17.8.04

UM LOIRO EM MINHA VIDA

Eu desci do carro puta da vida, tentando manter os palavrões num nível não muito ofensivo para a criança - de, o que, 3, 4 anos ? – que me acompanhava, com as perninhas totalmente esticadas e os pés ainda bem longe de alcançar o fim do assento do banco do meu Uno vermelho, do ano (89 !!?), indignada com meu carro que deixava cair um pedaço tão facilmente e com os @#$&%*# dos vizinhos que insistiam em estacionar praticamente na frente da minha garagem, transformando o que deveria ser uma ré simples em vários minutos de manobras, xingamentos e, ocasionalmente, raspadas, como esta que acabava de tirar a ponteira do meu pára-choques. O fato de que isso faz no mínimo 15 anos só comprova que eu não era tão calminha na juventude quanto eu gosto de pensar. Enfim, revoltada, vermelha, me equilibrando nos meus saltos 7, (é, na época eu me vestia bem melhor que hoje), me sentei no banco do motorista, o pedaço do pára-choques na mão e ainda soltando fumacinha pelos ouvidos, e enquanto continuava a manobrar, o gatinho só me olhava, meio preocupado, do banco do passageiro – eu sei, criança é no banco de trás, mas naquela época, no pré-cambriano, nem eu nem ele sabia ou dava moral pra coisas insignificantes como segurança. My bad – com aquela carinha de patinho de desenho animado. Quando minhas orelhas pararam de arder de raiva, ele me falou, com sua melhor vozinha de acalmar rottweiler : “Tia Cynthia ?” – na verdade, isso soava mais como “Sá Tíntia”, mas enfim. Eu, ainda meio irritada : “Hum”. Ele :“Quando eu crescer, eu vou trabalhar muito, ganhar muito dinheiro, e comprar outro pára-choque pra você, tá ?” Me derreti, claro, naquela vez e em várias outras parecidas. É por isso que não adianta : por mais que ele agora tenha mais de 1m80, seja tímido, magrelo, monossilábico, fechado, aparentemente frio e eternamente blasé, eu sempre olho pro meu primeiro sobrinho e vejo o mesmo toquinho loirinho, com aquelas bochechonas que a gente tinha que se segurar pra não morder, as mãozinhas cheias de covinhas e um coração tão grande e doce que vazava em olhinhos amendoados e cor de mel. Se por acaso você passar por aqui hoje, Marco, feliz aniversário. A titia te ama.

CynCity

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