12.1.03

Imaginem a cena: um mercado cheio das coisas que habitualmente se vendem nos mercados, frutas, legumes, cereais. Uma imundície inacreditável por todos os lados, uma camada de sujeira derrapante e fedorenta no chão, bicicletas e motos passando entre as pessoas por corredores estreitos até para as pessoas -- e, de repente, a peixaria.

Eu, que fiquei um pouco para trás fotografando, ouvi um grito da Luciana. Corri em tempo de ver, num balcão, um peixe grande que acabara de ser cortado em dois, vivo, sangrando e se debatendo. Fiquei paralisada olhando para a cara daquele bicho que saltava sem a parte de baixo do corpo, e que levou uma eternidade para morrer.

Mas não havia sido essa a causa do grito da Lu. Quando ela me encontrou, depois de ouvir o meu grito (claro, eu nem percebi, mas gritei também), o peixe já estava quase morto. O que ela tinha visto havia sido igualmente horripilante: uma vendedora batendo uma enguia também viva no chão, para possivelmente esmigalhá-la por dentro, e depois cortando a sua cabeça fora com uma tesoura. As pessoas -- digo, os chineses -- que estavam em volta acharam o nosso pavor muito engraçado.

Fugimos da peixaria, mas caímos num lugar pior. Do outro lado estavam as aves. Vi um cisne com as asas quebradas para trás, "amarradas" num nó atrás do pescoço, sendo pesado num gancho que o suspendia por este nó das asas. Vi centenas de patos uns em cima dos outros, alguns com as patas partidas, todos com as asas quebradas da mesma forma, e nunca mais vou conseguir me esquecer do olhar dessas aves, eu que achava que aves não têm expressão.

Ainda não assimilei a experiência inteiramente, mas já estive em mercados em todos os cantos do mundo, de Seattle a Istambul, passando por Belém, Santiago e meia Europa e, repito, nunca vi nada sequer remotamente parecido.

Enfim Cora Ronai

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