Histórias reais - I
Zé Gangó, se dependesse de sua mãe, teria se tornado padre. Como filhos tendem a contrariar o desejo dos pais, Zé Gangó (apelido de José Cupertino) não fugiu à regra. Depois de abandonar a escola, foi parar em uma profissão que considerava "enrascada", mas que aprendeu a gostar. Tornou-se o coveiro-chefe de Porto Seguro, na Bahia. Após anos e anos enterrando os outros, precaveu-se: construiu sua própria "catacumba" há cerca de cinco anos. Afirma: "Quando eu morrer não quero enfeite, nem luto e muito menos choro. Só vela e o povo bebendo cachaça a noite toda. Ela fala que eu sou doido. E eu digo que se der, pra botar um pouquinho na minha boca que eu bebo e agradeço".
Será que a labuta diária convivendo com a morte inspirou Zé Gangó a ter nada menos que vinte e cinco filhos (18 com a primeira mulher, três com a segunda e mais quatro com a "particular")? Sabe-se lá. Zé bebia o dia todo, e ainda dizia que se parasse de tomar suas cachaças, morria. E ainda era obrigado a lidar com a polícia, que costumava matar e trazer os corpos para o cemitério dois, três dias depois, já podres. Depois que reclamou com o juiz da cidade, a polícia parou de abusar do coveiro e passou a trazer os próprios presos para fazer os enterros.
Foi candidato a vereador. Em um comício, irritado com as gozações à sua profissão, não pestanejou e disse: "agora que sou candidato, vocês ficam desfazendo de mim. Mas não há de ser nada. Todos aqui quando morrerem vão ter de passar pela minha mão". A entrevista de Zé Gangó, publicada em maio de 1993 no Jornal do Sol de Porto Seguro, me fez recordar a placa incrustada no cemitério de Inúbia Paulista, cidade onde meus avós maternos descansam:
"FUI O QUE TU ÉS, TU SERÁS O QUE EU SOU"
Histórias reais - II
Roger, 20, lateral recém-promovido dos júniores, sabe que aquele jogo é a chance da sua vida. Porém, foi incumbido de uma tarefa das mais indigestas: marcar D'Alessandro, craque talentoso e marrento do River Plate. Seu time, o Corinthians, empata por um a um. O resultado elimina a equipe brasileira da Taça Libertadores da América.
45 minutos do primeiro tempo. D'Alessandro acaba de fazer uma firula desconcertante com a bola bem na frente de Roger. Geninho, técnico do Corinthians, está tão (ou mais) nervoso quanto o seu time. A um metro do campo, ordena ao seu jogador:
- Pega, pega, pega!
Qual um cachorrinho, Roger obedece cegamente às palavras de seu treinador. Acerta um pontapé desajeitado em D'Alessandro: cartão vermelho. Em entrevista coletiva dada após a eliminação corinthiana, Roger declara, cabisbaixamente:
- Não quis dar pontapé. Não estava nervoso. É difícil explicar. Estava ansioso para ajudar o time. E acabei atrapalhando...
Roger, 20, sabe que ficará marcado por esse lance pelo resto de sua carreira.
Futebol é uma caixinha de Pandora.
Histórias reais - III
José Vieira de Melo Neto não suporta mais a espera. Tarsila Gusmão, sua filha, e Maria Eduarda Dourado, colega de escola, ambas com 16 anos, estão desaparecidas desde o dia 3. Depois de terem saído com amigos para passear de lancha até o Pontal de Maracaípe, em Pernambuco, elas se desencontraram do grupo e não foram mais vistas desde então. Apesar de uma campanha espalhada por todo o Nordeste, com divulgação em TVs, rádios e internet, ninguém sabe do paradeiro delas. Muito pelo contrário, diversas ligações com trotes foram recebidas pelo Disque-Denúncia. Cansado de acompanhar impotente as buscas da Polícia pelas praias do Litoral Sul, José Vieira conversa com Aníbal Moura, delegado e chefe da Polícia Civil:
- Doutor Aníbal, eu preciso fazer alguma coisa.
- Se isso vai lhe fazer bem, faça.
José Vieira, cujo hobby é fazer trilhas de rali, pega a sua moto e, ao lado do amigo Roberto, começa a percorrer estradas vicinais e entradas de cana em toda a área desde Porto de Galinhas até Serrambi. É movido por uma única certeza na cabeça: a necessidade aflitiva de descobrir se Tarsila ainda estava viva.
Na tarde do dia 13, a verdade. Os corpos das duas adolescentes já estão em avançado estado de decomposição. José reconhece o corpo de Tarsila através de uma pulseira prateada, presente que ele mesmo havia dado à filha. Dois dias depois, declara em entrevista a uma rádio:
- Gente ruim tem em todo canto, todo dia se mata. A esperança... Minha esperança agora é de achar quem fez isso. Porque minha filha, ninguém mais acha não.
Pensar Enlouquece. Pense Nisto.
17.5.03
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