Dedos
Quando eu estou sofrendo muito, uma dor psicológica lancinante, meus dedos das mãos doem. Senti poucas vezes isso. Eles formigam e doem, parecem ocos.
Eu esperei por dias e dias há tanto tempo e inventei desculpas para justificar com nobreza a ausência a contra-gosto, mas meus esforços não lograram êxito. Daí aconteceu. Não bem isso, mas quase isso.
Nos encontramos na rua. Eu numa calçada, ele na outra. Eu, coração na boca, sentia a pulsação no rosto, nas pernas, nas mãos, o coração não batia, pinoteava, cavalo selvagem a dar coices no peito de dentro para fora.
Antecipei mentalmente a cena antes que ele me visse: nossos olhares se encontrariam no meio do caminho, ele hesitaria meio segundo até acreditar que era eu mesma, sorriria, aquele sorriso doce e ao mesmo tempo indecente que não se abre, insinua e caminharia lentamente até mim, como alguém que avista uma flor e decide roubá-la, num ímpeto de romantismo demodê. Esperei.
Ele levantou a cabeça e virou depressa. Atravessou a rua, entrou no carro e partiu. Partiu. Partiu-se. Se partiu. Se partiram. Partiram-se. Em mil pedaços.
Meus dedos doeram.
Have a Sit
5.3.03
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