A rolinha entrou pela janela aberta. Todas nós soltamos gritinhos de surpresa. A professora de hidroginástica encolheu-se num canto. Tem gente que morre de medo de aves.
Meu filho quer inventar o oiránoicid, que é o dicionário ao contrário, onde você entraria com o significado e ele diria qual é a palavra que você está procurando. Se já existisse, poderia colocar aqui o nome que me fugiu da cabeça da fobia dos que abominam bichos de pena.
Em volta da piscina, do chão à metade da altura até o teto transparente é parede de tijolo, emboço, tinta... Daí para cima é janela. Quando faz frio, os vidros são fechados. Num dia quente como hoje, abre-se tanto quanto possível. E foi por aí que a rolinha entrou. E gorjeamos nossa surpresa. E a instrutora espremeu-se contra a parede.
Não é a primeira vez que acontece. Ainda outro dia, quando nossa treinadora estava de férias, deixando em seu lugar uma estagiária, foi outra rolinha que entrou e ficou girando procurando a saída até cansar. Não foi simples agarrá-la e soltá-la de volta para o vôo livre.
A rolinha de hoje talvez tenha se apavorado com o nosso pequeno susto, com o medo da mestra, com a música alta que marcava nosso ritmo. Passou sobre nossas cabeças cruzando todo o comprimento da piscina, ouvindo nosso sobressalto, nosso pavor injustificado, nosso barulho que insistimos em chamar de música e tocou a parece no lado oposto. Deve ter sido então que ela armou-se de toda coragem para fugir dali e arremessou-se numa velocidade incrível contra a vidraça caindo do nosso lado, dentro d'água.
Quando N. a resgatou das águas com suas luvas de pato, a ave se debatia. Eu, sempre a mais alta de quase qualquer turma, me ofereci para colocá-la no peitoril da janela para que pudesse alçar vôo assim que se recuperasse. Mas a rolinha morreu nas minhas mãos e eu fiquei com uma tristeza infantil no peito.
Até o final da aula o servente ainda não tinha vindo para pegar o bichinho morto e eu passei o restante do tempo ouvindo sobre notícias do dia, novelas, filhos e netos, exposta, mesmo que não olhasse mais, àquele testemunho de uma pequena infelicidade diária, fingindo ser o cloro que me ardia os olhos, numa tentativa brutal de voltar a ser adulta.
FEL, amargando felicidade
29.1.04
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