Ele evita fotos. Evita fotos porque ela está muito longe, sempre esteve longe. E olhar uma foto, além da dor de ver a foto, tem a dor da nostalgia do tempo em que via as fotos sem medo, do tempo em que não calculava as tristezas e as euforias que lhe agitavam o espírito. Toma hoje mais cuidado. Mas resultados não parecem ter surgido muito claros.
Quanto a cartas, evita-as um pouco, foge menos. Que elas torturam muito pouco de cada vez, não dói na mesma hora e só se descobre que se foi ferido conforme o tempo haja passado. Descansam na estante, umas sobre as outras e também espalhadas. Às vezes muitas páginas, em que aparece comedida a expressão, mas latentes as idéias indizíveis, como latentes as idéias indizíveis nas outras onde se multiplicam as páginas e se oferece o coração em palavras muitas e de reflexões.
E as tais sensações que não se dizem o encobrem de tantos ditos, de tanto que dizem, e tanto que dizem, e de tanta ansiedade em que o afogam por serem suas falas sem palavras, que ele deseja uma palavra – mas não há quem a diga. Quem a diria está distante, prisioneira do ar, presa na fotografia, escrava do oceano, refém dos caprichos geográficos, latente quanto a idéias indizíveis e amorosa nas palavras. E esta palavra é possível que não seja palavra, pode ser discurso, pode ser aceno, olhar ou convite: contemplemos este mar entre terras; que não saibamos haver terras, mas apenas terra; que estejamos no mesmo lado, e que tudo seja agora dizível neste lado, libertos agora do papel das fotografias, do papel das palavras.
E assim conseguiremos, entre tantas outras coisas, a felicidade de respirar.
O Mercador de Seda
10.3.04
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