a mulher esqueleto
Então a gente conversou muito. E muito. E muito mais ainda.
A explicação dele foi muito plausível, a viagem realmente ocorreu (ele voltou antes). E a conversa foi olho no olho. E eu disse tudo o que penso, tudo o que senti. Contei até que espremi um tomate. E deixei ele falar e falar e falar.
E, a certa altura, eu lembrei da história da mulher-esqueleto.
A história da mulher-esqueleto é o seguinte. Um esquimó morava sozinho numa casa, e num determinado dia teve que sair pra caçar. Ele se afastou muito da casa, e acabou tendo que armar um acampamento. Quando acordou, deparou-se com um esqueleto deitado ao lado dele. Isso apavorou-o de tal forma que ele catou tudo e saiu correndo. Só que o esqueleto havia se enroscado no meio das coisas dele, então quanto mais ele corria, mais o esqueleto se desconjuntava e se enroscava mais ainda.
Já era noite quando ele alcançou a casa. Entrou correndo no escuro, atirou tudo no chão, cobriu-se e não percebeu que a ossada estava com ele. Quando o dia amanheceu, ele ficou horrorizado ao ver aquele monte de ossos desmontados logo ali ao lado. Dias se passaram e ele sem coragem de mexer naquilo.
Até que um dia, ele olhou para os ossos de um outro jeito. E percebeu que aquela ossada já tinha sido de uma pessoa, de alguém que tinha tido uma vida, de alguém que tinha sofrido e amado e se divertido, de alguém como ele, talvez. E foi tomado de uma profunda compaixão por aquele esqueleto. Foi quando ele decidiu juntar os ossos, remontá-los e dar um enterro digno àquilo que havia sido um ser humano. Começou a desenroscar a ossada, a separá-la do mato, das cordas, das linhas, e a cada osso separado, ele sentia mais compaixão e mais amor.
Quando conseguiu remontar tudo, percebeu que não estava preparado para se separar dele naquele momento, porque tinha se afeiçoado àquele esqueleto. E, num impulso, cobriu aquele esqueleto com peles, e abraçou-o para aquecê-lo. E adormeceu. Quando acordou, aquele esqueleto tinha tomado vida e se transformado em uma mulher, que se tornou sua companheira para o resto da vida.
Então. Na conversa, percebi que estava com um puta esqueleto na minha frente. Um esqueleto completo, de todo o amor que sentia por ele, de tudo o que vivemos, de toda a história de nós dois. E ou eu chorava em cima dessa ossada e ela renasceria, ou chutava aquele monte de osso morro abaixo.
Só que pra chorar em cima desse esqueleto, eu precisava saber se o Ricardo sabia o que tinha na mão, se ele sabia o que representava estar comigo e ter uma namorada como eu. Só assim valeria chorar. E foi quando ele disse um monte de coisas, um monte de promessas, yadda yadda yadda.
De modos que não sei. Não sei o que vai dar isso tudo.
Tenho poucos dados nas mãos: o meu sentimento pelo Ricardo (que é enorme e I just can't help myself), a promessa que ele me fez, toda a conversa olho no olho, meu coração me dizendo pra tentar, o fato de sermos tão fracamente humanos. Só posso contar com isso.
E cá estou eu, chorando em cima do esqueleto enorme de nós dois, separando os ossinhos da linha de pesca. Não sei o que vai virar esse esqueleto: se vai se transformar numa criatura forte, digna de ser abraçada, ou se vai me aparecer um pequeno hamster. Não sei se estou sendo idiota, não sei se tudo merece uma nova chance, não sei e não sei. Mas resolvi tentar.
perolada
21.11.03
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