Sex and the city perde feio
E ontem eu fui dar plantão. Troquei o dia com um colega e fui. Obra do destino, já que ocupar a mente era tudo que eu estava precisando. Ok, eu não contava com a insônia filha da mãe que tive. Cochilei por apenas 40 minutos e pensei seriamente em desistir da troca. Mas, como já tinha dado minha palavra, entrei no ônibus e fui.
Chegando ao hospital, em pleno estacionamento, tive a visão do inferno. Um singelo carro prateado paradinho bem na porta. Olho a placa e constato ali a combinação de letras e números que vivia a procurar, tempos atrás, nas ruas da cidade. Não, eu não podia acreditar naquilo. Era demais. Sim, era o carro da minha primeira grande paixão. E, como se trata da sortuda da minha pessoa, um grandessíssimo canalha, na melhor definição do termo. Claro que xinguei o mundo todo e tive ódio das coincidências.
Por que ele tinha também que trabalhar justo ali, naquele hospital no quase fim do mundo?
E mesmo um pouco tensa, comecei meus atendimentos na emergência. A distância (grande) entre os nossos consultórios me dava uma pontinha de esperança que passaria despercebida pelo cidadão. Até que uma auxiliar de outro setor entra no meu consultório...
-Doutora, Dr. Fulano de Tal quer falar com a senhora.
-Hein? - me fazendo de doida lindamente.
-É, Dr. Fulano, o xxxxgista daqui, pediu pra chamar a senhora.
-Ok - me ferrei.
Barriga pra dentro. Solta o cabelo. Putz, logo hoje que vim tão esculhambada. Queria que ele visse como estou bem, que superei tudo. Bati na porta e entrei. Ele não muda mesmo. Mesma expressão. O cabelo tá precisando de um corte, essa roupa não tá combinando com ele, mas continua com o mesmo charme.
-Olá! - sorriso colgate.
-Oi, - tentando ser seca - mandou me chamar?
-Foi. Vi seu carimbo nessa receita e pedi pra ver se era você mesmo.
-Pronto, já viu?
-Vi, malcriada.
-Então, tchau.
-Depois passo lá na frente pra falar melhor contigo.
Fechei a porta e saí me sentindo a mais adolescente de todas as mulheres. Porque ele estendeu a mão e eu apertei. E é óóóbvio que ela estava uma pedra de gelo. E é óóóbvio que ele percebeu e deve estar se achando o rei da cocada preta. A gente não manda nessas coisas, né? Tsc. Continuei minhas consultas e meu celular toca. Piscando no visor um número que eu fiz força pra esquecer e não discar nunca mais na vida.
-Alô?
-Já acabasse?
-Quem é? - eu sou uma atriz.
-Eita, Beta - tinha esquecido como me derretia com o jeito que ele chama meu nome.
-Ah é tu, diz.
-Acabasse?
-O que?
-Os atendimentos.
-Só acabo amanhã, é plantão.
-Bora almoçar fora?
-Eu almoço aqui no hospital.
-Mas hoje você não vai.
-Vou sim. E preciso desligarr porque tô cheia de coisa pra fazer.
-Você era mais legal.
-E você continua o mesmo galinha, tchau.
Hãn?? Eu disse isso? Déa vai se orgulhar quando souber. Após quinze minutos a mesma auxiliar que me levou até ele entrou novamente no meu consultório. Trazia um exame que ele pediu pra eu olhar. Quando abri caiu um papel. Você continua linda e braba. Não, não basta ser canalha, tem que ser insistente, é isso? Ignorei o bilhete, falei qualquer coisa sobre o exame e fui almoçar. Na primeira garfada meu celular toca novamente.
-Diz, criatura.
-E aí, bora?
-Já estou almoçando.
-Nem me esperasse, gatinha?
-Não tinha motivos para.
-Eita que tá chata hoje!
-...
-Eu vi você no shopping um dia desses com um cara... é seu namorado?
-Não é da sua conta, que-ri-do.
-Adoro quando te tiro do sério.
-Tchau.
-Ei, desligue não!
-Estou com fome.
-E eu com saudade.
-Ridículo.
-Antes você não achava isso.
-Claro, antes eu era uma adolescente e você um homem solteiro. Agora anos se passaram e as coisas mudaram completamente.
-Você sempre estraga a brincadeira.
-Ah, agora isso é uma brincadeira?
-...
-Então vou dizer à sua mulher que você adora esse tipo de brincadeira.
-Tchau, Beta.
E como se não bastassem todos os problemas do plantão, mais essa pra me tirar o bom humor.
Bela, linda criatura, bonita. Nem menina, nem mulher...
3.3.04
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