7.10.03

A noite transcorria como um século. Mesmo neste ambiente de pouca luz e algum silêncio não consegui dormir satisfatoriamente. Sonolenta, percebo o vaivém de homens, mulheres e crianças se alternando em cadeiras sóbrias e frágeis. Para os maiores não é dia de trabalho, para os pequenos não é hora de brincar. A contragosto, todos preenchem o espaço como podem.
Aqueles que chegam por último se orientam pelas grossas paredes que a todos parecem cercar. Eles esticam o pescoço procurando me divisar em meio à pequena multidão que se forma à minha volta.
O ar cheira a mofo, não sei bem se é a sala que cheira assim ou se é pelo tapete que colocaram debaixo de minha mesa. Estou rodeada de gente me encarando sem discrição, afinal vieram de longe só para me ver e cumprimentar. Por que culpá-los do desconforto que sem o saber me trazem? Se ao menos soubessem como fico sem jeito nessas horas. No entanto falar-lhes agora da minha modéstia seria no mínimo hipócrita. Jamais me perdoariam se eu dissesse que não posso oferecer dedicatórias. Não vejo a hora de sair daqui.
Mas ninguém me pede nada. Existe um assédio respeitoso. Ninguém parece ligar para as minhas roupas. Minhas respostas já não contam. Tanto sucesso involuntário deve ser porque hoje o dia é só meu.
Espontaneamente imóvel, volto a sentir sono novamente. Uma das mulheres passa com uma bandeja de salgadinhos. Onde estão as bebidas? Minha garganta está seca. A música ambiente se arrasta. O sono agora é incontrolável. Gostaria que tudo isso tivesse um fim. O burburinho, o mofo, a modéstia, os salgadinhos. Afinal é noite de sábado ou manhã de domingo?
Não sei dizer. Ninguém sabe me dizer. Na verdade não há ninguém aqui comigo para me dizer. Estou sozinha. Estou sozinha e dou por falta de um último convidado. Que senha deve ter recebido para me descobrir no meio de toda essa gente? Eu não saberei reconhecê-lo se ele não se apresentar. De qualquer modo, ou ele não existe ou está atrasado. Minha maquiagem agora começa a se desfazer. Tenho tanto sono.
Procuro adivinhar qual das paredes vai dar no banheiro. Não tenho tempo a perder pois vejo que todos já estão de pé e fica cada vez mais difícil atravessar a sala lotada eu já nem sei mais de quê.
Todos estão me encarando agora. O que será que querem de mim? O que vão me perguntar? Eu não preparei discursos. Seja o que for, eu não saberei responder. E estou derretendo. De sono. Um sono que chegou para ficar. Alguns homens se adiantam e se aproximam de mim. O que querem? Mas não. Eles estão mudos. Eles não me tocam. Eles nem me encaram mais. Só me cobrem e tudo fica escuro. Vou poder dormir afinal. Fico feliz. Ainda é noite de sábado.

Prosa Caotica

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