1.6.03

Algo a ver com futebol

Raramente escrevo sobre futebol. Isso porque, este ano, tenho estado alienado para o esporte bretão. É uma pena. Gosto de futebol e discordo de quem diz que esporte é algo para os que não têm imaginação. De fato, se você for ao estádio e ficar olhando somente os jogadores correndo atrás da bola, nada mais isento de imaginação. Ora, mas eu suponho que você, leitor, seja uma pessoa que vá ao estádio e que viva o ambiente. Logo, seu imaginômetro, num lugar destes, deve quase transbordar o mercúrio.

(..)

Durante muitos anos, fui muitas vezes ao estádio. Vi finais, semifinais, amistosos, jogos ruins que terminaram em 0 x 0 e jogos disputados nos pênaltis. Mas eu trocaria todos estes jogos por uma lembrança viva do primeiro, aquele da minha infância.

Sentado na arquibancada dura, ao lado do meu pai, que escutava no radinho informações sobre o jogo que iria começar em breve, percebi um barulho conhecido. Parecia um apito de maria-fumaça, se bem que eu nunca vi de perto uma maria-fumaça. Era um “i” estridente, conhecido. Trata-se de um velhinho para mim anônimo, de seus sessenta, setenta nos, que vende picolé no estádio. Usa um boné virado para o lado, como o Sérgio Mallandro. Tem um bigode meio canalha e grita para o estádio

— Coco, limão, chocolate bacaxi-xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

E esta sua ladainha arranca de todos os torcedores, sem exceção, um sorriso. Não importa se o time está ganhando ou perdendo (desde que não esteja levando uma goleada, claro), todos riem à passagem do velhinho anônimo do bacaxi-xiiiiiiiiiiiiiiiii!

A tarde teve direito a xingar a mãe do juiz, os jogadores do time adversário e também os do time que uma vez foi do coração. Sim, foi. Porque há muito me desinteressei do futebol, ao menos como as pessoas se interessam por futebol. As cores do Coritiba me são apenas simpáticas, digo, mais simpáticas do que as do inimigo histórico, o Atlético Paranaense. Mas não me fariam, de modo algum perder a cabeça. Até cheguei a me declarar um ex-torcedor do Coxa.

Eis que me lembro, porém, da final de um Campeonato Paranaense entre Coritiba e União Bandeirantes — e volto a torcer para o alviverde. A simples lembrança da bandeirinha do time sendo agitada e batendo na cabeça das pessoas em volta, por um moleque entusiasmadíssimo com um título tão... pequeno, me anima a xingar com mais ímpeto o zagueiro que acaba de fazer uma besteira, entre tantas.

Comemoro o gol de empate. Depois o gol da virada e ainda mais o terceiro gol. Termino o jogo rouco, cansado e com frio. Meu pai, ao meu lado, é um homem velho, muito mais velho do que a idade que tem. Quieto durante toda a partida, ele comenta comigo alguns lances do jogo.

Em frente ao colégio Zacarias, indo para casa, eu só queria era poder pegar na mão dele novamente, olhá-lo com aquela admiração de quem vê o pai como um gigante e me perceber novamente como uma alminha dentro de um corpo. Uma alminha feliz, dentro de um corpo.

O Polzonoff

Nenhum comentário: