Eram onze horas da noite e eu fui à locadora com meu amigo Uri, Uri Geller devolver o DVD que tínhamos assistido.
Minha mãe, muito preocupada, relutou, dizendo para não sair a essa hora da noite porque os traficantes do bairro já tinham dado o toque de recolher, mas eu não liguei.
Entregamos o DVD na locadora e voltamos para casa em passos lentos.
Já no quarteirão de casa vimos um veículo suspeito descendo a rua, à 10km/h. Saveiro, vidro fumê, carrão rebaixado, ligas metálicas, calotas cromadas, aerofólios, sonzão da porra, Racionais MC's e o carro pulando como um orangotango no cio.
Meu amigo, muito calmo, cochichou:
- Agora a gente vai morrer...
Eu disse:
- Ah não! Fica sossegado! Aja com naturalidade! Comece a dançar no ritmo e cantar a letra da música.
- Playboy bom é chinês ou australiano! Fala feio, mora longe e não me chama de MANO!
Na realidade eu acelerei o passo para não cruzar com o carro, mas não adiantou, a Saveiro vinha em nossa direção. Em um milésimo de segundo pensei nas várias possibilidades de abordagem do motorista do automóvel:
"Você sabe pra que lado fica Jericoacoara?"
"Tá indo pra onde? Quer uma carona?"
"Porra! Cê conhece essa nova do Racionais?"
"Quanto vale a chupeta?"
O carro se aproximou e em uma fração de segundo o vidro abaixou, surgindo uns cinco rostos na janela, com um cano preto (ou algo muito semelhante a um cano, preto) na mão, gritando:
- MÃO NA CABEÇA! MÃO NA CABEÇA!
Falou que eu ia botar a mão na cabeça.
Saí num disparo fenomenal em direção à minha casa. Em linha reta. Como nos desenhos animados, quando o personagem corre do tronco da árvore em linha reta, ao invés de correr para o lado, e sempre acaba atingido.
Eu era um alvo fácil até para Muhammad Ali, Michael J. Fox ou o Papa João Paulo II. Corri em movimento retilíneo e uniforme até me sentir seguro, ou ouvir o carro queimando os pneus com cinco adolescentes desprovidos de cérebro lá dentro dando gargalhadas e achando tudo aquilo muito engraçado.
Mantive a calma.
Procurei por câmeras do programa do João Kléber ou do Serginho Mallandro.
Não encontrei nada.
Achei então melhor procurar por câmeras do educativo Jackass, mas também não achei nada por ali. Cocei a cabeça sem entender qual era a daqueles caras.
Uns dois minutos depois perguntei pelo meu amigo.
MEU AMIGO?
Sumiu.
PORRA! MEU AMIGO SUMIU!
Pensei que tinham levado o filho da puta, mas ele não é nenhum filho de dono de multinacional, então achei que um seqüestro seria meio inviável.
Não tinha ouvido nenhum disparo.
Provavelmente tinham zoado a gente com um cabo de guarda-chuva ou coisa que o valha.
Gritei pelo nome de Uri:
- URIII!
Silêncio.
- URIII GELLERR!
Mais silêncio.
- JÁ ACABOU A BRINCADEIRA URI. PODE SAIR DAÍ. OS CARAS FORAM EMBORA.
Gafanhotos e pererecas respondiam em uníssono:
- CRII, CRRI, CRRI! RABIT, RABIT, RABIT!
Caralho.
- URI, SAÍ DAÍ PORRA! ERA UMA BRINCADEIRA, AGORA JÁ ACABOU! VAMO EMBORA.
Meu amigo Uri surgiu das profundezas do pântano que fica na frente da minha casa.
Levantou com elegância do mato, onde o capim atinge cerca de dois metros de altura. Ajeitou o cabelo, e veio em minha direção, todo sujo de barro. Parecia uma criança pré-primária recém rolada na terra. Uma beleza.
- Porra meu. Puta brincadeira sem graça.
- Cada um se diverte como pode, Uri. Cacete! Você se jogou no barro, cara.
- Ah. Queria salvar a minha vida.
- Tá certo.
- E o que você fez?
- Corri.
- Correu?
- Corri.
- Pra onde?
- Em linha reta.
- Muito inteligente.
- Muito inteligente é se jogar no barro. Tem altos calangos, rãs, sapos e gafanhotos nesse mato. Deve rolar maior suruba de bactérias e micróbios aí.
-Mas eles podiam atirar!
- Eu sabia que era brincadeira..
- Então por que correu?
- Porque nunca é bom confiar demais. Ia acabar com a graça dos...
- URI! CORRE! CORRE! ELES TÃO VOLTANDO!
Ouvia-se de longe o ronco do motor do carro arrancando em nossa direção.
Eu corri, de novo.
Meu amigo se jogou no mato, de novo.
O automóvel virou a esquina.
- Ele virou, Uri!
- Ah! Ah meu, vai se foder!
- VOCÊ SE JOGOU NO MATO, DE NOVO?
- ME JOGUEI!
- CARALHO! COMO VOCÊ É BURRO!
- BELEZA, CORREDOR!
Moral da História: Sei lá qual é a moral da história. Talvez seja "brincadeiras com armas não têm graça" ou "também morre quem atira", ou ainda "? Você gosta de sair por aí com seus amigos de carro para ameaçar transeuntes com uma arma? Então você é um babaca."
Mas o que importa é que não foi engraçado.
não vá se perder por aí
30.4.03
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