17.3.03

:: Asas do Sonho ::

Não,
Não quero que olhem meu filho
Como um pássaro ferido,
Cujas asas agora
Adormecidas
Zelam um sono icariano.

Não,
Meu filho,
Eu conheço bem,
Está muito longe.

Na ânsia de voar
Ele atrela seu coração
Às mais longínquas estrelas
E voa...

Há filósofos, surfistas,
Descobridores e afoitos
Jovens
Iguais a ele
Em seus pensamentos.

Ah! Meu filho
Não te dei membros alados
Mas tua alma
É um pássaro.

Ou será um anjo?

###As palavras acima são da minha mãe, a dª. Benê, escritas para mim há 15 anos.
Explicando: no dia 2 de janeiro de 88, este alfarrabista que vos fala sofreu um acidente. Eu era um pára-quedista amador e, numa *brincadeira*, sofri uma queda que resultou nos dois calcanhares e um punho quebrados. Foram quatro meses de cadeira de rodas, e mais alguns meses para reaprender a andar.
Graças a Deus, não ficou nenhuma sequela, para surpresa dos médicos.
E, mesmo do período na cadeira de rodas etc., só tenho boas lembranças: o carinho e a força dos pais, irmãos e amigos. Lembro-me que, assim que deixei a cadeira de rodas, muitas pessoas me cumprimentavam, dizendo que eu era um *herói*, por ter suportado tudo aquilo.
Suportado o quê? Com o apoio, carinho e consideração que me cercavam, não havia o que suportar.
Por mais que eu me esforce, não consigo me lembrar de algum momento *triste*. E nem mesmo da dor, que eu sei que havia, mas não era nada, nada.
Eu me lembro, sim, de ter que ser carregado no colo pelo meu pai ou meu irmão para ir ao banheiro ou para entrar no carro; me lembro das minhas irmãs fazendo minhas unhas (!) e lavando meus cabelos (só para *visualizar*: eu estava com as duas pernas e um braço engessados...); me lembro de alguns amigos me *resgatando* em casa para me levar a alguma balada; me lembro de algumas (poucas, mas preciosíssimas) visitas de uma moça muito especial.
E me lembrei disso tudo, agora, quando minha mãe achou um papel datilografado com o poema acima.
Obrigado, mãe!
Aliás, outra lembrança bem bacana: quando eu ainda estava no hospital, minha mãe me mandou um fita cassete com mensagens de parentes e amigos, e uma música: *João e Maria*, do Chico Buarque. Pois é...
*Agora eu era o herói,
E o meu cavalo só falava inglês...*

Alfarrábio

Nenhum comentário: