20.8.04

Soltei as palavras que me afogavam. As palavras compuseram frases cheias de calor, de sorrisos e abraços e voaram até o destinatário. Sem o peso daquelas palavras presas, que eram palavras de conforto, de amizade, de carinho, a minha alma ficou leve e contente.

Nem todas as despedidas precisam ser tristes, mesmo as definitivas, eu aprendi isso com meu avô.

(...)

O Rafael da Rua Paper deixou a pergunta:
O que foi que o teu avô te ensinou?

Eu vou ter que contar uma historinha pra explicar.

O meu avô, pai da minha mãe, foi um segundo pai pra mim. Desde pequena ele fez com que eu me sentisse muito, muito querida. E ele era assim com todos os netos. Nos aniversários ele nos dava o que chamava de "um dinheirinho", sempre em um envelopinho, dinheiro suficiente para ir a um cinema, tomar um lanche, comprar uma lembrancinha. O meu avô tinha um corcel branco de quatro portas e nos levou uma vez, a mim e meus primos, para tomar soda limonada no alto do edifício Itália, no centro da cidade. O meu avô foi herói na revolução de 1932. Ele gostava de dançar e de ouvir músicas antigas, gostava dos cantores do rádio. Ele era ótimo com eletrônica, montava e desmontava aparelhos. Ele adorava assistir luta livre na TV. Nos almoços de família, que aconteciam nos aniversários e datas especiais do ano, ele sempre dormia depois da refeição. Ele era muito sociável, conversava com todos os vizinhos e tinha uma amiga dele de muitos anos com quem ele ficava horas no telefone sempre que ela telefonava.

O meu avô era maravilhoso.

Um dia, em um domingo, anos após a morte do meu pai, fui na casa dos meus avós e meu avô estava gripado. Ficamos vendo programas de calouros na tv, sentados um ao lado do outro no sofá, de mãos dadas. Nós sempre conversávamos muito. "Minha neta" - ele disse depois de um silêncio - "Estou ficando muito velho e estou cansado de viver".

Dois dias depois, meu avô faleceu.

Meu avô foi enterrado no cemitério do Morumbi, numa tarde de sol. O cemitério simplesmente lotou de pessoas que vieram se despedir dele. Estavam todos tristes pela partida dele, mas na verdade, poucos choravam. A maioria ficou contando histórias de como ele era um homem bom, simpático e algumas pessoas, apesar da tristeza, sorriam ao lembrar dele. Ele era muito amado.

Eu não chorei no funeral do meu avô. Achei que seria injusto com o homem alegre que ele foi. Meu avô tinha me ensinado que morrer não era nada demais, apenas uma seqüência natural da vida, que não devíamos ficar profundamente tristes quando uma pessoa vai embora e sim, lembrar de todas as coisas boas que tivemos com essa pessoa. Eu não chorei no seu funeral, porque não me senti triste com a partida dele. Eu já sabia que um dia ele iria partir e me senti feliz por todos os anos que ele conviveu comigo e por ter sido um avô tão incrível para mim.

Foi isso, Rafael, que meu avô me ensinou: que quando uma pessoa vai embora, por mais que nós amemos essa pessoa, nem sempre devemos nos sentir muito tristes. Porque uma hora as pessoas vão embora e vale mais lembrar as coisas maravilhosas que vivemos com essa pessoa do que chorar sua partida.

Mad Tea Party

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