18.4.04

A Diferença Entre as Mulheres que Você Come e as que Você Não Come
Por Alexandre Cruz Almeida

Joana foi minha amante e uma de minhas melhores amigas. Ela terminou comigo há poucos meses porque estava voltando para o seu homem de direito. Apoiei sua decisão, claro: nos divertimos muito juntos, mas o futuro dela é com ele, não comigo. Ainda somos amigos, mas não tanto quanto éramos. Ainda tenho tesão por ela, mas não tanto quanto tinha. Ainda a amo, mas não tanto quanto amava.

Hoje, nos encontramos em um evento. No salão, antes que eu pudesse chegar até ela, duas pessoas vieram falar comigo, uma depois da outra, e me ocuparam por uns quinze minutos. Quando finalmente cheguei até Joana, ela virou a cara pra mim. O que foi?, perguntei. E ela, em um tom de voz ofendidíssimo, apontando com olhos para sua melhor amiga que estava conversando com ela: a fulana veio direto falar comigo, não parou pra falar com ninguém antes.

Sabem qual é a grande diferença (além da óbvia) entre as mulheres que você come e as mulheres que você não come? É que você não precisa ouvir esse tipo de coisa das mulheres que você não come. Virei as costas e fui embora.

Joana é linda, inteligente, independente, mas tem um grande defeito: é mulherzinha. Não sei se dá pra explicar. Mas é justamente isso: só uma mulher muito mulherzinha falaria uma coisa dessas. Ela é o tipo de mulher que, quando eu ligo pra ela, ao invés de ficar feliz porque eu liguei, contabiliza há quanto tempo eu não ligo: puxa, estava morrendo de saudades, eu digo. É, sei, ela retruca, em tom mezzo-escárnio mezzo-ofendida, recebi suas dezenas de recados na minha secretária.

Ou então: puxa, estava mesmo querendo falar com você. E ela: se quisesse mesmo, não ficava sem me ligar desde terça.
Ou então, ou então, e essa é a minha preferida: oi, tentei te ligar, mas você não atendeu o celular. E ela: humpft, se quisesse mesmo falar comigo não teria me ligado logo na hora que sabe que não posso atender. Você queria é que eu visse que ligou, não falar comigo.

E como eu vou explicar que nunca me dei ao trabalho de decorar os horários dela? Sou totalmente espontâneo, ela sabe disso, ou deveria saber: ligo pra quem quero na hora que me dá vontade de falar com aquela pessoa. Ponto. Esse negócio de ligar pra alguém na hora em que você sabe que a pessoa não pode atender só pra deixar um recado na secretária, caramba, isso é tão não-eu que eu mal consigo apreender o conceito.

E eu explico: olha só, assim como a medida de distância é o metro, digamos que a medida do não-ligar seja, por exemplo, narjaras-turetas. E digamos, mais ainda, que eu tenha não-ligado pra você uma quantidade de 15,58 narjaras-turetas na semana passada. Isso quer dizer que você também não-ligou pra mim na exata mesma quantidade de 15,58 narjaras-turetas. A mesma reclamação que ela me faz de forma tão insuportavelmente deselegante (se quisesse mesmo falar comigo, não ficava sem ligar desde terça-feira!) eu também poderia fazer pra ela. Ou então, melhor ainda, ela mesma poderia se fazer essa reclamação diante do espelho e nos poupar a todos o perrengue. Que tal?

Não sei vocês, mas quando alguém que eu gosto e com quem não falo há algum tempo me liga, eu fico tão feliz que só consigo mesmo curtir aquela felicidade. Além do que, eu sei que se ela não me ligou, eu também não liguei pra ela, e então empatou tudo, não se fala mais nisso.

Estou ficando velho, minha vida, cada vez mais complicada e eu, cada vez mais louco, livre e seletivo. Cada vez tenho menos tempo pra gente que acho que não vale a pena. Quando ligo pra alguém, é um ato de amor mesmo, é porque quero muito falar com essa pessoa. Qualquer um que eu ligue (tirando a minha mãe, porque essa não tem jeito e mãe é assim mesmo) e me receba com esse tipo de cobrança, pode ficar certo que não vai receber outra ligação minha tão cedo. Talvez nunca.
A não ser, claro, que seja a mulher com quem estou transando.

Eu devo ser muito poliana mesmo, ou então vocês vão me achar muito cínico, muito as-uvas-estão-verdes, mas quando ouvi esse comentário pequeno hoje à tarde, eu fiquei até feliz.

Porque pensei: caralho, que delícia não precisar mais ouvir isso!

Fui muito feliz ao lado da Joana, mas comentários como esse quase me levaram à loucura durante meses. Saber que não preciso mais me rebaixar ao ponto de explicar que liguei na hora em que ela estava ocupada porque não sabia os horários dela, não porque não queria falar com ela, etc etc, hmmm, gente, eu juro, isso é uma delícia também.

Cada coisa na sua hora, claro, mas poder virar às costas pra alguém que faz um comentário desses é tão bom quanto sexo.

Elas por Elas

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