23.6.03

A enfermeira entrou no quarto com o pequeno embrulho azul em seus braços e uma cara de quem comeu e não gostou.
A nova mamãe fez uma careta ainda pior ao ver que a portadora parecia não ir com a cara de seu pimpolho. Onde já se viu? Todos nascem com cara de joelho, pra que fazer boca de nojo?
Pegou o menino Danilo dos braços da mulher com delicadeza suficiente para não machucar o bebê, mas com determinação para que a enfermeira notasse seu desgosto.
Abriu o pacotinho para ver melhor o rosto do recém-nascido e viu a pelota.

- Ahhh!! O que é isso no olho do meu filhinho?
- É, minha senhora, um pequeno probleminha....
- O quê? Meu Deus! O quê?
- Tersol.
- Mas como pode um bebê nascer com tersol!!??
- Ah, poder pode tudo, né dona? Vai entender a providência divina...
- Não tem nada a ver com providência divina, eu quero é um médico aqui já!

O diagnóstico foi tersol de nascença. Do tipo que não sai com água boricada nem com aliança quente. Fica lá pra sempre. Pareceu muito grande só até o menino crescer. Depois, naturalmente, não cobria mais seu olho inteiro.
O pequeno Danilo foi um felizardo, porque pôde ver o mundo com outros olhos. Ou melhor, o enxergava em outro formato. Tudo era coberto parcialmente pelo tersol, que deixava as imagens côncavas no lado superior direito. Para enxergar aquilo que estava coberto, ele erguia o rosto. Logo, tinha curiosidade para ver o que mais estava coberto e o erguia mais ainda. Conseqüentemente caiu muito durante sua infância, por viver caminhando com a cabeça erguida, quase tombada para trás.
Com isso viu mais coisas que todos os meninos e meninas que conheceu. Cresceu observando tudo que o cercava com uma curiosidade infantil.
Ninguém nunca o entendeu muito bem. Mesmo adulto, continuava caminhando fazendo rotações com a cabeça e registrando em sua memória a cor do teto, o formato da nuvem, o ninho do pássaro.
Um dia conheceu Guida, a menina por quem se apaixonou. Antes do noivado ela fez uma simpatia, umas bruxarias, para ver se aquela coisa sumiria do olho de seu amado (tinha uma profunda aflição daquilo). Deu certo, e ele acordou sem o tersol. Viu o seu quarto com os dois olhos bem abertos, e de repente, tudo havia perdido a graça – inclusive Guida, que agora lhe parecia feia, mais por dentro que por fora.
Danilo terminou o namoro e fez um curso de bruxaria especializando-se em tersol. Colocaria um no olho de cada pessoa que não entendesse nada da vida, e Guida foi a primeira.

histórias macabras en el Salón Comedor

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