8.2.03

BILHETE
(por favor não leiam, é correspondência privada)

Quando sinto tuas mãos caminhando pelos meus braços eu sei o que vem depois. Ou deveria saber. Tuas mãos têm caminhado tantos e tantos quilômetros de braços meus e quase sempre chegam aonde eu acho que deveriam. Mas nunca no momento em que eu espero. É sempre um pouco antes, ou logo após.

Isto não é uma queixa. É só a constatação de que mesmo aquela rotina não tem começo meio e fim previsíveis. Tecnicamente não é uma rotina. Como aquele teu beijo que nunca é do mesmo jeito. Como aquele teu olhar, que nunca perde a força e sempre me surpreende. Porque me hipnotiza quando eu achava que era eu que estava olhando, dono e senhor da situação.

Tenho medo, ao te enlaçar, que desapareças repentinamente deixando-me abraçado a mim mesmo, sozinho. E surjas do outro lado da sala, olhando-me desafiadora e divertida. Já te disse que não gosto de ser apenas teu brinquedo. Mas não acho que consiga viver sem ser teu brinquedo.

Hoje não foi muito diferente, mas certamente não foi igual. Tua boca falava, teus olhos brilhavam e eu já não conseguia ouvir. Só depois, acordando no meio da tarde quente, dei-me conta do que estava acontecendo. Mas já era tarde. Tentei te alcançar, mas não sou mais tão rápido.

Ainda sinto tuas mãos caminhando em meus braços. E continuo hipnotizado. Tens que voltar, um dia, para desfazer o feitiço. Ou fazer com que eu, de uma vez por todas, desapareça, como sempre sonhei, no teu decote.

da gaveta de carta aberta

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