Segunda Conversa com o Pai
me deixa entrar?
entra, filho.
tem café?
tem filho. toma.
obrigado, pai.
de nada, filho.
posso perguntar, pai?
pergunta, filho.
como é a morte, pai?
a morte é branca, filho.
e do que é feita a morte, pai?
a morte é feita com o sal dos maremotos, filho. a morte é feita com o teu sumo de horas. a morte, filho, é feita na jornada.
na jornada, pai?
a jornada dos passos, filho.
e a vida, pai?
a vida é feita de laços, filho.
como é a vida, pai?
a tua vida é sonhada, filho. a vida é lenha na fornalha. o gás dos lampiões que aquece a chama. a vida é combustível, filho.
a vida queima, pai?
queima filho, queima e devora.
a vida é como a chuva, pai?
a vida é como a chuva lenta, filho.
e na pétala, pai? na antepétala das câmaras? e nos cemitérios, pai? os enterros, as exortações. como é a vida nas salas, pai, nos quartos soterrados, nos muros de hera, nas casas caiadas, nas lápides, nas procissões?
a vida lá é turva, filho. feito o esperma e o fel.
e pai, foste ver as avestruzes ontem?
fui, filho.
e a vida delas, pai? como aceitar, pai, que a avestruz exista? como vou poder, pai, conceber a existência de uma avestruz esperta, flamejada, tonta de tanto estar alerta, como pai?! como vou entender que a avestruz tenha pés jurássicos? como vou conseguir olhar nos olhos de uma avestruz e não morrer de paixão, pai?
a avestruz é simples, filho. a avestruz é feita de carne.
carne que se move, pai.
sim, filho. carne que se move.
o que é que anima uma avestruz, pai?
a mesma flama que te excita, filho.
a vida é tão frágil, pai.
ela é muito frágil, filho.
tem cigarro, pai?
tenho filho, tá aqui.
tem isqueiro?
tenho fósforo.
tá bom, serve.
dorme a maçã no escuro
4.2.03
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