26.3.03

Tristeza Ouvi agora na CBN que um apartamento foi assaltado na Visconde de Pirajá e os assaltantes roubaram 35 reais (!) e violentaram a filha do casal, que estava amarrado. Me lembrei de uma história que aconteceu comigo, quando eu tinha um sebinho no Jardim Botânico. A livraria era a maior paz, musiquinha, cheiro de jasmim, de repente entram dois policiais armados (naquela posição prontos-para-atirar) e uma linda moça, loura. Ela estava aos prantos. Junto com eles estava o pintor de paredes que às vezes fazia trabalhos pra mim.

- A senhora conhece esse homem? Me perguntou o policial com aquela delicadeza que eles costumam ter.
- Conheço sim. Ele pintou a minha casa.
- Essa moça disse que foi estuprada por ele. Ele é da sua confiança?

Tipo da pergunta cretina. Eu posso afirmar que uma pessoa é da minha confiança, que posso deixar ouro em pó em cima da mesa, mas quem sou eu para conhecer os mecanismos da mente humana? Como posso saber se um homem é capaz ou não de praticar um ato de tamanha violência contra uma mulher? Expliquei isso a ele, como pude.

Resumindo a história: a moça, que deveria ter um vinte e cinco anos, foi estuprada aos quinze no Parque Lage. Ela estava matando aula, quando um homem se aproximou e disse que ela deveria se juntar a outros adolescentes que estavam ali por perto, tocando violão. Ela acreditou. O resto vocês imaginam.

Pois bem, anos mais tarde essa moça se casou mas não conseguiu manter o casamento. Obviamente, tinha problemas graves em relação ao sexo. Se separou e casou outra vez, com um homem paciente e amoroso, por sinal cliente da livraria.

O pintor esteve na minha loja, para marcarmos um trabalho. Quando ele estava andando pela rua Jardim Botânico ela esbarrou com ele. Chamou os policiais que estavam por perto, contou seu drama, ele disse que tinha referências e foram todos pra livraria. Os policiais estavam loucos pra dar umas porradas, deviam estar em jejum. Queriam que ela confirmasse a violência. Ela chorava, tomava copos de água com açúcar, e por fim, falou: “Não é ele”. Os policiais, contrariados, liberaram o elemento.

Quando todos foram embora, ela ficou, ligou para o marido e ficamos conversando até ele chegar. Ela me olhou com aqueles olhos muito azuis e molhados. Seu rosto parecia estar contido numa cena de cinema, num super close.

- Você tem filha?
- Tenho
- Por favor, não deixe nunca mais esse homem entrar na sua casa. Nunca mais, por favor...
- Você acha que foi ele?
- Sim, tenho certeza que sim. Jamais esquecerei aquele rosto...
- E por que você impediu que ele fosse preso?
- Porque eu tinha 99% de certeza de que era ele mas tive medo de errar e entregar um inocente... Mas sei que foi ele, tenho certeza.

Seu marido chegou quando ela ainda estava aos prantos e eles se foram. Logo depois entrou uma psicóloga que ia sempre lá, uma mulher muito vivida. Contei tudo a ela. Ela me disse que a garota tinha cometido um erro gravíssimo, que aquela era a chance de ela tentar se livrar do trauma e que aquele fantasma continuaria a persegui-la para o resto da vida.

Liguei e desmarquei a pintura da sala. Para sempre.

estado de alerta do BloWg

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