24.10.03

Eu fui

Moacyr Scliar tomou posse na Academia Brasileira de Letras. Eu fui. Quem diria, hein? Na sexta-feira passada aluguei um smoking numa casa do gênero em Copacabana, passei um gel na careca e lá fui.

Divertido ter passeado incógnito pelos salões da ABL. Cumprimentei Moacyr Scliar, que não me reconheceu e eu nem fiz questão de. Sabe como é, sou muito tímido. Tomei aquela bebida inexplicável que é o tônico dos velhinhos, com vodca e abacate, e fiquei um tanto quanto alto na Casa de Machado de Assis.

A cerimônia em si foi chata, é preciso dizer. Discurso, aplausos, cheio de laquê no ar, calor, repórteres de treze anos escrevendo sobre o assunto, perguntando um no ouvido do outro quem é Moacyr Scliar, aquelas coisas. E eu lá, no meu smoking alugado, a gravata borboleta fazendo com que eu parecesse o José Mauro de Vasconcelos na contracapa da minha edição do O Meu Pé de Laranja Lima.

Circulei, circulei. Dizem que este é o segredo: ver e ser visto. Se bem que, quem me viu, não soube quem eu era. Os poucos que me conhecem por fotografia não ligaram o homem em calças jeans e tênis desamarrado ao bonequinho de cera em smoking alugado (rimou).

Aliás, o discurso de Scliar foi uma preciosidade do começo ao fim. Não à toa, o povo de smoking e vestido longo, as velhas com colares de pérolas, nas rodas que se formaram após a formatura, digo, posse, comentava a ousadia do moço Scliar, que propôs o referendo popular para a escolha dos novos nomes da Academia.

Em especial uma velhinha de lábios finos, que vestia um longo preto com uma renda no busto, de modo a esconder os seios já sem vida, estava indignada. Ela dizia para sua interlocutora, que exagerara um tiquino no blush, sem medo de estar cometendo uma gafe, que o recém-imortal está maluco. No que eu concordei um pouquinho, tenho de dizer. Olhei por cima das cabeças e lá ao longe vi Scliar, em seu fardão tinindo de novo. Ele sorria naquele modo inegavelmente gaúcho de sorrir.

Passei pela estátua de Machado de Assis que fica no pátio da ABL e dei um tchauzinho ao bruxo. Estava meio de pileque, por causa da mistura de abacate com vodca. Como um bêbado de filme felliniano, pensei em gritar para a estátua:

- O que fizeram de você, hein?!

Mas me contive. Desci as escadas, atrás de um grupo de senhores que falavam sobre Mário Quintana, a quem Scliar homenageou. No táxi, a caminho de casa, me perguntei que tipo de glória é essa, de que falam os acadêmicos. E que tipo de glória é a outra, de que fala Machado de Assis na estátua. Há uma diferença enorme entre elas, mas será que ninguém percebe? Ou preferem mesmo ficar recitando o tal do passarão-passarinho?

De qualquer modo, é bom que se registre: referendo popular, em se tratando de Academia Brasileira de Letras, é uma idéia tão, mas tão boa quanto a própria Academia Brasileira de Letras. Se é que me entendem.

O Polzonoff

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