O taxista de Collor
Não voltamos ao início dos anos 90. Não voltamos a nada. Entro no táxi, digo, carruagem que leva barnabés para lá e para cá, porque estou atrasado. Nada mais justifica tamanha imprudência, mas um mujique parece estar sempre atrasado. Calor, chuva, poeira que sobe das ruas. A janela não abre. Não chegam a ser milhares as opções de conversa com um taxista, é pena que abram o bico. É pena e bico.
- Como ficou bonito esse novo Astra.
- ...
- É que eles capricharam, meu cunhado comprou e não se arrependeu.
- ...
Não tenho o hábito de mandar as pessoas calarem a boca. Não assim, tão gratuitamente. Mas minha vida anda meio complicada, sabe: meu patrão não quer que eu fique muito tempo longe da propriedade, e ao mesmo tempo não tenho tempo para ficar por lá. Conversemos sobre algo, por favor.
- Eu não gostei desse Golf.
- ...
- Mas como ficou bonito esse novo Renault!
- ...
Ah, há sempre os comentários sobre a moça que atravessa a rua dentro de calças apertadas ou sobre o veadinho que dá seus pulinhos sobre a faixa de pedestres. Ou sobre a maldita casa que o cidadão está construindo na praia. Sobre os sinais fechados, sobre a desaceleração em plena ladeira, nunca. Meu tempo certamente vale menos que os cinqüenta copeques que o féladaputa pretende ganhar.
- Olha, pra comprar um carro hoje em dia tem que pesquisar bastante.
- ...
- Eu mesmo já pensei em instalar um sistema a gás, mas veja bem, isso depende muito do tamanho do carro, e às vezes eu levo material de construção para a praia...
- ...
Ótimo. Eu precisava muito saber sobre isso, agora acho que minha conta bancária será menos azeda. Gosto muito de saber as últimas notícias sobre a sogra do taxista, aquela jararaca. Começo a gostar pra valer da sogra do taxista, uma mulher educada e simpática. Quando maior o incômodo, melhor.
- Deixei a amante em casa e fui levar a sogra para o aeroporto.
- ...
- Foi quando vi um sapato vermelho ao lado do banco. Falei alguma coisa sobre o tempo, disfarcei e joguei o sapato pela janela, ainda vi o sapato rolando no asfalto.
- ...
- O sapato era da velha, rapaz. Ela ficou procuranto o sapato e eu fui tomar querosene para esquentar.
Que beleza. Em casa tenho três filmes para ver, costumo alugar filmes, pagar por isso e não assisti-los. Mas como é bom saber tudo sobre o sapato da sogra do taxista. Não costumo reler livros assim tão rapidamente, preciso de pelo menos dois anos para voltar a folheá-los. É o que faço no momento com "Viagem ao Fim da Noite", de Céline, quero voltar rapidamente a lê-lo. O taxista deve conhecê-lo. Deve tê-lo dissecado, já que é dado à leitura de jornais populares. Ah, se o mujique respondesse a todos os taxistas, esses verdadeiros gênios do transporte e da vida!
- Agora eu quero comprar uma caminhonete, sabe, para levar madeira para a praia, quero construir um casa bem grande.
- Tenho três filmes em casa para ver. Uma comédia, um drama e um filme de guerra.
- Falam mal da Fiat, mas um tio meu só compra Fiat. De uns tempos para cá estão muito bons os carros da Fiat, não sei por que falam tão mal.
- Estou relendo "Viagem do Fim da Noite", aquele livro pra lá de otimista de Louis-Ferdinand Céline.
- Sabe o que o cara me respondeu quando parei na borracharia, no meio de estrada? "Você está de Chevrolet, cara, você está de Chevrolet. Não tem problema não". E eu nunca tive problemas.
- Meu emprego é uma bosta. Não tenho prazer em ir até lá.
- Como ficou bonito esse novo Astra!
- Minha mãe está doente, meu primo fará um transplante de fígado.
- Ah, eu arranjo desculpa para não dar carona para a sogra. Sabe qual a gorjeta nessas boates e casas de massagem? Pagam até vinte rublos, cara, vinte rublos. É a diária da minha carruagem.
- Penso no quanto Sartre conseguiu ser onanista. Já conheceu mulheres que gostam de Sartre? São ou não chatas?
- A traseira desse Mégane é que é meio estranha.
- Tenho certeza de uma coisa: sei quem é a mulher da minha vida, falei isso para ela, sei que nunca mais falarei isso para nenhuma outra mulher, minha vida pode melhorar até o fim dos meus dias, mas não tenho garantia nenhuma. Posso ser salvo, posso me perder. Tenho as mãos amarradas pelo destino.
- Olha só quanto carro importado na rua. Tudo por causa do Collor. Ele disse certo, só tinha carroça nesse país! E ainda falam mal do Collor.
- Olhe para a câmara da verdade e responda: John Lennon ou Mark Chapman?
- O que eu acho mesmo é que deviam contratar uns jogadores bons, esses não estão dando para a saída. Eu é que não vou mais ao estádio, não...
Custo da corrida: oito rublos e alguns copeques. Dou nove rublos e ainda desejo boa sorte, sem obter a desnecessária contrapartida.
Josef Virgiliovitch é O mujique
28.7.04
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