3.2.03

Escolinha de latinha amarelinha

A pauteira Magali Kassef me presenteou hoje com uma matéria sobre educação na periferia. E foi logo me ensinando:

"Educação na perifa é assim: uma escola feita de latinha."
"Ah, tá."
"Então vai lá pra zona norte, Parada Taipas ou Freguesia do Ó. Ou então na Brasilândia. Vai pra lá e vê como os caras estudam na escola tal e na escola tal."
"Tá bom."

Pôs a mão na cintura e bateu o pezinho no chão:
"E vai rapidinho, que à tarde pode pintar mais coisas. Sei lá se você vai pruma escola de samba. Ver como é que está o clima pré-Carnaval ou, sei lá, pode pintar uma chacina, de repente, mil coisas, sabe?"

O motorista era o Ayrton. Seu verdadeiro nome é Claudecir, mas ganhou o apelido em homenagem ao Senna. O cara corre pra caramba, corre muito, pisa mesmo. Não importa se tem radar. "O carro é de Curitiba. Não chega multa aqui, manooo, hehehehe"

Fotógrafo no banco da frente, com cinto de segurança. Mas e quanto a mim? Procurei desesperadamente uma fivela no banco de trás. Nada. Desespero e, ao mesmo tempo, alívio. Tinha de voltar logo à redação.

Parada em Parada de Taipas. Escolinha amarelinha feita de latinha e com teto de alumínio. Dezoito graus aqui fora, uns trinta e cinco aqui dentro. Fotos escondidas, alunos reclamando, professores amaldiçoando (em off, claro). Tudo do jeito que "A Verdade Sangrenta" gosta.

"Eu fico suando, respinga até no caderno", disse o pequeno Henrique, 10 anos. "Tem dia que eu mato aula porque tá um forno lá dentro."

Então a gente sobe até a laje da casa do menino para o Adelino fazer umas fotos.
"Ó, senta ali na muretinha. Põe a mão assim, vira pra lá, isso..."

Henrique tem uma casa de tijolinho com quatro andares. Um amontoado sobre o outro. Casinha muito louca. E, naquela lajinha, um verdadeiro criatório de dengue. Meu olho de repórter já tá treinado. Na tampa da caixa d'água, água parada e umas larvinhas fazendo natação. Chamei a mãe dele:

"Olha, dona Joana, não sei se isso aqui é pernilongo ou mosquito da dengue. Mas tá vendo lá? Olha ele nadando ali. Então, tira essa água daí, falou?"

Fiz a boa ação do dia e resolvi exercitar minha parte menino malvado. Três garotinhas de uns 7, 8 anos passavam pela rua e viram a câmera do Adelino.

"Ei, moço, é da Globo?"
"Não, não, eu sou o Fabio Jr. Quer um autógrafo?"
"Eu quero!"
"Eu quero!"
"Eu também!"

Depois de atender as minhas fãs, entrei novamente no cockpit do Ayrton.
"Pau na máquina pra Brasilândia!"

E, na Brasilândia, mais histórias parecidas. Mais escola de latinha, amarelinha, mais criatório de dengue aqui e ali, mais professor revoltado pedindo pelamordieus para não colocar o nome na matéria. As histórias se repetem. Na perifa, tudo é padrão. O que destoa somos o Adelino, com sua câmera, e eu, de bloquinho e caneta, dando uma de enxerido, perguntando nome, idade e profissão de todo mundo. E dando uma de Fabio Jr.

memórias póstumas de gim tones

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