16.2.03

Acontecia sempre quando eu estava conversando com meus amigos, na praça, perto do banco. Na turma, ele via a Karina de longe, vinha correndo, se impulsionava no banco e pulava pra cima dela. Imagine quase todo dia aquela coisa disforme, gorda, careca, vestindo calças maiores ainda que a sua bunda e camiseta fluorescente - ele sempre usava camiseta fluorescente, seja amarela, laranja ou verde; você podia ver aquele ponto circular uns 300 metros longe e não erraria a identificação - dar um grito, fazer cara de retardado com a boca aberta, abrir os braços, correr balançando aquelas pelancas , por o pé no banco, e pular pra cima da Karina. Ela fazia aquela cara de nojo, principalmente depois do abraço grudento e dos beijos melados. Ponha-se no lugar dela: devia ser horrível, afinal ele fedia. Estava sempre suado, podia-se ver as gotículas na sua testa, e não raras as vezes manchas na sua camiseta. A boca, se tivesse a mesma textura que sua mão, fria e molhada quando me cumprimentava e eu tentava esconder o asco, devia ser algo nauseante. A Karina tem estômago forte, sem dúvida.

A Penúltima vez que ele fez isso, além de abraçar a Karina com toda força, ainda deu um beijo nela. Foi perto da boca, eu vi, foi perto da boca. Daí eu me preparei...

Na última vez gente estava conversando, todos, perto do banco na praça. Eu o vi de longe, num laranja fluorescente que chegava a dore os olhos. Ele gritou "Ahhhhh, Karina, ahhh", e nessa hora eu pus a mão dentro do casaco. Ninguém tinha entendido por eu que estava vestindo casaco num dia quente como aquele, mas também não insistiram nas perguntas. Ele começou a correr, os braços já abertos. A Karina esboçou um sorriso; como ela poderia sorrir para algo tão nojento? Ele continuava a gritar, e olhou para o banco: ele ia saltar. Dentro do casaco, eu já deixei tudo destravado. Ele chegava mais perto, e eu dei um passo para trás. Dali, via completamente o banco, e tudo acima dele do tamanho de um homem. Ele chegou, se impulsionou para subir no banco, num pequeno pulo, e aproveitando os cinquenta centímetros que o banco lhe dava a mais de altura, ia pular com toda a força por sobre a Karina. Ele se impulsiona e salta. Eu tiro a arma e dou um tiro certeiro em sua boca, acabando com o sorriso de uma só vez. O impacto da bala gera um momento em seu corpo, e ao invés de cair de bruços, por causa do pulo, cai de costas. Tem sangue em nós todos. A Karina grita. De súbito, sinto uma paz interior tremenda.

As vezes é preciso liberar alguns demônios, e nada melhor que seja escrevendo.

retirado de zazoeira

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