POEMA REPUBLICANO
Um bar diante do cu de bronze
do cavalo do Marechal Deodoro,
que, à guisa de enigma, fica
na praça Princesa Isabel:
Isto faz-me sentir tão inadequado
quanto o brônzeo ânus desse
quadrúpede, afinal que faço
eu num boteco no centro da
cidade, alvejado por perdigotos
discursados pelos bêbados?
No entanto o não-caber no mundo
move e se cumpre, ocupando
tudo: eu, cascos de cerveja, o Ceará
dono do bar e até mesmo o cu
do eqüino, buraco negro e cego,
como uma galáxia prestes
a nos engolir sobremaneira.
E entre mugidos ou seja lá quais
impropérios assoprem cus de
estátuas eqüestres, nos dissolvemos,
Mal. Deodoro, Princesa Isabel, praças,
bêbados, você e eu:
sob o vasto merdaçal de pombas
sob a penumbra onde já não vejo gestos
sob asas que não deixam rastros nem sombras
sob a mira da merda de bronze que certamente
uma hora soltará o brioco desse cavalo.
HOTEL HELL
26.4.04
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