12.3.03

O Currículo de Roseleide

Jurei para mim mesmo que seria o cara mais feliz do mundo aos 25 anos. Teria o carro do ano, o apartamento mais bacana, com os móveis mais invejados pelos colegas que, claro, não estariam tão bem quanto eu.

Não sou bom em cumprir as promessas que faço a mim mesmo e de todo o parágrafo acima, só o que se concretizou foi a chegada dos 25 anos, que veio acompanhada de um desejo surrealista de voltar aos 15. Sou um cara cheio de olheiras, cansado de trabalhar, sem férias desde os 23, vivendo de aluguel e andando de metrô.

Mas a minha tendência a achar que minha vida é de cachorro foi freada hoje à tarde, quando me deparei com alguém mais canino do que eu. Um curriculum vitae, de uma moça chamada Roseleide, 22 anos, chegou a minhas mãos, assim, sem mais nem menos.

Era uma folha de papel A4, impressa cuidadosamente, com a foto da moça, sorridente, bonita, maquiada para parecer um jovem talento. As roupas escolhidas a dedo para causar boa impressão em um possível empregador...Seu primeiro emprego foi como auxiliar de escritório em 2000. De lá, tentou a sorte como recepcionista no laboratório Dilab, onde só ficou quatro meses e, desde então, trabalha como vendedora em uma loja de jóias obscura.

E eu chorei com o currículo dela nas mãos. Derramei as lágrimas que adiava havia tempos. Chorei por Roseleide, que precisava enviar a própria vida dentro de um envelope para desconhecidos. Mas chorei por mim também. Pela minha falta de esperança, por não saber aonde foi parar meu ânimo de viver e trabalhar. Chorei, chorei, chorei, até que o mundo ficasse com dó de mim. E voltei do banheiro, onde havia me exilado para o pranto, respondendo que estava tudo bem a quem se mostrou solidário.

Lembrei de quando eu, até bem pouco tempo, mandava currículos desesperados a editores, repórteres, redatores e faxineiros. Alguém que conhecesse alguém que tivesse ouvido falar de alguém que precisasse dos serviços de um cara como eu haveria de tomar conhecimento da minha existência.

Queria fazer algo por Roseleide, que tem cara de ser bem gente boa. Mas sei que não posso. Aposto que ela hoje fez arroz com ovo e viu a novela das seis com a mãe, depois de trabalhar de dez às quatro na loja. E foi dormir às dez e sonhou que, em três anos, quando fizer 25, ela será a mulher mais feliz do mundo, vai ter o carro do ano, o apartamento mais bacana...

Uma exceção à regra da Central de Manicures

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