29.9.04

Mutumbilelê - uma odiosa lenda à brasileira / Dennis D.

Sempre que chovia na floresta, Mutumbilelê, o passarinho da cabeça grande, ficava escondido nos afundados do cipó-titica. "Ai, que medo!", ele pensava, "Ai, ai, que medo da Mamãe Naná!".

Toda ave da espécie de Mutumbilelê, assim que lhe crescem as penas negras da cauda - e antes mesmo de se aventurar no primeiro vôo curto, entre os galhos da majagumbeira florida - recebe a grave advertência de Aimacurum-nini, o espírito protetor dos bichos emplumados: "Quando o mijo cristalino de Tupã-tutu cai em forma de chuvarada, Mamãe Naná, a deusa das poças d'água, aparece em toda parte. Nenhum passarinho de cabeça grande deve olhar nos olhos molhados de Mamãe Naná... se quiser continuar vivo e criar família."

Mutumbilelê queria continuar vivo, bem vivo, e criar família numerosa, por isso temia os dias em que Tupã-tutu mijava na floresta. Entretanto, esse temor de Mutumbilelê não lhe amainava a curiosidade. "Como serão os olhos molhados de Mamãe Naná?" - ele se perguntava, cada vez mais intrigado - "Serão belos como as flores azuis da majagumbeira ou assustadores como os olhos amarelos da impiedosa cobra corutuarana-do-rabo-fino?"

Num dia de chuvarada, bem ao final do verão, Mutumbilelê foi vencido pela própria curiosidade. Emergiu dos afundados do cipó-titica e pôs-se a procurar os olhos molhados de Mamãe Naná. Logo adiante, o passarinho da cabeça grande se deparou com uma poça d'água redonda e rasa.

"É ela, sim, é ela!", exclamou em piados tremidos, misturando medo com valentia e prazer. Passinhos curtos, cuidadosos, foi entrando na poça até chegar ao centro. Parou. Olhou para baixo a buscar os olhos de Mamãe Naná, mas o que viu? Nada! Só havia água de chuva, simples, boba, sem graça, molhada como a água do riachinho ou da lagoinha. "Mamãe Naná? Pois sim!"

Desencantou-se o Mutumbilelê. Soltou uma titica verdolenga e resolveu mudar de religião.

Dennis D.

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