21.4.04

Crônicas do Amor Possível
by sérgio p torres

I - A Cervejinha Gelada

A noite, já deitados, o casal combina as tarefas para o dia seguinte:

- Amanhã tenho uma reunião da diretoria. Vamos acertar o cronograma para o 2º semestre. Você leva as crianças para a escola?
- Claro, meu bem...
- A casa tá cheia de pó.
- Tá, amor, eu arrumo...
- A pia tá cheia de louça.
- Eu lavo...
- Vou trazer uns colegas pra almoçar.
- Quantos?
- Três. Capricha na comida.
- Você podia ter avisado antes...
- Decidi agora. Tá faltando alguma coisa?
- Não sei...
- Você nunca sabe nada. Bem, qualquer coisa você passa no supermercado depois que deixar as crianças na escola.
- Tudo bem. Não esquece de deixar o dinheiro.
- Puxa, você só me dá despesa. Vê se pelo menos não esquece de botar a minha cervejinha pra gelar, tá?
- Tá, não esqueço...
- Não deixa congelar.
- Tudo bem...
- Amanhã vai ser puxado. E de tarde, o que você vai fazer?
- Não sei ainda, acho que vou ao shopping...
- Shopping!? Por que você não arruma um emprego, nem que seja de meio expediente?
- Tá difícil, amor...
- Você só sabe torrar o meu dinheiro. Também, quem mandou largar os estudos? Não viu a fila de candidatos pra gari? Tinha gente até com curso superior!
- Eu sei...
- Sabe, mas não faz nada, não é? Ninguém merece. Esse negócio de ficar em casa sem fazer NADA não tem cabimento.
- Desculpa, amor. Mas é muita coisa pra uma pessoa só fazer...tem que levar as crianças pra escola, ir ao supermercado, banco, costureira, lavanderia, o almoço, a louça, a casa, a cervejinha gelada...
- Alôôôuuuuuu...quem é que rala todos os dias e sustenta você, as crianças e a casa?
- É você, Marisa...
- Então, Haroldo, vê se pelo menos não reclama tanto.
E apaga a luz que eu quero dormir.

decadência urbana

Nenhum comentário: