(SEM TÍTULO)
Há livros cujo título já justificaria sua simples existência. Livros que nem precisariam ser escritos, pois o título é uma obra-prima por si só. Por exemplo, "No Ventre da Besta", que apesar do excelente título, é um livro chatíssimo onde Jack Henry Abbott, um presidiário problemático, desfia sua filosofia capenga em cartas endereçadas a Norman Mailer. Todos ganhariam se o livro jamais fosse escrito, se apenas subsistisse seu título, como mera sugestão para uma obra maior. Na contramão dessa teoria, existem verdadeiras maravilhas da Grande Literatura sob títulos prosaicos ou muitas vezes enigmáticos, como "O Processo". Os english-speakers têm inclusive um ditado - nem sempre aplicado à literatura - que faz alusão a este fenômeno. É "you can´t judge a book by the cover", que pode ser usado, por exemplo, para explicar os verdadeiros motivos que levam um cidadão a casar com uma mulher de minguados atributos físicos, se é que me faço claro. Mas devido à Natureza Humana, sempre julgamos os livros pela capa, e as mulheres pela bunda. Sad, but true.
Pois o fato é que tenho tudo para ser um escritor bem-sucedido: sou culto, ateu, criativo e muito mentiroso. Mas me falta o essencial. Não consigo batizar adequadamente meus textos. Idéias, as tenho às mancheias (mancheias? contenha-se, Levedo!). Mas e os títulos, rapaz? É esse o caroço da questã, como diria o Analista de Bagé.
Você pode não conseguir concatenar uma frase na outra, mas, se tiver um talento excepcional para criar bons títulos, é muito mais que meio caminho andado.
Por exemplo, esses dias fui fulminado por uma idéia brilhante em pleno trânsito. Na verdade, nem era tão brilhante assim, pois o George Simenon já explorou algo vagamente parecido num dos seus romances. Mas também, sobre o quê esse belga safado não escreveu? A idéia era a seguinte: um homem e uma mulher vivem juntos e se amam doidamente, mas não suportam conversar um com o outro. Ambos tem uma personalidade fortíssima, e não admitem ser contrariados. Como são personagens de ficção e, por conseguinte, não precisam ter qualquer semelhança com pessoas do mundo real, se dão conta disso e muito lucidamente decidem não sacrificar o belo amor que sentem um pelo outro. Continuam a viver juntos, mas sem trocar uma palavra sequer. Sabem que a opinião que eles tem sobre o mundo, sobre a culinária japonesa, sobre religião e sobre a pintura expressionista é irrelevante diante do imenso afeto que nutrem um pelo outro. E optam pelo silêncio, como meio mais eficaz de evitar conflitos. E vivem juntos e na mais perfeita harmonia, em completa incomunicabilidade. Até que o homem adquire um saxofone e a mulher, transtornada pelo que ela imagina serem mensagens cifradas nos longos solos de jazz do marido, o mata com uma chave de fenda, e logo em seguida comete suicídio utilizando uma máquina de costura portátil.
Só o que me falta para colocar essa história fabulosa no papel é um título. Meu reino por um título!
Padre Levedo
7.2.04
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