando parou de fazer sentido. Ela parece saber o q dizer, mas não sai como ela queria. Sai Cadê o meu ônibus?, isso quando ela não inventa palavras q não existem, palavras q lembram sua língua de origem, o Idish. Ela lembra da gente, reconhece as pessoas, mas Não está fácil, como ela fica a repetir... Não é só a troca. Ela realmente tem lapsos. E eu dei graças por ter ficado horas ouvindo as mesmas histórias q já tinha ouvido milhões de vezes, só pra gravá-las em fita k7, durante os jogos de baralho. Histórias de gente humilde q largou a Polônia e conseguiu fugir dos nazistas. Histórias de militância, desde os seus treze anos, já no partido jovem comunista. Histórias de coragem, companheiros contra a "revolução". Criar três filhos e ser largada pelo marido com nada além de dívidas. Essa mulher fantástica, um touro, frágil como uma criança, chorando e gemendo de dor. Dói, mas vamos levando. Esperança.

pois Desgraça pouca é bobagem

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