28.6.03

O diabo e a cura

Uma mulher tinha em casa um filho que ia morrer.

Ele estava num equipamento que o ajudava a respirar, mas mesmo assim cada vez que aspirava dava para ouvir o peito chiando, como uma mesa de metal sendo arrastada por um chão de pedra. Naquela noite ele arregalava os olhos tentando absorver o ar, e a mulher ia sentindo que ia sufocando também. Uma hora ela não aguentou e teve que ir até o quintal respirar.

Estava lá quando viu um homem escondido entre as orquídeas da estufa. Ela estava tão cansada que não sentiu medo; e da mesma maneira que nos sonhos temos certeza de certas coisas, o cansaço fez com que ela tivesse certeza de que aquele homem era o diabo.

O diabo falava baixo, e tinha um jeito tranqüilo. O diabo disse que ela estava sofrendo porque o filho ia morrer, e depois disse que podia ajudar.

Ninguém tinha dito ainda aquilo, que o filho ia morrer - mas ela sabia que era verdade. Ela perguntou se ele podia curar o filho. Ele disse que não, mas que podia fazer algo quase tão bom quanto isso:

-Posso fazer com que você deixe de amá-lo.

Ela achou a idéia horrível e pensou em xingar o diabo, mas estava tão cansada que não disse nada. O diabo disse:

-Pense bem. Há quantos dias você está nisso? Semanas, já. Ainda se dissesse que a sua preocupação ajuda o seu filho em alguma coisa. Mas você sabe que não é verdade.

Ela disse:

-Vou entrar.

-Se você mudar de idéia, vou estar aqui amanhã de novo.

Durante uma semana ela desceu à noite para o quintal, entrou na estufa e fumou em silêncio na companhia do diabo. Uma noite ele disse:

-O seu amor não adianta nada, só te faz sofrer. Grande coisa. Joga isso fora, joga isso fora, Kátia...

Ele falava de um jeito tão compreensivo, tão bom.

Na oitava noite ela não aguentou mais e disse:

-Está bem.

No escuro da estufa o diabo olhou para ela como se estivesse um pouco surpreso. Depois sorriu.

-É melhor assim, você vai ver.

-Como é que você vai... –ela ia perguntar como ia ser o procedimento, mas o diabo a interrompeu baixinho:

-Já aconteceu.

Ela de fato se sentia diferente. Perguntou ao diabo o que ele ia querer em troca.

-Nada! Está pensando que eu sou como aquele ali? Aquele ali é que só faz as coisas em troca de algo, uma oração, uma caridade, um arrependimento. Eu faço as coisas de graça, porque não suporto ver as pessoas sofrendo. A minha recompensa é ver você sorrindo de novo, Kátia...


psicografado por Alexandre Soares Silva

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