Encontros Inesquecíveis IV
Ir a Curitiba e não ver Dalton Trevisan é como ir ao inferno e não encontrar Virgulino Ferreira, o Lampião.
Sei lá.
Não sairia de Curitiba de asas abanando não. O Jamil Snege me disse: olha ali a casa do homem. O Valêncio Xavier também me disse. Todo mundo me disse. A casa do Dalton é toda despelada, pintura cariada. Fica em uma esquina movimentada de Curitiba. Vou bater lá. Tá, se não vou. Ta-ta-ta-tá.
Bem no portão.
As janelas têm as janelas fechadas. São altas. Lá no fundo da casa, o vampiro sempre deixa a porta da cozinha entreaberta. Você consegue ver da rua. A porta à meia-porta. Dá pra ver um armário de cozinha, azul. E mais nada, nadinha.
Minha alma é uma merdinha.
E essas cortinas brancas atrás da janelas? Que coisa mais cafona! Eu sou um escritor cafona. Nenhum fiapo de olho para me olhar. Vai te catar. Sei que o Dalton está por lá. O escritor Pedro Salgueiro, do Ceará, foi um dos poucos que conseguiram entrar, ser recebido pelo Trevisan. Pedro Salgueiro me contou.
Mas você não vai conseguir, alguém me realertou.
Por que, caralho? É como deixar um museu à visitação das moscas. Dalton é um patrimônio brasileiro, esse demônio.
Que saco isso! Perversa privacidade. Quero invadir o seu quarto, saber se ele usa penico, se deixa dentadura espumando. Vou entrar com uma ordem judicial. Pedir para os bombeiros invadirem a sala do Dalton. Polícia armada. É um absurdo uma vida assim se enclausurar.
Enfim, bati mais forte as palmas. Nada. A gente vai se sentindo inteiramente retardado. Parece que Dalton nos olha de algum canto e racha o bico. O curioso é que ao lado da casa dele existe um vasto campo verde. Como se fosse um maracanã. Um campo que fica dentro dos muros do Trevisan. Grama bem cortada, vasta. O que o Dalton faz? Fica olhando o dia inteiro esse pasto? Sem sair do lugar? Fica boiando no pasto o puto?
Falaram-me que ele sai para passear nas sombras do parque. Para fazer cooper. Que ele tem uma empregada que vem todo dia limpar sujeiras. Lavar seus lenços, suas cuecas samba-canção. Dalton deve usar cuecas samba-canção. Meiões. Bermudas sonolentas. Pijamas azuis.
Bato de novo, forte. Não saio de lá enquanto o Dalton não chegar. Magro feito um cachorro magro. Dalton é um cachorro magro, não duvido. O campo verde é para ele correr abanando as patas. Patadas para todo lado.
Cachorro silencioso o Dalton, que não deixa a gente chegar perto.
Fui começando a me sentir uma besta humana. Ridicularizado. Tive vontade de gritar: vim de Pernambuco. Vim de jumento. O senhor tem obrigação de abrir a porra dessa jaula. Não me deixar preso aqui do lado de fora, velho safado.
Ele deve ser daqueles velhos que deixam o pintinho de fora. Como uma flor murcha. Deve comer bolachas maria. Meio-dia. Curitiba e esse sol filho da puta. Comecei a sentir fome. Sentir náusea.
Como se o portão do Dalton fosse um espelho. E a gente querendo entrar dentro do espelho. É foda ir a Curitiba e não ver nada dentro do espelho.
Deixa o Dalton pra lá, esse pentelho.
eraOdito
15.2.03
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