21.3.03

A solidão acena do vidro da janela, desdenhando do calor de dentro de minha casa. Me chama pra fora, quer que eu sinta o frio, que eu dê minha cara a tapa. Se aperta entre os batentes da porta, quer afugentar as visitas, interceptar as notícias. Quer que eu desista, que eu faça de conta que serei infeliz assim.

Bate no vidro e mostra que minha sala não tem móveis, que meu quarto não tem quadros, que minha escrivaninha não tem porta-retratos. Ri de minha taça vazia, da garrafa de vinho que nunca termina.

Solta beijos pelas mãos frias, abre os braços querendo colo, pede algo que não posso dar.

Mostra a porta pela qual a menina saiu, levando suas roupas, sua escova de dentes, o meu coração. Aponta para a carta na geladeira, para a assinatura firme, pela falta de emoção.

A solidão raspa os pés no tapete, sempre se preparando para entrar. Se acha a única no mundo de quem eu possa precisar, quer ser minha desde a hora em que eu acordo até o momento em que for me deitar.

Mas não consigo deixá-la entrar.

É que enquanto eu existir pra mim mesmo, enquanto eu puder me fazer compania, não preciso me desesperar. Enquanto tiver amigos na vida, sempre vai existir uma mesa em um bar.

Enquanto houver amor nessa vida, a solidão vai ter que esperar.

Batidas de Cardiotopia

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