Pouco tempo antes de retornar ao Brasil, em 1998, me apresentei como voluntário para dar uma força para uma banda de Vigário Geral que estava por fazer umas apresentações lá pela nossa região. Posteriormente vim a saber que essa tal banda era a Afroreggae, apenas uma das muitas atividades artísticas do Grupo Cultural Afroreggae. Tudo que eu precisava fazer era ajudá-los nas entrevistas, pois ninguém ali falava nada que não fosse o SEU português, acompanhá-los numas comprinhas e em alguns passeios. Mais nada. Mas é claro que, na prática, a coisa foi mais adiante.
A molecada era muito legal. E todo o meu preconceito e receio iniciais caíram por terra quando conheci aqueles caras. Desde então somos amigos e sempre que posso vou prestigiar um show ou algum outro evento por eles organizado. Mas sempre tem um ou dois com quem a gente se identifica mais. Eu me identifiquei muito com o Dinho, um dos percursionistas, o Hermano, outro percursionista e, um pouco mais tarde, com o Anderson, vocalista junto com o Luizinho.
Numa das raríssimas tardes de folga que eles tiveram, eu, Dinho, Hermano, Jorge e mais um, de quem o nome não me lembro, saímos pra dar uma volta pela cidade. Era início de verão na Europa e eu então sugeri que fôssemos ao Waldsee, um lago onde o pessoal curtia tomar banho pelado. Eles toparam na hora. O tal lago fica num parque e o acesso é inteiramente livre; o melhor é que não é obrigatório tirar a roupa, pois do lado daqueles quatro negões eu provavelmente iria me sentir um tanto quanto diminuído. Porém, assim que entramos fomos abordados por três meninas, todas na casa dos 15 anos, que, como todo bom europeu legítimo, ficaram fissuradas naqueles monstruosos exemplares da raça negra. E eles, mais do que rapidamente, se puseram a fazer as mais variadas estripulias. Jogavam capoeira no gramado, davam mortais pra frente e pra trás, enfim, encatavam as lolitas. Não preciso nem dizer que logo três estavam dando o maior amasso nas gringuinhas, né? Só eu e o Jorge ficamos na merda. Pior é que eu tinha que ficar traduzindo os diálogos, o que deu início a uma série de situações patéticas durante a passagem deles por Freiburg. E eles não falavam coisas delicadas, não. Eram só putaria e grosserias dos mais diversos tipos. E eu traduzindo. O Hermano chegava e mandava: "Fala pra essa galega que mulher boa a gente tem é no Brasil. Aqui nessa pôrra só tem vagabunda. E pó falar que pra mim elas são tudo puta também. Nem conhecem a gente, nem a falam a língua da gente e já vêm esfregando essa perereca branca no nosso pau. Tudo puta, Fabiano. É tudo puta!". E eu, na mesma hora, traduzia literalmente, só que me cagando de medo da polícia chegar, porque lá isso dá cadeia mesmo. Ainda mais com menininhas de 14 ou 15 anos. Mas, no fundo, tava achando tudo um barato e concordando plenamente com eles: era tudo vigarista.
A mulher alemã é safada pra cacete mesmo. Se você não der um esculacho, periga ficar como eu fiquei: um ano sem comer ninguém e com um braço mais forte que o outro. O segredo é partir pra ignorância. Apertar bem o braço da filha da puta, dizer que vai dar porrada e mandar ela ir se foder são igredientes básicos numa cantada lá por aqueles lados. Somente depois que aprendi isso com um conhecido meu da Bahia é que comecei a me dar bem. Só que não é muito meu estilo, não. Então, acabei me saindo melhor com outras raças. Mas aqueles moleques sim sabiam jogar o jogo delas.
O Hermano chegou a dar uma tapa numa e a garota, literalmente, rolou pelo gramado em declive onde estávamos. E os outros três se mijavam de rir. As outras garotas foram descer pra ajudar a amiga e uma delas acabou tropeçando e rolando também. Mais gargalhadas. Eu não acreditava naquilo. E elas ainda voltavam. E eles não perdoavam: "Tá vendo aí, Fabiano? Só vagaba.", diziam. O Hermano metia o dedo bem nos cornos da menina, segurava nela pelo pescoço e mandava: "Tu é vagaba, galega. Tu é muito puta.". E ela, quase que sem respirar, virava pra mim e perguntava: "O que ele tá falando, hem?". Eu traduzia e elas davam um sorrisinho amarelo. O Dinho perdeu totalmente a linha e meteu o pau pra fora. Eu não sei quem ficou mais apavorado. Não sei se elas ou se eu. Parecia uma sucuri. Maior do que a do negão que largou um barro no trem. E o troço ainda tava envergado pro alto, pronto pra guerra, o que tornava a cena ainda mais grotesca. E tudo aquilo se passando num local movimentado e público. "Por que o espanto, gente? Aqui não é normal neguinho ficar pelado?", dizia o Dinho. "Pôrra, Dinho, guarda essa merda, rapá!", gritei. Ele ainda deu umas três sacudidas antes de me atender. E olha que nem assim as piranhinhas se mandaram, confirmando tudo que eles pensavam delas e de todas as outras gringas que cruzavam com eles - cruzavam em todos os sentidos.
Vendo tudo aquilo acontecer tão perto de mim, sem que eu conseguisse obter o mínimo de vantagem, me fez recordar de uma música famosa nos anos 60, se não me falha a memória, e que era cantada por alguém de quem também não me lembro. Era I wanna be black . Bom, pelo menos na Alemanha.
no buraco do Tatu
30.1.03
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